Picture lovingly courtesy Nigel Pye
Segundo o
espiritismo
1°
Edição
Editora Voo
morto - PT
Edição 2013
Versão 10.18
Dedicatória
Não tenho mérito nenhum sobre este trabalho. Este livro é um
resultado de tudo o que sou como consciência atual e do meu íntimo espiritual.
O mérito deste livro está todo em Deus, pois foi por Ele e pelos meios Dele que
me foi possível apresentar tais pensamentos. Entretanto, na existência atual,
algumas almas participaram ativamente do melhoramento deste trabalho, ficando
indispensável o agradecimento sincero a cada um deles.
Em primeiro lugar,
minha esposa, por ter aguentado anos de confusão mental que experimentei
tentando penetrar no impenetrável e fustigando meu espírito quase até o limite
da loucura.
Marcos Moreno, por ter me tirado de um labirinto de culpa e
possibilitado o vislumbre que tive pelo seu fantástico trabalho de psicólogo
(como disse anteriormente, "...quase até o limite da loucura”).
Fabiano Bartholomeu, onde me acompanhou por longas conversas
e a quem eu devo a "LUCIDEZ" do título deste livro e que tão bem o
significa.
Danilo Novaes, que me mostrou o potencial de colocar os
diálogos das ideias discutidas neste livro.
Daniel Zambrini, que mitigou e revisou os assuntos contidos
neste livro, possibilitando correções e melhorias grandiosas.
Saulo Calderon, que é para mim uma das pessoas mais lúcidas
que tive contato até então e que participou deste deslumbramento desde o princípio
com seu valioso trabalho.
Oração
"Inspira-me, meu
Deus para a lucidez que encontrei ou que acho ter encontrado. Inspira-me Senhor
para mostrar a meus irmãos a tua beleza e o teu amor de uma nova forma.
Inspira-me Pai, para conseguir passar aos que estão no momento de compreender
este sentimento que tanto toca meu coração. Inspira-me, meu amigo, pois tudo de
bom que este trabalho pode resultar nenhum mérito terei, pois todo o mérito é e
sempre será Teu".
Índice
Introdução
Notas do Autor
O Espiritismo
O Orgulho
Do princípio: O livre-arbítrio
A falta de controle
Dialogo I
Dialogo II
Dialogo II I
Deus e o Compatibilismo
As camadas do entendimento
Dialogo IV
A indulgência
Deus Absolutamente justo e
bom
O que somos?
A Reencarnação
Não existem desperdícios
Pseudo Lucidez
Dialogo V
A auto lucidez
Grandes mestres: Jesus
Cristo
O verdadeiro Reconhecimento
Diálogo VI
O Perdão
Bem vs. Mal
O caminho do amor
incondicional
Humilgência
A evolução que existe em
Retroceder
Diálogo VII
Estudo de caso I
A lucidez segundo o
espiritismo
Fundamentos da lucidez
segundo o espiritismo
"Acredite naqueles que buscam a verdade. Duvide, porém,
daqueles que encontram-na." Andre
Gide
Demorei muito tempo para responder uma pergunta
em particular qual resumiria muito bem a introdução deste livro: “Porque escrevê-lo?”
Eu precisava de uma resposta. Precisava para
validar o propósito que movia a minha vida e as minhas atitudes e
principalmente o sentimento que amiúde me invadia. Precisava entender porque
isso acontecia. Durante muito tempo busquei estas respostas e encontrei
desafios lógicos que me levavam a um abismo sombrio, mas que me deram o
princípio fundamental sobre a lucidez. Nomeei este livro como "segundo o
espiritismo" para diferenciar esta lucidez que proponho aqui das tantas
outras que existem e realmente acredito ter ido um passo além. Entretanto,
posso apenas aspirar a uma verdade
relativa e proporcional ao meu adiantamento moral e espiritual.
Então, partindo de um sentimento que até muito
tempo permanecia latente em meu coração, conjecturei um raciocínio lógico muito
materialista e que logo depois se abriu como uma flor incrivelmente bonita, com
a união de um profundo sentimento espiritualista, terminando por ser catalisado
com a doutrina encantadora do espiritismo.
É esta flor que quero compartilhar, algo que me
faz tanto bem e me mostra com tanto carinho como devemos agir com todas as
coisas do universo. Ao enxergarmos de uma forma mais lúcida os inúmeros
processos que ocorrem ao nosso redor, o peso do mundo será reduzido e a vida
passará de uma navegação turbulenta para uma navegação suave e carinhosa,
independente da agitação do mar.
Então, com posse de algo tão bonito no coração,
como não compartilhar? Como poderia guardar comigo algo que tanto me tem
maravilhado e consolado? Não posso e não quero. É sem dúvida está a resposta:
compartilhar algo bom, algo libertador.
Outra ideia que deverá ter em mente é a forma
como este livro deve ser lido: Como se estivesse a analisar uma linda flor que
mostrarei, pétala por pétala toda a sua beleza em cada detalhe. Então, como um
presente, eu a lhe entregarei. Se não a apreciar, não tem problema, será apenas
uma flor de um jardim qualquer, mas se estiver pronto, no momento certo, irá
guardá-la com você bem próximo ao coração.
Mais tarde, entenderá que a forma na qual se
comportará diante desta flor estará totalmente de acordo com o que você é no
mais íntimo dos sentimentos, no mais íntimo do teu espírito. Que esta flor
traga tantos sentimentos bons quanto tem trazido para mim.
Existe uma parábola muito bonita dita por Jesus, a parábola
do Semeador. Nesta parábola Jesus conta o trajeto de um
semeador que deixa as sementes caírem ao longo de sua caminhada. As primeiras
caíram sobre o chão e algumas aves as comeram. Outras caíram em terreno
pedregoso, onde não havia muita terra; elas logo brotaram, mas a terra não era
profunda e quando logo saiu o sol as plantinhas se queimaram e secaram pela
falta de uma raiz mais profunda.
Outra parte caiu no meio dos espinhos, que cresceram e logo
foram sufocadas e outras caíram em boa terra e deram boa colheita.
Não é dada ao terreno se transformar em boa terra apenas
pela vontade. A vontade é a chave para esta determinação, mas carece de tempo e constância. Cada terreno é o
que é em determinado momento, dado o seu adiantamento moral intrínseco a ele.
Assim é este livro, como uma semente que dispersarei sobre
tantos terrenos distintos, mas somente naqueles onde existe uma particular
sensibilidade ocorrerá a boa colheita. Embora este livro se detenha em um
conceito lógico bem definido e, de certa forma até inquebrável, não é suficiente por si só. É
necessário este tal sentimento, oriundo de experimentações do espírito nesta
escola infinita.
Desta forma, nunca existirá, em nenhuma parte deste trabalho
a intenção de convencer, pois isto estaria totalmente contra a ideia que irei
apresentar aqui como um todo. Que ouçam então os quem tem ouvido para ouvir, ou
melhor, os que estão preparados, no íntimo, para conseguir aproveitar o que
este trabalho tem a oferecer.
Independente disto, opositores ferrenhos aparecerão e
procuro amparo no trecho abaixo:
“Toda ideia nova forçosamente
encontra oposição e nenhuma há que se implante sem lutas. Ora, nesses casos, a
resistência é sempre proporcional à importância dos resultados previstos,
porque, quanto maior ela é, tanto mais numerosos são os interesses que fere.
Se, porém, é verdadeira, se assenta em sólida base, se lhe preveem futuro, um
secreto pressentimento adverte os seus antagonistas de que constitui um perigo
para eles e para a ordem de coisas em cuja manutenção se empenham. Atiram-se,
então, contra ela e contra os seus adeptos. Assim, pois, a medida da
importância e dos resultados de uma ideia nova se encontra na emoção que o seu
aparecimento causa, na violência da oposição que provoca, bem como no grau e na
persistência da ira de seus adversários.”[2]
“Sabe ele muito bem que está
errado, mas isso não o abala, porquanto a verdadeira fé não lhe está na alma. O
que mais teme é a luz, que dá vista aos cegos. É-lhe proveitoso o erro; ele se
lhe agarra e o defende.”[3]
Por fim deve ficar claro que não podemos tirar a lagarta
antes do tempo do casulo, porque isso a mataria. Da mesma forma não devemos
forçar a compreensão de nenhuma consciência, pois tudo tem o tempo certo de
acontecer. Podemos sim melhorar as condições e acelerar até certo ponto a
eclosão do casulo, mas estará subordinado sempre a lagarta iniciar esta
eclosão.
Alguns capítulos deste livro estão na forma de diálogo. Esta
foi uma forma que encontrei de colocar a ideia em outra perspectiva onde o
leitor poderá compreender com mais facilidade os assuntos, que não são simples.
Estes diálogos saíram de situações reais nas quais expunha a ideia para amigos
ou para leitores que revisaram este livro. Além de levantar dúvidas comuns que
você mesmo poderá ter lendo os capítulos principais, irá lançar uma visão
complementar do próprio capítulo.
“Quaisquer que sejam os prodígios realizado
pela inteligência humana, essa inteligência tem, ela mesma, uma causa, e quanto
mais o que ela realiza é grande, mais a causa primeira deve ser grande.” (Kardec, p. 13)
Foi definitivamente no espiritismo que encontrei uma das mais belas
formas de manifestação da lucidez, em seu mais profundo nível. Foi com as suas
revelações que terminei de dar o nó à conjuntura lógica que havia elaborado e,
principalmente, dado um sentido lindo a tudo isso. Esta compreensão não está
apenas no espiritismo, mas é nesta doutrina em que existe da forma mais
simples, objetiva e lógica.
É no espiritismo que temos a correlação de causa e efeito muito bem
evidenciados e que é tomada por base desta doutrina. Por algum tempo este
trabalho não teve este rumo espírita, mas foi para mim impossível não passar a
utilizar o espiritismo como base, pois é um reflexo expressivo e verossímil do
sentimento que sempre existiu e que eu tanto quero passar. É assim, de forma
inegável este um livro espírita. Na minha tentativa de escrever algo que
chegasse a todos os corações, evitei a abordagem deste assunto sobre o prisma
de qualquer doutrina, mas esta é uma missão impossível.
Segue-se também que, pelo fato de ser um livro espírita, ocorrerá um
direcionamento mais assertivo aos corações capazes de compreender o que aqui
exponho e que seria, além de loucura, uma demonstração de falta de lucidez ao
se esperar que todos estejam prontos para compreender este trabalho.
Porém, de certo, não se faz necessário ser espírita. Este é apenas
um direcionamento efetivo na busca de consciências que estejam no momento
certo. Enquanto que a ideia inicial era propor um trabalho abrangente a todos e
que pudesse ser entendida por todas as pessoas, sem restrições, percebi que a
constatação de um argumento lógico pouquíssimo
influência na crença de uma consciência.
Muito do que tomarei por base se encontra em algumas obras
espíritas, principalmente no Livro dos Espíritos e no Evangelho Segundo o
Espiritismo.
Para se entender como o espiritismo abraça tão perfeitamente o
desafio que este livro se propõe a fazer, darei um breve resumo desta doutrina:
O espiritismo é uma doutrina recente. Teve início depois do
instigante fenômeno conhecido como mesas girantes[4], mesas que
começavam a girar e se movimentar misteriosamente, fazendo este fenômeno ser
uma das formas de diversão da época. Elas se erguiam no ar e respondiam
mediante a batidas pelo pé da mesa no chão ou por batidas na própria matéria da
mesa ou batidas no teto, fenômeno hoje definido como tiptologia. Chamando a
atenção de pesquisadores sérios, Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Leon
Denizard Rivail) foi chamado a investigar os fenômenos para
encontrar alguma fraude quanto a um possível efeito de truque magnético ou
alguma outra explicação física.
Dotado de um rigoroso método de investigação cientifica, não
conseguiu aceitar de imediato os fenômenos das mesas girantes ou dos sons de
batidas. Depois de ficar sem respostas para tais acontecimentos e percebendo
que uma força inteligente produzia estes fenômenos, estabeleceu padrões de
comunicação com esta inteligência. Assim um efeito inteligente deve ter uma
causa inteligente.
Kardec percebeu então se tratar de homens que já haviam morrido,
espíritos no caso. Utilizando de médiuns, pessoas sensíveis de diversas formas
à manifestação com o mundo espiritual, começou a estabelecer meios de
comunicação mais eficazes. No começo, um lápis era colocado ao pé da mesa (no
caso da movimentação das mesas) para se escrever em uma folha. Nas comunicações
que ocorriam em batidas, para cada batida era definida uma letra do alfabeto.
As experimentações seguintes deram origem a outras formas de comunicação, como
um lápis apoiado em uma cesta escrevendo em uma folha de papel, sendo guiadas
por um médium.
A seu tempo, várias formas de comunicação eram aprendidas e
utilizadas e por fim todos estes sistemas complicados foram sendo abandonados e
o lápis passou a ser utilizado diretamente na mão do médium. Esta Progressão
teve principal motivo pela necessidade de veracidade, pois existiria uma dúvida
muito forte se as primeiras comunicações fossem obtidas apenas através de
médiuns escrevendo diretamente no papel; desta forma, foram necessárias estas
manifestações físicas para tornar patente a verdade que existia ali.
Kardec fez centenas de perguntas a estes espíritos em diversas
comunicações. Passando por um severo crivo, as respostas eram analisadas e,
após o mesmo princípio de cada resposta ser encontrada em diversas comunicações
entre médiuns em diversos lugares, sem aparente influência entre si, eram
aceitas.
Assim nascia O Livro dos Espíritos.
A presença da lógica está em todo o espiritismo, dando uma nova
forma de religiosidade e fé raciocinadas, onde não se deve aceitar simplesmente
um fato, mas submetê-lo à inteligência. No espiritismo não existem dogmas. O
Livro dos espíritos desmistifica os inúmeros equívocos que ocorreram na
interpretação de livros sagrados, muitas vezes gerados por problema na
tradução, complicações idiomáticas pela utilização de uma mesma palavra para
outros sentidos (sinônimos), interpretação incorreta das parábolas utilizadas,
possíveis alterações e manipulações, etc.
Então nascia uma revelação nova, sem tais problemas temporais que
nos permitiram uma comunicação limpa com o lado espiritual de forma
arrebatadora. O evangelho segundo o espiritismo foi outra obra que tem
em uma das suas prerrogativas corrigir erros de interpretação das parábolas
contadas por Jesus em sua existência. É um guia para os que procuram a reforma
íntima e o progresso efetivo em direção a Deus.
O espiritismo foi então, uma doutrina revelada e iniciada a partir
de um efeito. Não foi criada por um sentimento de tentar compreender Deus, mas
uma investigação de fatos, das comunicações mediúnicas que se mostravam
impossíveis de serem ignoradas. Foi pelo estudo do efeito que se aprendeu sobre
a causa. Kardec demorou quase um ano para se convencer, tirando qualquer
leviandade de sua posição.
" A mediunidade foi, para o mundo espiritual, o que o
telescópio foi para o mundo astral e o microscópio para o dos infinitamente
pequenos."[5]
“Aos outros eu dou o direito de ser como são, e
a mim, como devo ser.” Chico Xavier
É sem sombra de dúvidas o orgulho um dos piores defeitos
morais do homem. É este também o pior inimigo não apenas deste livro, mais de
todas as relações a que se depara a consciência em manifestação.
Para entender o que aqui exponho é necessário abrir mão do
orgulho, ao menos em grande parte. Se não fizer isso, não passará das primeiras
páginas e não estará aberto a novas possibilidades. É o orgulho do homem que o
afasta de Deus, que torna invisível sua bondade e seu amor que tanto permeiam
cada canto do universo. Nocivo mal que desestabiliza, gera sucessiva cascata de
vicissitudes durante sua vida e não traz paz para seu espírito. Se faz então,
no momento em que começar a ler o próximo capítulo, abrir mão do orgulho que certamente
tornará seu espírito apto a aderir novos conceitos e ideias.
Este é um dos principais impeditivos ao reconhecimento das
pequenas grandes coisas que existe neste livro e que o faz estar acessível
somente para aqueles que estejam em determinado momento de sensibilidade,
conforme a sua evolução espiritual.
Como consta esta passagem muito interessante do evangelho:
“Se se recusam a admitir o mundo invisível e uma potência
extra-humana, não é que isso lhes esteja fora do alcance; é que o orgulho se
lhes revolta à ideia de uma coisa acima da qual não possam colocar-se e que os
faria descer do pedestal onde se contemplam.”[6]
É este mesmo orgulho, inimigo da indulgência e da lucidez
que terás de abandonar para prosseguir. Porém, qualquer que seja o resultado,
tudo tem seu momento, se não agora, no futuro. Se não aqui, na erraticidade.
Para aqueles que seja possível o abandono do orgulho, bem aventurado estes serão.
Para os outros, continuem, tentem, baixem a cabeça para o
que existe em um grau e nível muito mais elevado. Ao axioma que podemos aplicar
de causa e efeito, pode-se perceber de forma irrefutável a existência de um
princípio inicial, tão mais maravilhoso que qualquer maravilha criada pelo
homem. Afinal quão mais maravilhoso não seria nosso criador?
"Abre os braços à ação e cresce na direção
do Infinito” (Joanna de Ângelis - Divaldo P.Franco - Do Livro: Alegria de
Viver)
Alguma vez já se questionou de como uma escolha é feita? De
como alguém toma uma determinada decisão ou reage de algum modo? São estes
questionamentos como uma chave para um nível muito diferenciado no conhecimento
de como as consciências agem no universo.
Quando pensamos nestes assuntos, o termo livre-arbítrio vem
imediatamente à mente e muitos responderiam prontamente como sendo este o
motivo pelos quais as escolhas são feitas. Porém, para compreendermos a
principal conjectura lógica na qual se sustenta este livro, precisamos entender
o que é o livre-arbítrio em um outro nível.
Livre: Que age por si mesmo; independente[7]. Cujo funcionamento sem
coerção ou discriminação é garantido por lei.
Arbítrio: Resolução dependente somente da vontade; Faculdade
da vontade se determinar;[8]
Livre-arbítrio é basicamente a expressão usada para
significar a vontade livre de escolha, as decisões livres. Quando se toma uma
decisão, para que ela seja livre, não pode haver coação. A parte
"livre" do livre-arbítrio representa exatamente a necessidade de não
haver, de forma alguma particularidade que diminua a liberdade quanto a escolha
que venha a ser feita.
Dizendo de outra forma, para que uma escolha seja livre, não
deve existir nada que atue de forma a coagir esta liberdade. Somente assim ela
será livre. Se queremos algo e nada impede esta vontade, então somos livres. Se
acordamos no meio da noite, abrimos a geladeira e escolhemos o que comer, somos
livres se não existir nada que pese nesta escolha, como por exemplo comer algo
que não é seu (moral) ou comer algo que venha a aumentar o peso. Se tudo o que
estiver na geladeira é seu e se não tem problemas com o peso, então sua escolha
será totalmente livre.
Desta forma, uma consciência faz a sua escolha com base no
livre-arbítrio. Mas esta escolha, o quão livre ela realmente é?
Para colocarmos este termo em prática, vamos supor o
seguinte exemplo: Imagine que nosso amigo Carlos. Ele vai até a padaria para
comprar um sorvete. Chegando lá existem apenas dois sabores, chocolate e
morango. Ele escolhe morango, afinal é do seu gosto e não existe nada que possa
coagi-lo, de nenhuma forma contra a esta vontade. Diríamos que existe uma
grande liberdade em sua escolha, pois esta dependeu apenas de sua vontade, sendo livre para se determinar.
Vamos colocar a mesma situação, porem com vários dos seus
amigos indo na padaria comprar sorvete. Chegando lá, Carlos foi o último a escolher,
mas todos os seus amigos pediram sabor de chocolate. Com receio de ser o único
a pedir morango e ser vítima de uma gozação, Carlos pede Chocolate.
Quando tem-se uma coação a prostrar a possibilidade da
vontade se determinar, em qualquer nível, tem-se uma diminuição do
"livre" do termo livre-arbítrio.
Poderíamos colocar outro exemplo, talvez mais factível:
Carlos se reuniu com seus amigos com muita vontade de ir a um parque de
diversões. Porém, todos os outros gostariam de ir a um bar e não ao parque.
Carlos então é coagido a ir onde os demais vão, pois sabe das implicações que
ocorreriam por sua insistência em ir ao parque. Ele não estaria exercendo plenamente
seu livre arbítrio, pois está de certa forma sendo coagido, empurrado, forçado
e não teria a sua vontade espaço pleno para se manifestar.
Naturalmente ele poderia recusar e ir ao parque sozinho, mas
isto teria impacto quanto ao coletivo, seu engajamento no grupo, críticas que
viriam, etc. Ele não é totalmente livre
para simplesmente escolher e todas estas ideias, sentimentos, pensamentos sobre
o que pode ocorrer pela sua insistência podam seu livre arbítrio.
Ao imaginar-se a primeira situação, onde Carlos teria ido
sozinho na padaria, potencializando a liberdade do seu livre-arbítrio, por qual
motivo ele teria escolhido morango e não chocolate? Ou na segunda situação onde
ele, sozinho, teria ido ao parque e não ao bar?
Afinal, existe uma explicação para que ele tenha feito estas
escolhas, mas quais seriam?
Poder-se-ia dizer que a sua escolha foi promovida pelos seus
gostos e que tais gostos seriam um resultado de situações que promovessem esta
educação alimentar. Um exemplo disto seria sua mãe gostar mais de morango,
passando a induzir este gosto no seu filho. Independente do motivo, existe uma
explicação para tal comportamento. Existe um "porque" para aquela escolha.
No decorrer da história, algumas correntes de pensamento
filosófico foram sendo edificadas na tentativa de compreender esta questão. A
primeira corrente, apresentada por Descartes e Kant procura entender o
livre-arbítrio como completamente arbitrário. Assim, independente das
possibilidades a serem escolhidas, qualquer uma delas será possível,
independente da situação. Seria como dizer: Para matar ou não alguém, temos
sempre 50% de chance. A segunda corrente, muito bem representada por Spinoza e
diversos filósofos que seguem a linha mais materialista defendem que o livre
arbítrio como não absoluto, sendo o homem condicionado a fazer suas escolhas a
partir do que ele é. Se alguém escolhe ser mal é porque ele é mal e isto
estaria em similaridade com a sua natureza que o condicionou a tal, desde sua
criação. [9]
Neste ponto devo apresentar três conceitos filosóficos sobre
a liberdade da escolha do livre-arbítrio: O Determinismo, o Indeterminismo e o
Compatibilismo.
Significado de
Determinismo[10]
s.m. Princípio segundo o qual todo fato tem uma causa e, nas
mesmas condições, as mesmas causas produzem os mesmos fatos, o que implica a
existência de leis específicas que regem fatos e causas.
No determinismo tudo seria regido por
este comportamento e o futuro seria absolutamente imutável. A ideia do
determinismo é absolutamente lógica e não se pode escapar dela sem a atribuição
de algo desconhecido. É preciso atribuir um fato externo que possa quebrar este
fluxo de causa e efeito. Desta forma o determinismo seria como uma função
matemática, onde com os mesmos valores de entrada resultam necessariamente nos
mesmos valores de saída.
Ao escolher-se algo, esta escolha poderia ser um resultado
de trilhões de combinações, tendências, educação, momento histórico, genética,
momento evolutivo da consciência em um efeito dominó de acontecimentos.
O grande problema do Determinismo é que nos torna totalmente
robóticos, já que tudo o que somos, os sentimos que possuímos e que acreditamos
seria um resultado lógico, inquebrantável, uma causa de trilhões de efeitos
interagindo de uma forma absurdamente complexa.
A ideia do Determinismo é muito sólida. Apenas pode-se
quebrá-la parcialmente e com o intermédio de algo que não pode ser provado, e
para tanto, muito usualmente é utilizado Deus para tal fim.
Significado de
Indeterminismo[11]
s.m. Sistema filosófico segundo o
qual o curso natural das coisas não se acha submetido a nenhuma lei, a nenhuma
causalidade inteligível, quer se trate dos atos humanos, quer dos fatos
naturais.
O Indeterminismo
seria o princípio no qual alguns acontecimentos têm causas não lineares previamente
determinadas. Corresponde assim a uma quebra da causalidade definida pelo
Determinismo, por esta corrente de acontecimentos, este efeito dominó. Esta
quebra seria ocasionada por algo que não sabemos, obscuro, inserto,
indeterminado.
Desta forma o Indeterminismo só é possível se assumirmos um
agente de quebra da cadeia do efeito dominó de causa e efeito.
O Compatibilismo
seria a união entre o Determinismo e o Indeterminismo. Este é o conceito mais
aceito e que poderia representar mais como as escolhas seriam efetivamente
feitas pelas consciências. A fim de conjecturar-se logicamente o assunto,
poder-se-ia dizer que 95% corresponderia ao Determinismo e 5% ao
Indeterminismo.
É inegável logicamente que o Determinismo é a maior parte,
pois nos é mostrado, a todo o momento esta relação de causa e efeito em toda a
parte. O Indeterminismo está baseado em uma hipótese não lógica, que foge ao
que se pode provar. Porém, existe algo que nos indica que assim deve ser: o
sentimento, pois não somos robôs.
O pensamento de que somos apenas robôs de uma causa e efeito
lógicos, da mesma forma que a ideia de um destino inquebrável é brutal. É este
sentimento interno que torna esta realidade onde só existiria o Determinismo
tão incompleta. Algo nos diz que isto não seria possível, algo profundo, como o
próprio Deus que existe e que nos impulsiona para o progredir infinito. Este
sentimento nos mostra que esta lógica poderia não ser possível.
É necessário analisar o livre-arbítrio sob estas duas
formas, Determinista e Indeterminista para compreender seu funcionamento em uma
estrutura onde as duas atuem simultaneamente (Compatibilismo).
É imprescindível
antes de terminar estas definições colocar um ponto onde existe uma total confusão com os significados.
Precisamos sempre nos ater ao real significado das palavras e não atribuir a
elas uma definição sem compromisso com seu real significado.
Determinismo é
diferente de Determinado, assim como
Indeterminismo é diferente de Indeterminado.
Significado de
Determinado[12]
adj. Que se pode determinar; que foi estabelecido,
resolvido ou decidido; aprazado ou estabelecido: valor determinado.
Que
demonstra decisão ou resolução; decidido: um sujeito determinado.
Que
foi estipulado com antecedência; estabelecido.
Significado de Indeterminado[13]
adj. Que não
é determinado, que não é fixo: espaço indeterminado.
Indefinido, indistinto. Matemática
Diz-se de um sistema de equações ou de um problema de que uma ou várias
incógnitas podem ser escolhidas arbitrariamente, sendo as outras funções desses
valores arbitrárias.
Antes de Newton, a trajetória de
um objeto com o tempo era indeterminada, pois não se conseguia prever o
comportamento do objeto pela falta de conhecimentos (ignorância). Isto não quer
dizer que este movimento não seja efeito de uma causa (Determinista).
É assim tanto na física clássica como na física quântica. Na
física quântica, existe o indeterminado, pois é como uma caixa preta. Suas leis
são totalmente não intuitivas e seu comportamento não segue a lógica da física
clássica. Assim, se utilizam curvas de probabilidade para conhecer o seu
comportamento, que é reprodutivo e provado cientificamente. É assim com o
efeito da incerteza do cientista alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976).
O princípio da Incerteza, resumidamente, declarava ser
impossível determinar com precisão e simultaneamente a velocidade e a posição
de um elétron. Dessa forma é indeterminável a posição simultaneamente com a
velocidade do elétron, mas isto não quer dizer que ela é indeterminista, pois
se assim fosse, seria obra do acaso.
Este fenômeno da incerteza tem uma explicação Determinista:
Heinsenberg entendeu que os métodos utilizados para se medir o comportamento do
elétron acabavam por influenciar este comportamento, de modo que, quanto mais
precisa fosse a medição da variável posição, menos confiável seria a da
variável velocidade. Para se medir partículas subatômicas, são necessários a
emissão de outras partículas com a mesma escala de grandeza. Seria como tentar
medir a posição e velocidade de um carro utilizando-se uma árvore: Todo o
experimento estaria arruinado.
Este conceito é incrivelmente confundido por muitas pessoas.
O fato de algo ser indeterminável, não o torna indeterminista; são coisas
muitíssimas diferentes, porém a semelhança na palavra gera esta enorme
confusão.
Se a física quântica fosse indeterminista, ela não seria
reprodutível (por ser obra do acaso), nem controlável. Mas é, pelo contrário
passível tanto de reprodução, como de comprovação experimental de suas teorias,
o que mostra estarem tais fenômenos submetidos a uma lei que foge do nosso real
entendimento. Assim a física quântica é indeterminada, não indeterminista.
Pode-se dizer, entretanto, que a física quântica é
indeterminada por não ser inteligível, ou seja, não ser passível de
entendimento pela inteligência. De uma forma ou de outra, é necessário ter
exatas estas ideias e isto só é possível com o estudo sistemático de cada
parcela dos significados destas palavras.
Independente disto pode-se apontar com respaldo ao que tange
a inteligibilidade o seguinte:
O acaso não existe.
Essa suposição fere tudo o que nos tange a razão e o discernimento.
O ponto chave deste livro reside na conjectura de uma forma
de analisar como as escolhas são feitas sem ferir nenhuma das teorias existentes,
inclusive o indeterminismo no que tange o acaso. Está ai então o “pulo
do gato” desta nova forma de observar o mundo.
"Ama, entretanto, não
anotes as tricas em derredor, de pequeninas renúncias o Amor sai sempre
maior." (Carlos Gondim)
É este o ponto mais difícil do livro, onde o orgulho será
muito atacado. É aqui que devemos nos desarmar de forma franca, baixar os
braços e procurar entender o que proponho mostrar. Se passar por este capítulo,
certamente chegará ao final do livro.
Tenha em mente que para algo lógico não fazer sentido, é
necessário um argumento lógico de força igual ou superior para se tomar como
base. Caso contrário, deve-se ao menos admitir a possibilidade deste último
pela sua coerência e, principalmente, por não existir nada que se oponha a ele
em semelhante nível.
“...Digam, porém, o que disserem, ou façam o que fizerem,
não evitarão que as coisas sejam como são, que não foi consultando-lhes a
vaidade que Deus formulou as leis da Natureza.”[14]
Vamos criar uma situação hipotética onde temos uma escolha
simples: uma bifurcação na estrada.
Agora vamos dizer que pudéssemos escolher qual caminho
seguir utilizando completamente cada uma destas duas formas de considerar-se o
livre-arbítrio.
Se alguém escolher o caminho da esquerda utilizando somente
o livre-arbítrio do ponto de vista Indeterminista
(100% da sua escolha baseada nele), qual seria o controle desta sua escolha se ela foi definida por um evento
desconhecido que simplesmente “pipocou”
em sua mente ou que foi induzido por algo de fora, independentemente dele?
Digamos que neste momento de decisão teríamos sido induzidos
por um pensamento de bons ou maus espíritos, por Deus, ou por qualquer outra
manifestação que nossa limitação desconhece, qual seria o controle que teríamos
sobre esta escolha?
No outro cenário, se levarmos em conta o livre-arbítrio
sobre o ponto de vista Determinista, teríamos a escolha determinada pela
vontade, como resultado do que a pessoa é como um todo.
Esta vontade é um resultado da nossa educação, temores,
valores, genética, evolução espiritual, etc. Teríamos controle sob esta escolha se ela se apresenta como um resultado de
uma cadeia complicadíssima de causas e efeitos?
Temos também uma terceira e última possibilidade, o
Compatibilismo, o que estaríamos aqui considerando como o mais real, a forma
aceita neste livro.
Se não teríamos controle real, efetivo de nossas escolhas em
uma situação de livre-arbítrio sob o ponto de vista Determinista, nem controle
em um livre-arbítrio sob o ponto de vista Indeterminista, como obter controle
com o Compatibilismo?
Assim, em nenhuma destas três e únicas formas de manifestação
do livre-arbítrio temos o real controle da escolha.
Quando se diz que não
temos o controle efetivo sobre nossas escolhas, sei que isto ataca diretamente
nosso orgulho. Porém, não se pretende com isso dizer que não existe o controle
em determinadas situações. Pode-se ter o controle de uma situação em
particular, o controle dos sentimentos e também o controle de um processo, mas
não o controle do que somos.
Um bom exemplo seria analisar alguém que mantém o controle
emocional em um momento de crise. Naquela análise circunscrita, existe o
controle, porem este controle se perde quando analisamos a “Big Picture”, o
todo.
Se nos perguntássemos por que alguém mantém o controle da
situação e outra não encontrariam ai mais um efeito de uma causa ou algo
indeterminado.
Manter o controle emocional só foi possível mediante as
escolhas que foram tomadas. Poder-se-ia escolher em atuar na situação ou por
permanecer ausente. E o que teria influído na tomada da escolha? Também não
seria outro efeito de uma causa? Ou obra de algo indeterminado?
É com muito cuidado que procuro não macular o maravilhoso
livre-arbítrio dado por Deus para as suas criaturas terem a liberdade de
escolherem seus próprios caminhos. O que eu mostro, de uma forma muito
diferente, é que existe um entendimento muito mais profundo para explicar o que
leva alguém a ser como é, mas para se compreender isto se faz necessário estudar
amiúde suas razões e motivações, o que nos leva a esta possível conclusão: Não temos como não ser o que somos.
Então eu pergunto: Como responsabilizar uma consciência se a
sua escolha foi uma mistura destas duas formas de liberdade que não confere
efetivamente controle nenhum à ela
sobre suas ações?
A responsabilidade pelas ações de uma consciência se dá pela
necessidade de aprendizado, somente por
esta razão. Enquanto existir a ignorância será necessário este mecanismo de
correção. É necessário que exista a punição, a conta partida de uma ação não
edificante.
Desta forma, independente de como uma consciência interprete
o livre-arbítrio, ela nunca terá o controle efetivo sobre suas escolhas, o que
nos leva ao seguinte e mais importante definição de todo o livro, um tributo a
indulgência em seu mais profundo estado:
"Cada consciência neste universo é e sempre será o melhor que
consegue ser, uma manifestação fiel de si própria, de seu momento evolutivo
rumo a perfeição".
O Controle efetivo das nossas ações, em qualquer combinação
que se dê quanto à observação do livre-arbítrio nunca existirá. Quando eu digo
que não existe um controle tento mostrar que as ações que uma consciência
promove são uma manifestação em concurso com seu íntimo, com sua natureza, com
seu momento evolutivo, reflexo do seu espírito.
Os maus, ainda imersos na ignorância, são assim pela razão
de não conseguirem manifestar a bondade, pois lhe falta o sentimento, a empatia que será adquirida apenas com as sucessivas
reencarnações que lhe serão presenteadas.
Os maus só assim se manifestam porque não conseguem fazer o
bem e está longe desta afirmação ser somente um jogo de palavras. Se fizermos o
bem, isto é uma manifestação de algo que trazemos no íntimo e que deixar de fazê-lo
acarreta em um incômodo, insatisfação e desconforto. Não fazer o bem para
alguns dilacera a alma, realmente machuca o coração.
Os que não amam, não
o fazem simplesmente por não quererem, mas porque não conseguem. Os que odeiam, o fazem por não conseguirem amar. Por
outro lado os que amam, não conseguem odiar e o fazem movidos por algo tão
profundo que se torna natural e inevitável.
Talvez seja este o ponto mais complicado deste trabalho e
será necessário abrir mão do orgulho para realmente entender que
não existe controle sobre o que nós somos, sobre como nos sentimos. Em outras palavras, não podemos fugir do que
somos. Então, como ocorre que uma consciência procura se melhorar?
Esta é uma pergunta que devemos procurar responder
primeiramente por nós mesmos. Se honestamente nos analisarmos, veremos que algo
interno nos incomoda a ponto de procurarmos outro caminho. Este “incômodo” é o
motivador de todo este movimento. Se estiver lendo este livro, é porque algo o
motivou e não teve controle sobre essa motivação, porque isso é ser o que você
é, como manifestação absoluta de si mesmo.
Talvez a forma mais fácil de entender o que tento expressar
em palavras é a auto-observação. Quando nos descontrolamos, surtamos ao impulso
da raiva, percebemos esta falta de controle em nós mesmos.
Analise-se e
perceberá que as respostas quase sempre estão em seu íntimo. Todos os
ensinamentos de Jesus poderiam seguramente serem observados com muita
felicidade nesta frase: “Como vocês
querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.” Lucas 6:31
Poderíamos deixar na forma mais conhecida: "Faça aos outros o que você gostaria que eles fizessem à você ".
Perceba que em uma
única frase Jesus consegue mostrar de uma forma incrivelmente assertiva como
devemos nos comportar, em toda a sua extensão, e que ela diz mais sobre nós
mesmos do que sobre os outros. Este seria o motivo da máxima
"conhece-te a ti mesmo" ser tão importante para conseguirmos avançar
na senda do progresso que se abre a nossa frente.
Não somos o que queremos ser, mas sim o que conseguimos ser. Não
queremos o que queremos, mas o que conseguimos querer.
“O Homem é livre para escolher o que quer, mas não para querer o que
quer.” [15]
— Daniel, não
concordo com o que você está dizendo. Então se tivermos um criminoso que
assassinou alguém, estaria me dizendo que ele não teve controle sobre isto?
— Sim, seria isto
mesmo. Posso te explicar de outra forma: No momento em que este criminoso
respondeu desta maneira, tirando a vida de outra pessoa, ele estava reagindo
conforme ao que ele era. Ele não conseguiu agir diferente.
— Mas ele poderia
não ter atirado.
— Poderia, mas não
teve controle sobre isso. Me responda a uma pergunta: Existe uma explicação
para o fato deste criminoso ter atirado?
— Deve ter sim.
— A partir do
momento que explicamos um evento, colocamos este evento em uma cadeia de causa
e efeito, ação e reação definidos. Quando se explica, se determina a
inevitabilidade do acontecimento e logo não se tem o controle.
— Bom, talvez não
tenha uma explicação.
— Pode ser, mas
agrava ainda mais a situação. Ao não existir explicação para um acontecimento,
o definimos como sem lógica, um resultado do acaso; mas o que é o acaso se não
o nada? E o que é o nada?
— Como assim?
— Se podemos
explicar um acontecimento, ele acaba por ficar preso nesta cadeia de ação e
reação. Se o criminoso atirou, isso foi por sua imprudência, nervosismo e pela
situação em que se encontrava. Mas porque ele é imprudente? Porque ele se
permitiu estar nesta situação?
— Ele escolheu este
caminho.
— Sim, sem dúvida.
Mas porque ele escolheu este e não aquele? Porque não foi firme o suficiente
para escolher o caminho do bem? Porque duas pessoas em situações semelhantes
tomam decisões tão diferentes?
— Mas estas
perguntas não podem ser respondidas.
— Não diria que não
podem, mas que não precisam ser respondidas para serem efetivamente
compreendidas. Alguém só segue um caminho do mal pois sua forma de agir não lhe
implica em um sofrimento mais agudo. Por não ter sensibilidade e reconhecimento do sofrimento que ele implica
nos outros, é incapaz de sentir. Precisamos sempre voltar às origens do que
leva alguém a fazer algo e porque esta consciência se tornou o que é. Se alguém
cai no caminho do crime por ser fraco, o que leva alguém a ser fraco ou forte?
Ao identificarmos o motivo da fraqueza daquela consciência, não acabamos por
responder a esta pergunta?
— Mas desta forma,
você acaba justificando as atitudes de todo mundo.
— Sim, exatamente.
Todos agem no limite do que são como consciência, porem existe uma grande
diferença entre aceitar e ser conivente. Todos nós somos responsáveis pois é
necessário que exista uma contra partida para uma correção, caso contrário não
evoluiríamos.
— Mas se ele fosse
apenas mal, digamos cruel?
— E o que leva
alguém a ser mal ou cruel? Digamos que ele tenha nascido assim, com uma
crueldade latente, que o impulsiona a agir desta forma. Este já não seria
motivo suficiente para suas crueldades? Agora imagine duas pessoas, uma boa e
outra ruim. A pessoa boa não traz em si estes pendores, motivados pela
truculência do espírito. Dessa forma, alguém mal tem um impulsionador que os
bons não tem, pelas consequentes evoluções e impérios que edificaram em seu
espírito para um caminho mais manso. Por outro lado, os bons tem um
impulsionador em sentido oposto. Assim o mal tem dificuldades em não praticar o
mal, o bom tem dificuldades em ignorar oportunidades de praticar o bem. Tudo é
um efeito de uma causa. Procure a causa de todos os efeitos e entenderá
exatamente o que estou tentando lhe mostrar.
— Então Daniel, eu
acho que tem que dar uma melhorada na ideia ainda, no livro está parecendo
muito que não existe o livre arbítrio e sim que só existe o determinismo, tem
que dar uma "balanceada" entre os dois.
— Inevitavelmente
acaba tendendo para o determinismo, mas a ideia está em mostrar a falta de
controle da consciência, pois esta é a ideia central; não importa se tem o
determinismo puro, o indeterminismo puro ou o Compatibilismo. Em nenhuma das
opções a consciência vai ter controle de suas escolhas e elas são uma resposta
desta mistura de coisas acontecendo. No indeterminismo, a consciência poderia
escolher qualquer coisa, mas isso estaria no fundo fora do seu controle. Se é
determinista é um resultado e logo sem controle. Se é compatibilista a lógica
aponta novamente para a falta de controle.
— Cara, Pra mim não
faz sentido, porque eu parto do princípio que tudo que você faz na sua vida é
sua culpa, sua escolha, sua atração. O determinismo para o futuro para mim é um
sinônimo de destino, e pelo menos na visão espírita que eu pesquisei isto não
existe. Eu entendo que nós estamos presos em certas escolhas, mas de qualquer
forma a escolha final é nossa. A nossa ideia acaba divergindo bem no fim, você
entende o meu ponto?
— Então, mas você
acredita que exista o determinismo agindo? Na ideia do Compatibilismo eu digo,
que temos o determinismo e o indeterminismo? Ou você só acredita no
indeterminismo. Outra, somos culpados sempre, porque a culpa é romper a uma
regra estabelecida. Você pode ser culpado por infringir a uma regra do banco
imobiliário e terá que pagar por isso com uma punição do jogo, por exemplo.
Sempre seremos culpados se infringimos uma regra. Eu ainda não entendi porque
você não me entendeu, porque falamos as mesmas coisas, reparou?
— Eu concordo com
isto! mas eu não concordo que a consciência não tenha controle sobre as suas
ações!
— Entendo...acredito
que isso ataca o orgulho, muito mais isso do que a lógica.
— Daniel, não é
questão de orgulho! Mas é que simplesmente falar que a consciência não tem
controle sobre as suas ações não bate com a descrição de livre-arbítrio! Eu
entendo que em determinado momento nós temos poucas opções de escolha e que
elas podem ser influenciadas, mas no final das contas a escolha final vai ser
sua, e você será responsável por ela! O seu livro pra mim se trata de um
mecanismo lindo para perdoar as pessoas de forma mais fácil, eu só não consigo
aplicá-lo para o meu futuro! Eu acredito que a lucidez está em não depender do
determinismo! Você entende o que eu estou tentando dizer?
— Ai está o ponto.
Fiz uma pesquisa dos significados do livre-arbítrio, uma coletânea que existem
nos dicionários mais conceituados e poderá perceber que o livre-arbítrio é
praticamente determinista. Olhe as definições que encontrei:
1. faculdade de
tomar decisões segundo a própria vontade.
2. Faculdade da
vontade para se determinar.
3. Poder ou
possibilidade de tomar decisões seguindo somente o próprio discernimento.
4. Que age por si
mesmo; independente.
5. Resolução
dependente somente da vontade.
6. A “possibilidade
de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer
condicionamento, motivo ou causa determinante”.
7. “Possibilidade de
exercer um poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder”
8. Vontade, talante.
9. Poder, faculdade
de decidir, de escolher, de determinar, dependente apenas da vontade.
10. Faculdade do
homem de determinar-se a si mesmo.
11. “Refere-se o
livre-arbítrio principalmente às ações e à vontade humana, e pretende
significar que o homem é dotado do poder de, em determinadas circunstâncias,
agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação”.
— Observe, quase
todas estão mostrando o livre-arbítrio como sendo uma resposta ao nível de
liberdade que tem a vontade de
se determinar. Agora de onde vem esta vontade?
— Do tanto de
evolução que aquele ser tiver acumulado!
— Exatamente, uma
resposta a tudo o que ele experimentou. Alguém age e escolhe com base nisso e
ninguém tem controle das suas experimentações pelas quais foi submetido. A
lógica é muito forte nisso, se você procurar o efeito de toda a causa, vai
ficar claro este ponto. Se o efeito não for de uma causa conhecida
(indeterminista) ela não está na consciência e menos controle ainda se tem. O
fato de não ter controle não é ruim, pelo contrário, é excelente e não exime
nenhuma consciência de sua responsabilidade; ela é culpada, terá e será responsabilizada.
O livre-arbítrio do espiritismo é muito mais determinista que qualquer outro e
ele não se explica no contexto que estou apresentando aqui, muito provavelmente
pois ainda não era tempo desta profundidade de conceito. Tenho observado todos
os pontos sobre isso no espiritismo nos livros de Allan Kardec e sempre vejo a
mesma ênfase na causa e efeito, o que são puramente deterministas. De qualquer
forma, pela lógica, não se tem controle. Na parte determinista, o que sugere os
significados do livre-arbítrio certamente não temos. Na parte indeterminista que
se refere ao que está além da consciência, muito menos. Como podemos ter
controle?
— "Alguém age e
escolhe com base nisso e ninguém tem controle as suas experimentações pelas
quais foi submetida". Errado, se para encarnar na terra o espírito escolhe
o caminho a ser trilhado (em alguns casos), como ele não tem controle de quais
experiências?
— Entendo, mas ele
escolhe segundo a alguma coisa. Aqui temos duas opções: Se ele escolhe, a sua
escolha é um efeito de uma causa. Se este efeito é um resultado determinista,
não existe controle. Se ele escolhe segundo a alguma intuição, algo fora dele,
também não há controle. O espírito escolhe melhor conforme é mais experiente e
consciente do que ele é e isso é um efeito da sua evolução. Um espírito bruto
não vai escolher uma prova difícil, mas algo que o favoreça como ser rico,
famoso etc. Isso é natural para uma consciência assim. Da mesma forma, uma
consciência mais adiantada já compreende todo o sistema e vai escolher algo que
a eleve, como uma prova mais amarga. Assim, temos somente 3 opções existentes:
Ou a escolha é determinista e assim como um cálculo matemático não temos
controle, ou a escolha é indeterminista e também não temos controle ou no
Compatibilismo e a junção das duas não daria controle. Não existe outra
combinação e toda a lógica aponta para o mesmo ponto. Eu estou tentando achar
algo que quebre essa lógica, mas é difícil, não consigo. Eu sou um juiz de mim
mesmo, de toda essa conjuntura, mas não acho uma brecha....
— Ok, vamos tentar
fazer um experimento para discutirmos. Te apresento 3 cartas: 1,2 e 3. Escolha
uma e me fale qual você escolheu.
— 3.
— Bom, só para você
entender, quero que nós adquiramos conhecimento juntos. Vamos analisar a
escolha: Você escolheu a número 3 por algum motivo, pode ser algo que foi
determinado em algum pensamento, ou que foi uma intuição ou qualquer outro
motivo. Esta escolha que você fez estava limitada correto? Você não podia
escolher a carta [4] ou a carta [5], por que você estava limitado a [1] a [2] e
a [3] certo? Ou seja, considerando o universo todo (todos os números e todas as
cartas, etc.), você não tinha liberdade de escolha, ou controle, pois estava
limitado.
— Então, eu não
tinha liberdade para escolher o que não conhecia que existia. Eu tinha
liberdade para escolher dentro destas 3 cartas. A escolha que eu fiz foi muito
livre, pois escolhi pela minha vontade e nenhuma coação aparente existia.
— Beleza, Ao meu ver
nós podemos tirar 2 conclusões disto: 1ª - Dentro do espaço que você sabia que
existia ([1], [2] e [3]) você tinha total controle sobre a sua decisão. 2ª - Se
nós considerássemos todo o universo, você não tinha controle total sobre a sua
decisão, pois você estava sendo forçado a escolher entre 3 possibilidades. Você
concorda?
— Então, concordo se
você não procurar entender o que motivou a escolha em si. Se observar somente
na camada aparente acredito que esteja completamente coerente, porém se descer
uma camada de entendimento, a coisa complica. Quando você diz que tem controle
sobre a escolha das 3 cartas, precisa se perguntar porque eu escolhi a carta 3,
dentro das opções que eu conhecia. Ao responder, explicar e entender que a
minha escolha foi um efeito, percebe que nesta escolha não havia controle, já que
se explica o motivo na qual se deu esta escolha. Eu escolhi utilizando meu
livre-arbítrio, minha vontade. Mas minha vontade não se determina pelo acaso,
principalmente porque o acaso não existe. Ou veio de mim (determinismo) ou veio
do limbo incógnito (indeterminismo) ou veio dos dois em uma simbiose complexa. Se
eu me pergunto a causa do efeito da escolha, chego a uma causa. Entende? é ir
mais fundo, no princípio das coisas, no princípio da escolha.
— Eu entendo o que
você diz, mas para mim este pensamento não fecha, este pensamento que você está
dizendo acaba nesta conclusão: Se você está diante de uma situação ruim, e você
não sabe o que fazer, a sua decisão não importa, porque na verdade ela já foi
feita! Nada que você vai fazer na sua vida importa, porque tudo que você vai
fazer já foi decidido, e será apenas um resultado de todos os outros
resultados. Entendeu? A sua forma de pensar retira completamente o sentido da
vida, pois se você não tem controle e tudo já foi decidido por você, não existe
um porquê de fazer algo. Você é apenas uma engrenagem dentro de um motor muito
mais complexo, girando, sem ter controle do que você vai fazer.
— É ai que tudo
muda, é ai que meu pensamento se diferencia com os que acreditam em 100%
determinismo. Eu não penso assim, acredito no determinismo agindo acima de 90%
e o resto é indeterminado, porque não sabemos como funciona Deus e as entranhas
deste mecanismo. Então a sua escolha não
está feita antes, ela estará feita 90% e o resto é indeterminado. No momento em
que eu escolhi a carta 3 se eu voltasse no tempo e fosse 100% determinismo, eu
poderia voltar quantas vezes quisesse que e a escolha seria a mesma. No
conceito Compatibilista, se eu voltasse, poderia ter escolhido outra carta,
porque existem coisas que não conhecemos agindo por toda a parte! Ai que está o
“pulo do gato”, você pode escolher diferente, sempre!
Mas esta escolha não sai de você, é indeterminada. Isso não lhe dá controle
porque está fora da consciência, mas lhe dá todas as possibilidades sobre o que
escolher e toda a responsabilidade sobre esta escolha. Entende? Eu não acho que
seja tudo determinista, neste caso seríamos robôs sem muito sentido.
— Bom eu acho esta
sua visão bem melhor! Mas mesmo assim, a diferença parece que nós somos robôs
ao acaso! Nada parte de nós, vem sempre de fora entende?
— Sim, é isso mesmo,
tudo parte de um princípio. No começo da nossa conversa você disse que tudo era
Deus e que éramos Deus. Eu disse que tudo vinha de Deus e que somos filho Dele,
obra sua. Percebe que pouco muda, sendo Deus a origem de tudo? Querer algo
nosso, algo interno é orgulho, ego, vaidade. Nosso destino está na despersonificação,
somos muito maiores que isso. Esse próprio leque de existências mostra que não
somos eu e você, estamos assim agora, fomos muitos e seremos muito mais.
Despersonificar, fugir dessa necessidade de colocarmos o princípio em nós
mesmos e perceber que tudo, mas tudo mesmo parte de Deus.
Dialogo III
— Esta questão da falta de controle não me parece muito
lógica.
— E porque não?
— Até entendo que, no momento da escolha não se tem
controle, pois ela será uma resposta ao que somos, mas pode-se querer mudar e
melhorar.
— Sim, exatamente. Mas será que alguém que escolhe melhorar,
mudar tem controle desta “vontade”? Perguntando de outra forma, não seria esta
vontade também um efeito de uma causa? Alguém só quer mudar porque permanecer
como está gera incômodo, de outra forma não mudaria. Se este incômodo passar a
ser insuportável, a mudança começará a ocorrer. Ficar incomodado, dentro das
possibilidades que conhecemos ou é um efeito de uma causa, ou é efeito do
indeterminado ou a mistura dos dois. Se for o primeiro caso, não se tem
controle, pois está amarrado a um efeito dominó de causa e efeito. Se for o
segundo caso, não se tem controle por ser ou obra do acaso ou obra de algo não
inteligível. No terceiro caso, a mistura dos dois primeiros casos, por razões
lógicas não confeririam controle à consciência.
— Então estaria me dizendo que alguém que escolhe melhorar,
não poderia ter escolhido outra coisa?
— Sim, é exatamente isto que estou dizendo. Todas as nossas
escolhas são uma resposta íntima do que somos e não controlamos o que somos.
Por isso digo que todos nós somos e sempre seremos o melhor que conseguimos
ser.
"Ante as crises da vida. Não te revoltes. Serve." (Emmanuel -
Chico Xavier)
Como vimos, o Indeterminismo nos mostra uma ligação
diferente que nos "salva" de um destino imutável e inevitável, mas
como isto poderia acontecer?
"Haverá no homem alguma coisa que escape a todo
constrangimento e pela qual goze ele de absoluta liberdade?
“No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade pois que não há como
pôr-lhe freios. Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não aniquilá-lo.”[16]
O pensamento do homem é o que torna seu livre-arbítrio Indeterminista
real. É por ele que padrões são quebrados, correntes de causa e efeito
dispersadas por momentos. O Indeterminismo estaria com Deus e o que vem de sua
inteligência, como toda a sua estrutura de funcionamento. Uma forma de
exemplificar este mecanismo se encontra na figura abaixo:
Figura 1. Relação do
Indeterminismo e do Determinismo no pensamento da consciência.
Na figura 1, o Determinismo dentro
do círculo é soberano e absoluto, mas ao pensamento do homem é dado uma
comunicação sublime que transcende esta limitação. É esta ligação que nos torna
tão especiais. É este contato que nos difere das demais formas vivas de
manifestação deste universo. Deus é tão incógnito, tão enigmático que nem
mesmos os espíritos reveladores que regaram o espiritismo com tanta luz tem
conhecimento certo sobre Ele.
Logicamente, não se pode tirar a afirmativa de muitos que
acreditam ser o Determinismo soberano em todo o universo e que seriamos simples
mecanismos atuando. Apenas a sensibilidade mostra diferente e é por isso que
sempre devemos observar com indulgência os que ainda estão presos a estes
mecanismos de um sistema cruel e sem esperança.
O grande ponto com o determinismo está em sua força. Tentar
quebra-lo é como procurar provar que a lógica não existe utilizando a própria
lógica. O único argumento realmente válido contra o determinismo se sustenta na
possibilidade de existir algo diferente, muito fora da nossa compreensão, algo
ininteligível, como o próprio indeterminismo. O sentimento nos mostra, nos
direciona para algo muito maior do que simplesmente uma cadeia de
acontecimentos inquebráveis, porém é necessário admitir que não é pela lógica
humana que encontraremos estas respostas. O “pulo do gato” está em compreender que, independente da percentagem
de determinismo e indeterminismo que exista em uma escolha, nunca teremos
controle sobre ela, pois não se tem controle no resultado determinista e não se
tem controle em algo que vem de fora, indeterminado, que teria “pipocado” em
sua mente ou efeito de algo ininteligível. Estaríamos deixando toda a
complexidade de como uma escolha é feita de lado e nos concentrando nesta
resultante, tão lógica quanto o próprio determinismo e que nos mostra que todos
são o melhor que conseguem ser.
“O Homem é livre para escolher o que quer, mas não para querer o que quer” (Arthur
Schopenhauer).
Uma das principais formas de entendermos sobre a
lucidez está em uma mudança na forma como encaramos os comportamentos de todas
as consciências que estão interagindo conosco.
Praticamente todas as pessoas analisam as
situações da vida onde existe uma interação com outra consciência de uma forma
totalmente superficial, resultando em um entendimento raso, pobre, obscurecido
e não lúcido do acontecimento.
É necessário nos esforçarmos para compreender o
que leva uma consciência a ter tal comportamento, a agir de determinada
maneira. Mas eu bem sei da dificuldade desta análise e apenas a empatia possibilita
este tipo de indagações. Ao sentirmos um pouco do sofrimento de um de nossos
irmãos, nos colocamos como observadores mais inteligentes pela necessidade do
entendimento, como medida de alivio. Afinal, sempre existe uma explicação para
tudo, mas para encontrá-la se faz necessário estarmos abertos para enxergar
esta nova forma de observarmos os acontecimentos a nossa volta.
Antes de tentarmos entender isso, precisamos
compreender como funciona o que chamo aqui de camadas de entendimento de um determinado
acontecimento.
Para cada camada, utilizaremos uma pergunta
básica: “Por que?”. Para cada pergunta respondida, um nível de
conhecimento terá sido aprofundado e teremos uma visão mais lúcida.
Vamos começar com uma situação simples e
hipotética.
Imagine um garoto olhando o seu pai trabalhando
em uma determinada atividade. Em algum instante o pai do garoto esbarra em uma
régua que estava em cima da mesa provocando a sua queda.
O garoto que prestava atenção se indaga e
pergunta:
— Porque a régua caiu?”.
— Sim, mas porquê?
O pai, espantado com a pergunta e estranhando
aquelas indagações pensou por alguns momentos e respondeu:
—Por causa da
gravidade.
—Hum... - murmurou tentando realmente entender
o que aquilo poderia significar —Mas porquê?
O pai agora estava desconcertado com a pergunta
e se indagou se não era uma brincadeira, mas o rostinho do seu filho não deixou
dúvidas.
—Bom, porque tudo que tem massa exerce atração
pela outra massa. Como a massa da terra é muito grande, ela acaba vencendo já
que tem uma inércia muito maior e os objetos vão em sua direção.
Ao terminar sua resposta, o observou tentando
conjecturar todas aquelas informações complicadas para a sua idade. Ainda era
muito novo para entender toda aquela explicação.
Segundos depois, é surpreendido por mais um
daquelas indagações:
Depois de alguns momentos, seu pai foi franco:
— Bom filho, eu não sei.
A pergunta foi tão fundo nos fenômenos físicos
do universo que para responder novamente deveria ser proposta teorias de
comportamento da matéria ainda não comprovadas e a complicação seria enorme, e
isto em simples indagações.
Agora, se fizéssemos isso para os
comportamentos humanos, procurando as causas que resultaram naquele efeito? Para
colocarmos em prática as camadas de entendimento, vou compartilhar o diálogo
que tive com um amigo meu em uma viagem a trabalho.
Durante esta viagem conversávamos sobre um fato
que havia ocorrido a pouco tempo. Uma mulher teria causado a morte do seu animal
de estimação sem saber que estava sendo filmada. O vídeo teve grande
repercussão na mídia e teve como justificativa o fato do cachorro ter feito
xixi no tapete.
— Mas o que pensa sobre isso? — Perguntei.
— Horrível! Ela deveria apodrecer na cadeia —
Disse ele com raiva.
— Sei que está com raiva, mas eu posso te fazer
uma pergunta?
—Sim, claro.
—Porque ela fez o que fez?
—Como assim? — Perguntou sem entender onde eu
queria chegar.
—Quero que me diga o que a levou a ser assim.
—Bom, eu não sei, porque ela não gosta de
animais?
—Está me perguntando? Eu gostaria que você
encontrasse esta resposta.
— Então, eu não sei. Acho que seria esta a
resposta.
— Entendi. Você teria matado o animal? –
Perguntei.
— Claro que não, nunca! – Respondeu quase se
sentindo ofendido.
— Porque não?
- Indaguei novamente.
— Porque eu nunca mataria um animal. Eu gosto
de animais.
— E ela não?
— Não! – respondeu sem nenhuma dúvida.
— E Porque ela não gosta de animais?
— Porque ela o matou – respondeu.
— Então só se mata o que não gostamos? Se você
não gostasse de um animal você mataria ele?
— Claro que não – respondeu.
— Certo, mas porquê? Porque você não mataria e
ela sim? – voltei a indagar.
— Porque eu não conseguiria fazer isso.
— Perfeito. Mas porque você não conseguiria e
ela conseguiu?
— Porque somos diferentes.
— Exato. E porque vocês são diferentes? – indaguei.
— Porque tivemos criações diferentes.
— Sim, e porquê?
— Eu não sei, pais diferentes, família
diferente, tudo diferente.
— Isso ai. Você está explicando o comportamento
que ela teve. Está mapeando e resolvendo de maneira simplificada a pessoa como
uma manifestação do que ela é. Você não mataria um animal mas ela sim.
— Mas ela poderia ter pensado antes de fazer isso?
Ela sabia que era errado. – argumentou.
— Poderia? Quando alguém joga papel no chão,
sabe que está fazendo algo errado, mas mesmo assim continua jogando.
— Sim, mas eu não jogo.
— Porque você não joga?
— Porque sei que é errado.
— Sim, e praticamente todo mundo que joga
também sabe. Então a pergunta seria, se os dois sabem que é errado jogar,
porque você não joga e o outro joga? – questionei.
—…Porque me ensinaram assim. – respondeu
pensativo.
— Perfeito, porque passaram isso pra você como valor.
Alguém que você admirava quando era criança mostrou isso e você estava apto
naquele momento a aceitar e incorporar isso como um valor. Também o fato da
sensibilidade já estar contigo, como herança que trouxe de outras existências.
No caso dela, isso muito provavelmente não ocorreu, ou se ocorreu, seu momento
evolutivo espiritual, sua sensibilidade não a permitiu captar e incorporar tais
valores. Não existe nela a mesma sensibilidade que toca o seu coração. Como
esperar de alguém uma sensibilidade que não possui?
—Mas ela poderia ter agido de uma outra forma. —Afirmou
categórico
—Não diria que ela poderia, mas que não conseguiu agir de outra forma. Sabe um
daqueles momentos que ao menos uma vez todo mundo passa, um surto de raiva? Se
alguém chegasse até você naquele momento e te dissesse que poderia simplesmente
deixar de ficar enraivecido, ficando calmo e deixando o que o incomodava para
lá, o que aconteceria?
—Você conseguiria simplesmente abandonar aquela
fúria mesmo sabendo que ela poderia ser prejudicial pra você e ou para outrem?
—Eu poderia conseguir.
—Sim, espero que na próxima você consiga, mas
em uma anterior, você conseguiu se controlar?
—Não. Eu não consegui.
—Percebe como é muito fácil dizer que outra
pessoa agiu errado, que poderia ter feito diferente, que poderia ter se
controlado? Se esta pessoa pudesse agir de outra forma, muito provavelmente a
teria feito. Agimos na verdade da forma que conseguimos agir, não como queremos
agir. Ademais, não se pode querer
algo sem que este "querer" seja possível a você.
—Alguém só quer melhorar porque isso passa a
ser importante para ela, ou por que entende a dor que causa aos outros sendo de
determinada maneira. Esta dor acaba impulsionando esta vontade, mas para isso é
necessário que exista a sensibilidade a ponto de conseguir que este sentimento
aconteça. Alguém mal só quer melhorar porque está em um momento evolutivo onde
ser mal causa incômodo, desconforto, dor ou que a situação em que se encontra
seja insuportável.
—Então quer dizer que ela não poderia ter feito
diferente?
—Não, como já disse ela poderia, mas não conseguiu.
Este "querer" não foi superior a raiva dela naquele momento. Ela
ficou enraivecida com seu animal pela sua intolerância e insensibilidade. Ter
inteligência e consciência de estar vivo não lhe dará controle sobre suas
escolhas, porque tudo o que sentimos e damos valor é uma manifestação de como somos
no íntimo. É por isso que muitas vezes agimos de uma forma contrária ao que
sabemos ser o certo. A inteligência do ser humano muitas vezes torna tudo isso
muito complicado.
—Então está querendo dizer que ela não tem
culpa? – indagou.
—De forma nenhuma. Ela é culpada
pois transgrediu, além da lei do homem, a lei de Deus. Mas o que eu quero
mostrar para ti é que ela agiu no limite do que é como uma consciência em
manifestação. Ela não conseguiu agir diferente com o animal, pois isto foi um
resultado do que ela é, da sua sensibilidade oriundo do seu momento evolutivo
submetido às provas da vida. Ela não fez simplesmente porque escolheu isto,
pois sabia o que estava fazendo e que era errado, mas sim não conseguiu escolher diferente. É difícil para ti compreender
porque não compartilha da inferioridade moral e da fraqueza ou falta de
sensibilidade que existe nela.
—Complicado não?
—Sim, é muito. E o complicador está na nossa
individualidade. Se pudéssemos ser esta pessoa por alguns segundos, no momento
em que agiu daquela forma, entenderíamos que ela agiu no limite do que lhe é
possível, no momento em questão. Se buscarmos, em nós mesmos, em nossos
limites, fraquezas, etc., vamos compreender que agimos como uma resposta ao que
somos e que querer ser diferente é também uma resposta. Aos maus que não querem
melhorar, só agem desta forma porque este "querer" ainda não foi
possível de se manifestar em sua consciência atual. Com o passar do tempo, das
experiências e da dor pelas escolhas providas da ignorância, ele entenderá e
irá procurar se melhorar.
*-----*
Neste dialogo acima, tentei mostrar como
normalmente as pessoas atuam sua análise nas camadas superficiais, mas não
aprofundam o seu entendimento vasculhando o "porque" de
determinada atitude de uma consciência. Esta busca nos conduz a um nível de
indulgência muito profundo, porém a compreensão não vem apenas da inteligência,
da capacidade intelectual, mas muito do coração, do sentimento.
Por fim, exprime com perfeição uma frase do filósofo
Schopenhauer, citada algumas vezes por Einstein e que, apesar de complicada,
toma o contexto abordado neste capítulo com um capricho impecável:
"Aprendemos e ensinamos caridade em todos os temas da
necessidade humana. Façamos dela o pão espiritual da vida". (Emmanuel -
Chico Xavier, do livro: ALMA E CORAÇÃO).
A lógica da falta de controle exposta em capítulos
anteriores nos mostrou que todas as consciências deste universo em manifestação
são e sempre serão o melhor que conseguem ser, donde não se possui o controle
efetivo das suas escolhas, sendo em absoluto uma resposta cristalina ao que são
em seu momento evolutivo atual, seu adiantamento moral.
Consagra então doravante sentimento de aceitação, na sua
mais sublime concepção, pois agora a lógica auxilia tão grandemente a fé e ao
sentimento de aceitação para com nossos irmãos. A indulgência é uma das
características mais sublimes do amor fraternal que nos é tão sugerido por
Jesus para aceitarmos os erros e fraquezas de todas as pessoas, coisas e fatos.
A aceitação sublime dos defeitos morais de nossos irmãos
ganha força com a conjectura lógica exposta neste livro, para fortificar o
sentimento que naturalmente se enraíza no coração conforme nos depuramos em
rumo a Deus.
É um catalisador. A fé com lógica é infinitamente mais forte
e viva e possibilita grandes transformações nos homens de boa fé. Aceitar os
defeitos dos outros, sabendo-se que existe a falta de controle e de que são
manifestações precisas de si mesmos, de seu momento evolutivo é muito mais
fácil e natural.
A prova mais linda de indulgência ocorreu quando Jesus foi
crucificado, onde disse algumas vezes: "Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o
que fazem". Eles não sabiam, não
pelo fato de ser Jesus quem era, mas por serem insensíveis e crianças ainda no
caminho do progresso. Este "saber" vai muito além de tomar
conhecimento de um fato. Saber significa reconhecer no íntimo, na experiência. Não
existia ali sentimento depurado para se importar com tal crueldade. Eram
crianças, bebês ainda na estrada do progresso.
Como poderiam os que crucificaram Jesus agir diferente se em
seu coração não existia ainda a sensibilidade para serem tocados? Jesus foi
preciso e perfeitamente lúcido ao dizer estas palavras. Foi além, mostrando que
sua indulgência vinha também da constatação da infantilidade espiritual de seus
inquisidores. Jesus não foi crucificado pelos seus detratores por serem maus,
mas por serem ignorantes e por intimamente não "saberem" o que somente a experiência nos caminhos da
reencarnação podem prover.
"Auxilia e perdoa sem falar disso a
ninguém" (Meimei)
Antes de mostrar o que considero como a maior manifestação
de amor de Deus, precisamos partir de um ponto muito importante: Como é o seu
Deus? É um Deus de amor, Soberanamente Bom e Justo?
É preciso responder a esta pergunta com sinceridade, pois um
Deus soberanamente justo e bom não permite injustiça em parte alguma do
universo. Se algo, em qualquer contexto possa parecer injusto é muito mais
provável que não conheçamos os meandros dos mecanismos pelos quais Deus promove
sua justiça do que considerá-lo injusto.
Tal lógica só faz sentido para os corações orgulhosos que
ainda preferem um Deus incoerente e que não estão no momento de conseguirem
aceitar desta forma. Neste livro Deus é soberanamente justo e bom, onde tudo o
que Ele fez tem um propósito muito bem definido. Este Deus não condena nem
julga, mas entende e aceita em um nível infinito. Tenha isto em mente e
principalmente no coração, pois será o seu guia definitivo que mostrará qual
dos caminhos que possam surgir em sua vida será o mais sensato.
Pensar que no universo exista injustiça é acreditar em um
Deus que não seja soberanamente justo e bom.
Este Deus tem total controle sobre o que cria pois se assim
não fosse, não seria Deus e existiria outro ser inteligente superior a este. Este
Deus permite que tais coisas aconteçam. Oras, de duas uma: ou Deus não é bom ou
estes fatos estão afinados com sua bondade e justiça.
Comumente alguns acreditam que Deus tenha um controle
parecido com o que temos com as nossas criações; isto seria rebaixá-lo as
nossas limitações. Seria incoerente pensar que Deus não tenha um controle
absoluto sobre os acontecimentos que decorrem nas existências de suas criações.
Acreditar em um Deus que permite injustiça seria desacreditá-lo.
Homens, o que é mais factível? Uma justiça inteligível para
nós dada nossa limitação espiritual ou uma justiça perfectível? Não seria esta
forma de pensar um resultado do nosso orgulho? No espiritismo, temos a
possibilidade de entendermos logicamente como a justiça de Deus se mantém nas
existências, sempre se cumprindo. Não estamos falando aqui de um juiz com
características humanas, mas de Deus todo poderoso.
"Aceita-te como és e aceita a vida em que deves estar, na condição em
que te vês, a fim de que faças em ti o burilamento possível" (Emmanuel -
Chico, do livro: COMPANHEIRO).
Para entender porque somos o que somos, precisamos entender
o que seriamos em primeiro lugar.
Segundo o livro dos espíritos, somos todos espíritos criados
simples e ignorantes por Deus por um motivo em particular. Este motivo se
confunde amiúde pelo fato de não conseguimos efetivamente entender os
propósitos de Deus. Independente disso, precisamos partir deste ponto:
"simples, ignorantes e iguais".
Para os que procuram um livro como este, já está claro que
não somos este corpo físico, mas que assim o utilizamos como meio de
manifestação da consciência. A nossa inteligência, nossos sentimentos,
talentos, etc., seriam tantos atributos deste espírito submetidos ao processo
de experiência como encarnado.
O espírito então, com sua consciência atual, dotado de um
meio de manifestação condizente com a condição do meio onde ele se manifesta
(no nosso caso a terra) é uma resultante de todos estes mecanismos interagindo
junto. Não somos um resultado da nossa educação, costumes, ensinamentos,
exemplos, traumas, condições genéticas, mas sim tudo isso sobre a base do
espírito que traz em sua bagagem o sentimento e a experiência de outras vidas.
Neste livro, trataremos todas as pessoas como consciências
em manifestação. A razão para esta mudança é forçar a alteração de um paradigma
existente quando utilizamos a denominação de "pessoa". Ao nos referirmos a estas como "consciências", procuramos observar
que são muito mais do que aparentemente o senso comum nos sugeriria.
Estes estados consciências transitórios existentes em cada
uma de nossas encarnações nos mostra que somos muito mais do que podemos
naturalmente conceber. O próprio conceito de consciência se perde neste leque
existencial que se abre. Afinal, o que realmente somos e como poderíamos
conceber uma supra consciência neste contexto? Não sabemos. O que podemos tirar
deste cenário em encanto progressivo é que somos muito mais do que nossa
maturidade moral e espiritual ainda consegue compreender. Ao existirmos em
múltiplas facetas de consciências (várias vidas mediante as sucessivas
reencarnações), experimentamos uma forma contrária a individualização. Neste
sentimento, que promove definitivamente a fraternidade e o amor ao próximo, nos
aproxima gradativamente até a perfeição. Pouco a pouco nasce a empatia e a
despersonificação da individualidade.
Uma última e importantíssima informação que deve sempre
estar ativa nas nossas mentes é sobre a manifestação do espírito utilizando a
matéria.
O espírito se manifesta através de uma interface. Assim como
utilizamos o computador para nos comunicar com outras pessoas (computador seria
a interface), o cérebro é a interface do espírito para manifestá-lo e
intelectualizar a matéria. Toda a complexidade do cérebro se deve à esta
interface. Os atributos não vêm dele, mas do espírito. A inteligência não vem
do cérebro, mas através dele. Os aspectos morais e sensíveis não vêm do
cérebro, mas do espírito.
Mas para que o espírito se manifeste na matéria, é
necessário um meio material, físico, que funcione desta forma, através destes
inúmeros mecanismos químicos complexos.
Esta interface também limita o espírito, pois assim deve
ser, para propor provas diferenciadas que não existiriam caso esta interface
possibilitasse uma manifestação integral das qualidades do espírito e também
para promover expiação como um resultado de suas ações anteriores.
“Ninguém pode ver o reino dos céus se não
nascer de novo; e insiste, ajuntando: Não vos espanteis do que eu vos disse,
que É PRECISO que nasçais de novo.” (E.S.E)
— Mestre, como faço para me tornar sábio?
— Boas escolhas.
— Mas como fazer boas escolhas?
— Experiência.
—E Como adquirir experiência?
—Más escolhas.
Esta é, sem sombra de dúvidas a maior prova da manifestação
do amor de Deus para com seus filhos. Realidade tão clara e evidente que nos
foi entregue na terceira revelação, pelo livro dos espíritos decodificado por
Allan Kardec.
É esta realidade que liga as nossas existências em indefinidas
e sucessivas progressões do espírito. É a constatação da lucidez em pura
manifestação e execução envolvida da máxima indulgência possível. É este então
um tema indispensável para entendermos como Deus, em sua infinita bondade atua
de forma a nos dar um exemplo desta lucidez. A abordagem que aqui farei é um
pouco diferente de como é feita em outros livros, porem tão mais bela e
sublime.
A Reencarnação é a ferramenta mais adequada para depuração
da consciência, mas antes precisamos partir de dois pontos iniciais que
consideraremos como certos.
O primeiro é que Deus seja absolutamente justo e bom. O
segundo é que Deus tenha criado todos os espíritos iguais, simples e
ignorantes, o que está de acordo com o primeiro já que para ser justo é
necessário colocar as mesmas vantagens para todos os espíritos criados.
"A criação dos Espíritos é permanente, ou só se deu na
origem dos tempos?
É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar.”[17]
Com a criação ininterrupta dos espíritos, teríamos aí um
problema: Como fazer com que evoluam e progridam em rumo à perfeição? Não serei
tolo para me preocupar com o motivo que levaria Deus a criar espíritos para que
se adiantem rumo a perfeição, pois esta é uma das perguntas das quais não nos é
permitido ainda saber. Precisamos permear o véu que a nós é inconsistente
inicialmente e procurar o sentimento que nos indica o caminho.
“Deus existe; disso não podeis
duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num
labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um
pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada
saberíeis. Deixai, conseguintemente, de lado todos esses sistemas; tendes
bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai
as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será
mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável"[18].
Não conseguiremos, ainda que muito tentemos, entender os
desígnios da Criação de Deus, pois nem mesmo os espíritos de grande hierarquia
luminosa conhecem tal desígnio.
"...Deus há de ter sempre criado ininterruptamente. Mas, quando e
como cada um de nós foi feito, repito-te, nenhum o sabe: aí é que está o
mistério.”[19]
Nessa conjuntura de criação incessante e à necessidade de
depuração do espírito por algum motivo que, embora se tente explicar, estará
ainda muito longe de conhecermos, temos a necessidade de uma ferramenta efetiva
que funcione de forma profunda, intrínseca. Mas como fazer para que espíritos
eternos, perpétuos consigam uma reforma íntima verdadeira e não estagnem
na eternidade no mesmo nível evolutivo?
Embora saibamos que a resposta é a reencarnação, a
justificativa se baseia em um conjunto muito bem elaborado que dá a este
espírito a possibilidade de ser mais senhor de si mesmo. Mas como isto seria
possível?
O espírito, eterno, guarda em si o resultado de todas as
suas experiências anteriores. Define em si mesmo tudo o que deves ser e buscar,
com o germe latente resultante da sua essência como filho de Deus, a direção
que deve percorrer.
É inevitável, porém não nos indagarmos sobre algumas
particularidades referentes a esta elaborada ferramenta de progressão do
espírito. Uma delas está nesta pergunta: Porque temos que esquecer quando
reencarnamos? Não seria mais fácil lembrarmos e sabermos sem a dúvida que nos
deixa tão perdidos?
É a dúvida, meus
irmãos que nos torna muito mais senhores de nós mesmos. É ela que nos
possibilita sermos honestos com o que somos na forma mais intima e real possível.
Quando deixamos este corpo material, caso estejamos em um momento evolutivo que
nos permita reconhecer e entender esta passagem, encontraremos o mundo verdadeiro
e, ao adentrarmos na erraticidade, passaremos algum tempo estudando e
aprendendo.
Pela realidade inegável, patente que se apresenta acabamos
com a dúvida sobre Deus e a continuidade da vida. Porém, ao retornarmos para um
novo recomeço, passamos por um esquecimento de tudo isso. Seria então justo tal
fato?
Devemos lembrar que o objetivo da reencarnação é a depuração
do espírito
em sua máxima representação, sem a roupagem ou manipulação que podemos utilizar
para deturpá-la.
Entre o espírito e a realidade que experimenta, existe a
consciência atuando, de forma transitória para manifestação deste espírito.
Não saímos da erraticidade como entramos. Muito pelo
contrário, este momento serve para mostrar ao espírito o verdadeiro caminho que
deve ser seguido e a realidade do mundo dos espíritos para que se arrependa e
se endireite. Mas porque retornar? Não poderíamos, se seguíssemos à risca o que
nos sugerem os bons espíritos, continuar sem reencarnar e viver para sempre na
erraticidade?
Para responder a esta pergunta, vou contar uma experiência
pessoal que tive: Estava conversando certa vez com minha esposa e acabei
dizendo a seguinte frase:
— Se eu não tivesse mais essa dúvida
sobre o mundo espiritual seria tudo tão mais simples. Eu empregaria muito mais
esforços para ajudar o próximo. Seria muito mais fácil se os espíritos
simplesmente se revelassem categoricamente para nós.
Como habitualmente acontece, fui surpreendido com uma
resposta inteligente:
— Mas isso não faz sentido, se fizer caridade só porque que
sabe desse fato não a estará fazendo de coração.
Sendo franco, não gostei da resposta. Também não fui capaz
no momento de compreender o que a aquela resposta escondia. Nos dias que se
seguiram aquele dialogo consumia parte do meu tempo e, como um estalo entendi
algo que me fez compreender quão maravilhosa é a dúvida.
É esta, a dúvida que nos torna muito mais
senhores de nós mesmos. Sem ela fingiríamos ser o que não somos e seriamos
menos livres para manifestar o nosso real sentimento. Uma forma de entendermos
isso é imaginar a seguinte situação: Vamos supor que todo o mundo espiritual se
escancare de forma inegável e que todos, de uma hora para outra consigam ver e
conversar com eles. Sendo assim todos passariam a ser médiuns perfeitos.
Agora imagine um Ateu nesta situação: como ele reagiria?
Certamente todas as suas convicções seriam estranguladas e seus argumentos
ateístas que sustentavam sua posição e que faziam sentido ao seu sentimento
postas de lado. Ele seria coagido a acreditar no que se fazia
real e passaria a atuar de outra maneira.
A dúvida para ele não existiria mais.
Passaria a ser menos livre para acreditar no que fazia sentido a seu coração. É
a dúvida,
amiga intima do livre-arbítrio que possibilita ao espírito a honestidade de
suas ações e pensamentos para com o que ele é no seu íntimo mais profundo.
Se lembrássemos da erraticidade ou das outras vidas de uma
forma absolutamente clara, a dúvida do caminho não existiria e não se pode
depurar uma consciência se ela não tem liberdade para ser o que realmente é; se
falseia seus sentimentos e suas condutas.
Desta forma, ao retornarmos da erraticidade carregamos no
íntimo o progresso que adquirimos nela e que resultara no sentimento que nos
guia nesta vida. Tudo é sentimento. Como a depuração tem que ocorrer com o que
é perpétuo, no caso do espírito, as múltiplas roupagens propostas pelas
reencarnações colocam-no em condições honestas e verdadeiras neste cenário de
experimentação.
Não somos nossa consciência de agora, nem a anterior ou a
que está por vir. Somos algo muito maior que ainda não entendemos e são estas
francas provações que nos possibilita a depuração verdadeira.
Antes, mesmo para os espíritos mais evoluídos reencarnarem,
existe um notório desconforto neste regresso. Comumente se afligem sobre o que
se dará, pois saberão que o que reencarnará não é sua consciência atual, mas
seu espírito de forma absolutamente franca e honesta. Afinal, será que
continuarão no caminho da verdade? Será que não sucumbirão as paixões tão
irresistíveis? Será que não se desviarão do caminho na puberdade da
adolescência? Eles sabem que não conseguirão se preparar decorando e forjando
comportamentos.
Pois está ai o desafio. É por isso que vale tanto o
sentimento verdadeiro que está no coração e não apenas nos lábios quanto a
bondade e o amor. Se não for sincero, não está consolidado no espírito
e muito mais facilmente este espírito na reencarnação poderá ser arrastado e
desviado do sentimento que claramente o define na erraticidade.
Então antes de reencarnar este espírito na erraticidade se
sente frágil, mas sua fé o sustenta nas provações francas que está por vir, na
qual só pode preparar-se verdadeiramente.
Voltando para o Ateu que modificou sua atitude pela falta da
dúvida, imagine que este retorne em sua reencarnação seguinte. Como não foi
possível a ele uma mudança de dentro para fora, mas ao contrário, de fora para
dentro, esta mudança não “cristalizou” em seu espírito,
ficando apenas na crosta de sua atual consciência.
Apenas a mudança que vem de dentro para fora agrega
efetivamente o progresso em seu espírito. Sem a necessidade do sentimento se
manifestar e vencer os acontecimentos da vida unidos da dúvida, este movimento da
mudança não ocorreria, ou ocorreria de fora para dentro.
Uma forma de perceber-se quão séria é a questão da dúvida
está neste exemplo: Imagine-se indo para uma entrevista de emprego; você
estudou sobre a empresa, fez e refez inúmeros testes e se preparou para ser o
que a empresa procura. Em outras palavras, está mascarando o que você realmente
é para se tornar competitivo à vaga e conseguir o emprego. É exatamente isso que
não
ocorre ao reencarnarmos: Não temos como nos prepararmos de forma a
manipularmos o que somos e como reagiremos e assim seremos obrigados a sermos o
que somos no mais íntimo e verdadeiro possível. Se não nos prepararmos de forma
a mudar nosso íntimo (reforma íntima), pouco adiantará.
É assim que se faz tão necessário a experimentação do
espírito do que aprendeu na erraticidade, mas de forma absolutamente franca,
esquecendo deste tempo na erraticidade e das suas outras vidas.
A providencia é tão perfeita que até o fato de voltarmos e
termos a necessidade de passar novamente pelas fases iniciais deste o
nascimento, a puberdade, etc., constituem período essencial para a manifestação
desta consciência. O espírito precisa passar por estas fases da vida para se
definirem, pois representam um momento único da liberdade do espírito em se
estabelecer, susceptível de todas as paixões que o mundo oferece. É um momento
singular na abertura do seu espírito encarnado, suscetível de um modo
particular a novas ideias que não foram encarceradas pela maturidade da vida.
É uma oportunidade diferente, dada exatamente por estas
fases de crescimento, que não ocorreriam se o homem já retornasse da
reencarnação em um corpo totalmente desenvolvido.
Quanto ao esquecimento das vidas passadas, além de ser pelo
fato de se tornar obvio a continuação da vida após a morte, eliminando a dúvida
sobre este fato, ela traria todo o tipo de experiências nocivas que marcaram a
consciência e afetariam nocivamente a honestidade da experiência de
reencarnação. Os traumas, dores, etc., seriam perniciosos. Como somos
frequentemente unidos das pessoas que causamos ou nos causaram mal, esse
conhecimento novamente colocaria por água abaixo a prova franca da
reencarnação.
A reencarnação é definitivamente a prova mais clara da
infinita indulgência de Deus. Como Deus não quer uma punição sem sentido, mas
direcionada unicamente ao progresso de seus filhos, ele os liberta para um novo
recomeço, um pouco mais livres do que foram e dos atos que cometeram, prontos
para pagarem suas dívidas e faltas de maneira mais franca, honesta e verdadeira
possível.
Agora observe toda a estrutura que existe e possibilita ao
espírito ter uma nova oportunidade para melhorar. Uma gigantesca falange de
espíritos evoluídos trabalha nesta ferramenta do progresso. É uma estrutura
imensa que não julga, não critica, mas que entende ser a consciência o melhor
que consegue ser, segundo ao seu adiantamento, seu momento evolutivo. Respeitam
o direito de errar de cada espírito, direito cedido por Deus.
Estes espíritos são indulgentes para com as fraquezas, pois
as entendem, as enxergam, as compreendem e principalmente não esperam mais do
que podem estes espíritos em progresso manifestar. Isso é a lucidez
na sua forma mais profunda. É um exemplo que Deus nos deixou como um quadro
para que, no momento certo admiremos. É, a meu ver, uma das mais claras
manifestações do Amor e indulgência de Deus para com suas criações.
Por último, a reencarnação tem um papel efetivo na empatia.
O espírito mais evoluído é naturalmente mais empático. Ao passarmos na carne
pelos problemas que muitas vezes causamos aos nossos irmãos, desenvolvemos este
sentimento sublime. Isso só é dado pela experiência da reencarnação, o
resultado deste caminho do espírito.
Com o espírito cheio de gratidão, agradeço a Deus por
existir e fazer parte deste universo imerso em Amor, indulgência e lucidez.
“Depois, pela incerteza, Deus põe à prova a confiança que
nele deposita à criatura e a submissão desta à sua vontade.” [20]
Confiemos na Providência Divina e aceitemos no serviço do bem a nossa mais
bela e melhor oportunidade a que denominamos: agora. (Batuíra - Chico Xavier -
Do Livro: Mais Luz)
A auto observação por muitas vezes nos ensina preciosidades.
Gostaria de compartilhar uma das minhas. Certa vez estava estacionando meu
carro em um shopping quando recebi uma buzinada agressiva do motorista atrás.
Imediatamente coloquei os braços para fora e gritei com o carro que estava
pedindo passagem. Foi uma reação tão automática que logo depois fiquei
espantado comigo, afinal como alguém que está buscando a lucidez tem uma reação
não lúcida destas? Logo depois fiquei um pouco triste, pois não queria ter
tratado aquele motorista daquela forma.
Fiquei assim por um tempo até entender que no universo essa
é a principal força motriz para a transformação das consciências e que o meu
erro, a minha falta de lucidez foi para o motorista um tesouro precioso permitindo
a sua evolução como consciência. O motorista então estava em uma situação que o
faria evoluir, independente da forma que iria agir. Estava sendo criada
então uma oportunidade para ele, uma preciosidade que ele viria a
utilizar da forma com a qual conseguisse.
Em outras palavras, nossos erros são tesouros para as
consciências afetadas por ele, assim como o erro das outras consciências são
tesouros para a nossa transformação e aprimoramento. Assim não existem
desperdícios no universo, todos os erros como todos os acertos atuam de forma a
transformar todas as consciências envolvidas na situação, constituindo um
sistema muito bem feito.
Observando desta forma, percebemos como tudo e todos são
ferramentas para o progresso de cada um individualmente, como também do sistema
como um todo. "Como vedes, os processos de Deus são sempre os melhores e,
quando se tem o coração puro, facilmente se lhes apreende a explicação"[21]
"Cada espírito é um mundo por si". (André Luiz)
Depois de um tempo colocando em prática o que sugere a
lucidez, aprendi algo muito interessante sobre ela: A pseudo Lucidez.
A pseudo lucidez acontece quando uma pessoa acredita que
está realmente lúcida, consciente. A todo o momento temos muitas oportunidades
de aprender alguma coisa, e qualquer pequeno aprendizado já é uma
vitória no caminho do crescer espiritual para nos aproximarmos de
Deus. A principal lição que devemos aprender sobre esta lucidez está em
perceber o quão longe ainda estamos dela.
O momento em que ficamos menos lúcidos é exatamente o
momento em que nós achamos mais lúcidos ou melhores que outras pessoas. É impossível
vigiar a si mesmo a cada segundo do dia. Entender que ninguém tem 100% de
lucidez já é um aprimoramento da própria lucidez.
Veremos a seguir um caso típico de pseudo lucidez, em um
diálogo fictício que teria ocorrido com um grupo de colegas de
trabalho, que após o expediente de um determinado dia, foram a uma
confraternização em um bar próximo.
Após algum tempo de
conversas e bebidas, Carlos, um dos colegas reunidos na mesa, soltou um
comentário não muito agradável a respeito de um rapaz que passava em frente ao
estabelecimento onde estavam, e então uma discussão teve início:
— Olha ali pessoal! Olha o tipinho do cara
passando ali.
Uma das colegas presente na mesa não gostou do comentário
feito por Carlos e logo o repreendeu.
— Nossa, eu não acredito que você Carlos, um cara
bonito e bem sucedido ainda tenha pensamentos retrógrados e preconceituosos.
— É... Eu não suporto essa raça Carla... Está cheio de
mulher por ai e o cara escolhe isto. Você me desculpe, mas eu não concordo com
esse tipo de coisa. A mídia trata esse assunto como se fosse a coisa mais
normal do mundo. O Governo fica instruindo os professores a falarem sobre isso
nas salas de aula, e os adolescentes de hoje em dia crescem com a visão de que
isso é normal.
— Ah claro. Você acha que é simples assim, que ele
escolheu ser assim? Acha ele pode simplesmente optar mudar o que sente!? Você
nem sequer pensou nos motivos que levam alguém a ser assim?
— Olha, eu não vou ficar discutindo isso com você, na
boa.
Carlos deu de ombros e deixou Carla falando sozinha e foi se
despedindo do resto do pessoal.
Após alguns minutos, Roberto, um rapaz observador que
assistiu a toda a cena entre Carlos e Carla, abordou calmamente Carla iniciando
um novo diálogo:
— Carla, percebi que você não gosta de preconceito.
— Sim, eu odeio! Como pode alguém simplesmente julgar um
comportamento sem tentar entender o que está por traz disso? Eu não
esperava isso do Carlos.
— Sim, eu entendo, mas e se eu te disser que você agiu da
mesma maneira que o Carlos?
— Como assim!? Claro que não! Eu fui a única a repreender
o comportamento dele.
— Sim, você foi a única a repreendê-lo. Mas foi
justamente por isso que você agiu da mesma maneira que ele.
— Como assim Roberto!? Eu não estou entendendo aonde
você quer chegar.
— Então me permita explicar. Você não disse que o Carlos não
deveria ter criticado o rapaz e que ele deveria tentar entender os motivos que
levaram aquele rapaz a ser o que é, certo?
— Sim, eu disse. E o que tem isso!?
— Veja, da mesma forma que existe motivos que
explicariam o comportamento daquele rapaz, também existe motivos que explicariam
o comportamento do Carlos.
— Você me desculpa Roberto, mas ainda não estou entendo
onde quer chegar.
— Existe um motivo para o Carlos agir assim. Pode ser algo
que já nasceu com ele ou mesmo alguma experiência de vida pela qual ele tenha
passado. Mas o fato é que ele só está agindo conforme a consciência atual dele,
seus sentimentos, seus traumas e ao seu adiantamento moral. Quando você
repreendeu o Carlos por ele ter tido preconceito com aquele rapaz, não o estava
respeitando por ele ser diferente. Estava reprimindo o preconceito de Carlos
com o seu preconceito.
— Que preconceito!?
— O preconceito do preconceito.
— Roberto, você está maluco. Foi Carlos que começou e
preconceito é crime. Eu o estava repreendendo.
— Sim, eu sei. Você tomou uma posição excelente, mas se
enraiveceu, o julgou e não tentou fazer o que disse que Carlos deveria fazer.
— Que seria?
— Tentar entender o que leva alguém a ser assim. Eu sei que
são posturas diferentes, e a postura de Carlos é nociva e criminosa e a do
rapaz, não. Porém, se tivesse conversado em particular com Carlos, sem
fragilizar o ego que é particular de quem age assim, teria tido muito mais
resultado, não acha?
— Hum...
— Você acabou sendo preconceituosa com o preconceito.
— Acho que entendo o que diz.
— Que bom que
conseguiu entender tão rápido o meu ponto de vista. Outra coisa, o fato de ter
repreendido ele foi a manifestação da sua consciência dentro do seu
entendimento, apenas isto. Aplique o que pediu para ele fazer a si mesmo.
— Não precisa ficar. Isso foi bom para Carlos pois ele
terá a oportunidade de refletir sobre sua forma de pensar. Agora se ele irá ou
não refletir ou mudar sua atitude, não está sobre o seu controle. Ele
entenderá, ou hoje ou amanhã, no tempo que precisar.
*-----*
A situação retratada acima mostra de forma clara o que
significa a pseudo lucidez. Carla acreditava que estava agindo de forma lúcida quando
repreendeu Carlos pelo seu preconceito com o rapaz. No fim ela acabou por
compreender que Carlos só estava agindo conforme conseguia agir, como resposta
da manifestação da consciência dele e que ela poderia ter atuado de uma forma a
promover uma tentativa mais assertiva para fazê-lo compreender o erro que
cometia.
"Colocar-te ás na posição dos que sofrem, a fim de que faças por eles
tudo aquilo que te desejarias se te fizesse nas mesmas circunstâncias"
(Emmanuel - Chico Xavier).
Um dos resultados mais satisfatórios que existem em
conseguir enxergar o mundo sob este novo prisma está na auto lucidez, a lucidez
sobre si mesmo.
Quando passamos a compreender que todas as manifestações das
consciências são uma resposta patente do que são, passamos a compreende-las de
uma forma muito diferente. Respeitamos seus aspectos mais abrangentes. A partir
daí passamos a aplicar a mesma ideia a nós mesmos. Na verdade, deveríamos aplicar
a lucidez sobre nós mesmos antes de aplicarmos nos outros.
O grande benefício se dá então pela aceitação dos nossos
defeitos que nos acompanham. Esta aceitação evita uma auto punição, um entrave,
consequência destruidora de quem almeja progredir mais rápido em direção à
Deus.
Ao entendermos a nós mesmos, estamos mais aptos a entender
nossos irmãozinhos. Quando nós aceitamos, uma paz, tranquilidade nos invade e
alivia nosso espírito, nos dando mais força e energia para nos aproximarmos do
nosso Criador. Quando não nos aceitamos, geramos conflitos internos que nos
apresentam como entraves perniciosos ao nosso desenvolvimento. A convivência e
aceitação para com o que somos no íntimo nos possibilita fazermos o mesmo com
nossos irmãos. Afinal, também nos manifestamos no limite do nosso adiantamento
espiritual e moral e somos o melhor que conseguimos ser.
Esta análise precisa estar presente o tempo inteiro, em
constante investigação e verificação. Quando uma situação diferente ocorrer,
perguntem-se a si mesmos se conseguiriam agira de outra forma. Se a resposta
for afirmativa, se perguntem porque não agiram desta outra forma se existia tal
possibilidade. Esta investigação tornará patente o que estou mostrando, que
agimos neste limite, uma resposta transparente do que conseguimos ser.
"Corrijamos a nós mesmos, antes que o mundo nos corrija." (André
Luiz, do livro: IDEAL ESPÍRITA)
São eles, estes grandes mestres que nos mostram lindamente o
caminho que nos aproxima de Deus. Mas porque tais mestres existem? Um Monge deu o seguinte significado a seu
discípulo sobre o motivo de termos mestres para as consciências evoluírem.
— Imagine uma gota de orvalho. Ela está ali, parada, em
equilíbrio. - Disse o Mestre.
Após algum tempo de observação do orvalho, continuou:
— Imagine que esta gota é uma consciência. Está ali, estática
e assim ficará. Um grande mestre atuará de forma a promover
movimento deste orvalho. Imagine que encoste com a ponta de um de seus
dedos sutilmente nele. Quando encostar na gota ela cairá e continuará o seu
caminho. Um grande mestre atua como atuou o seu dedo. Promoverá movimentação,
quebra da inércia evolutiva, mas sutilmente, nunca forçando. Nas gotas que
ainda não estão preparadas e são pequenas ainda nada acontecerá quando a tocar.
Estes grandes mestres são a chave para a lucidez e o
desenvolvimento espiritual e cada um, da sua forma, mostrou ao mundo a
realidade do espírito. Em todas as consciências que estes Mestres atuaram,
somente aquelas gotas que estão prestes a cair se movimentaram. Os mestres são
como um empurrãozinho para a consciência, para livrá-la de uma estagnação que
poderia perdurar por muito tempo.
Para as gotas na qual não foi possível precipitarem-se com o
simples toque dos dedos, esta interação não terá sido indiferente. Ao toca-la,
parte da substância do dedo como suor, oleosidade, poeira, passariam para a
gota de orvalho. Estas substâncias atuariam de forma diferenciada e a fariam
necessitar de um menor tamanho para, por si mesma precipitar-se.
Mestres como Jesus, Buda, Krishina atuaram, cada um do seu
modo a transmitir uma forma diferente de viver esse momento transitório do
espírito e cada um teve o seu momento.
Dentre estes mestres da luz, Jesus foi, indubitavelmente o
que teve um papel mais impactante e edificante neste contexto no mundo
ocidental, proporcionando a toda a humanidade a entrever o caminho a ser
seguido.
O mais bonito de tudo isso é que Jesus fez em 3 anos algo
que permuta até os dias atuais, cada vez com mais e mais força, sem ter tido a
necessidade de vinculo ou acordos com homens de poder e influência, sem
utilizar de nenhum subterfúgio político e não teve a necessidade de
manipulações estratégicas. Apenas seguiu com as suas verdades de caridade e
amor. É o nosso
principal exemplo a seguir para nos aproximarmos o quanto antes de Deus.
"De que valeria apresentar a fisionomia doce a Deus e um coração
amargo aos companheiros do cotidiano, se todos eles são também filhos de Deus
tanto quanto nós?" (Emmanuel - Chico Xavier)
Quando
reconhecemos certos mecanismos que Deus utiliza para promover o progresso das
consciências em manifestação, algumas perguntas acabam surgindo naturalmente,
como o mérito do nosso esforço quando atuamos no nosso progresso individual.
O problema está exatamente neste ponto: Qual é nosso real
mérito sobre as nossas ações? É claro que temos mérito e é isso que nos garante
um retorno no nosso esforço, mas, no caminho da lucidez este aspecto fica um
pouco mais complicado.
O merecimento se dá quando uma pessoa passa a ser digna de
recompensa ou punição pela forma como age. É uma moeda de recompensa para o
espírito em ascensão à Deus e deve ser valorizada para que esta escalada
aconteça, porém, quando analisamos a consciência percebemos o seguinte cenário:
a consciência é criada simples e ignorante por Deus. No seu íntimo existe uma
procura que o guia, ainda muito obscurecida, mas que o direciona.
Quando uma consciência é merecedora de punição ou de
recompensa, existindo dentro da possibilidade do que ela é, sendo o melhor que
consegue ser naquele momento, o mérito acaba ficando um pouco confuso.
Quando uma consciência é meritória de recompensa, digamos
por exemplo por ter feito uma boa ação, isto só aconteceu porque para aquela
consciência não ser caridosa seria muito mais difícil. Ela apenas agiu assim
pois em seu íntimo agir diferente não era possível e seguiu seu sentimento.
Agora, como pensar em mérito quando a consciência foi criada
por Deus e este lhe deu a direção intrinsecamente em seu espírito e as suas
ações são consequência de um patrocínio fantástico na forma de reencarnação
para que aprenda com os erros quantas vezes forem necessárias?
O que somos de bom foi totalmente
patrocinado por Deus, desde o nosso início com a tendência como toda a estrutura
existente para promover nosso progresso e nos tornar menos ignorantes.
Alguém só merece o
bem porque está no momento de conseguir fazê-lo, assim como o mal. O mal por
sua vez compreende apenas a presença da ignorância, a falta de empatia que
apenas é aprendida com as sucessivas reencarnações e o tempo da consciência na
erraticidade.
Se somos bons, isto se dá pelo
nosso momento evolutivo e experiência adquirida; se alguém é verdadeiramente
merecedor de alguma coisa, é o próprio Deus.
Quando pensamos em Jesus,
precisamos tomar cuidado para não idolatrá-lo. De nenhuma forma estou dizendo
que não tenha significado o que Jesus fez, e muitas vezes isso pode confundir.
O que quero mostrar é que Jesus nunca poderia não ter feito o que fez, pois
suas ações foram um resultado do seu momento evolutivo, seu adiantamento moral
e espiritual. É de longe o melhor exemplo que temos para seguir, mas é
necessário obtermos uma ideia bem definida do que foi Jesus e que,
inevitavelmente chegaremos no mesmo momento evolutivo em que se encontrava
quando veio a terra. Quem sabe não teremos a oportunidade de servirmos a Deus
como um messias para um outro orbe no mesmo estágio de evolução que a terra?
Um outro exemplo lindo de espírito
evoluído é a Madre Tereza de Calcutá, que viveu para auxiliar nossos irmãos.
Admiramos nela esse desapego e amor pelos irmãozinhos pelo qual tanto se
dedicou e muitas vezes acabamos por santificá-la, o mesmo que acontece com
Jesus. Precisamos então afinar o sentido que damos ao reconhecimento para cada
um. Madre Tereza nunca poderia não ter sido o que foi, pois seu íntimo era tão
fustigado ao ver uma criança passando necessidade que não agir seria muito mais
doloroso e socorrê-los passava a ser inevitável.
O verdadeiro reconhecimento neste
caso seria entendermos que Madre Tereza é um espírito de muita evolução e nos
inspirarmos em suas atitudes e não atribuir este mérito ao seu espírito. O
mesmo ocorre com Jesus. Não devemos atribuir o mérito de suas obras a seu
espírito, mas a Deus, pois tudo o que ele é foi totalmente patrocinado por
Deus, desde a sua criação.
Desta forma, tudo o que é bom em nós nunca representaria, de
uma forma lúcida mérito próprio, mas sim mérito de Deus. Na questão do mal que
podemos vir a fazer, este sim compreende mérito integral nosso.
Apenas consagramos a nós qualquer mérito bom quando nos
movemos pela vaidade e orgulho. Todo o bem que fazemos ou que viermos a fazer
tem como causa única Deus.
— Tudo bem, eu sei que isso pode
ofender e ferir, mas há de se pensar em algumas coisas: A primeira delas seria
quanto ao seu orgulho ferido. Imagine Jesus lendo isso, acha que ele se
ofenderia? Então porque está ofendido por ele? Outra, em nenhum momento disse
que Jesus não é um espírito de luz extrema, muitíssimo mais evoluído que nós,
certo?
— Sim, mas é como se você o tivesse rebaixado ao nosso
nível.
— Então não me fiz entender. Todos
nós, eu você e Jesus somos filhos de Deus, criados inicialmente iguais, simples
e ignorantes, o que consagra a sua justiça perfeita, pois se assim não fosse,
dando a algum espírito vantagens ou desvantagens, não seria soberanamente
justo. Certo?
— Certo.
— Então a diferença entre Jesus e nós é o tempo de experimentação
na qual ele foi submetido para evoluir. No começo, ainda ignorante, no mesmo
caminho que estamos passando agora, ele teve todas as vicissitudes, egoísmos,
cupidez que temos agora. Ele passou pela mesma fieira da ignorância.
Entretanto, avançou. A real diferença então é o tempo, apenas isso.
—Tudo bem, mas o espírito dele poderia ter progredido mais
depressa que os outros.
—É isso mais uma resultante do orgulho e da vaidade do que
da coerência lógica. Nos ferimos porque queremos um Jesus santificado. Se um
espírito progride mais rapidamente que o outro, há nisso um efeito de uma
causa. Oras, é incoerente dois seres idênticos que experimentam um mesmo
cenário, digamos, mesmas experimentações terem resultados diferentes. Seria
como se esperar dois efeitos para uma mesma causa. Se um espírito progrediu
mais rápido que outro, a isso se deve outras causas, como a própria natureza da
experimentação, mais favorável ao espírito naquele momento evolutivo que acabou
facilitando seu progresso. Um exemplo disso pode ser dado se pensarmos neste
espírito encarnado em uma família mais preparada para direcioná-lo a um caminho
espiritual e o outro espírito em uma família menos preparada.
—Mas e se Deus tivesse planos específicos para ele e o
orientasse de forma mais particular?
—Então ai estaria definido uma outra causa. Se os dois
espíritos tivessem esta mesma orientação, teriam reduzido essa diferença de
velocidade de progresso. Toda vez que procurarmos valorizar o espírito por si
mesmo, estaremos caindo na vaidade e no orgulho e não percebemos que todos os
méritos são de um ser supremo, do próprio Deus.
— É que assim você parece desvalorizar todo o trabalho que
Jesus teve, está falando que ele só fez porque o tinha que fazer.
— Não quis desvalorizar o trabalho de Jesus, mas o que ele
fez e como ele agiu foi uma resposta ao nível evolutivo dele. Ele não tinha que
fazer, ele se propôs a isso e conseguiu, mas conseguiu pelo nível evolutivo que
possuía. A ideia é mostrar que Jesus foi
o que foi como resposta a sua pureza de espírito e fez grandes coisas por este
motivo. A ideia no fundo era mostrar que
não devemos santificar Jesus, mas entender o que ele foi e como chegou até ali
e que todos nós, chegaremos também. Também o fato de Jesus já ter passado pelo
mesmo momento evolutivo que passamos, inclusive os ruins. A ideia não era discutir
os méritos, mas mostrar exatamente isso, que ele fez o que conseguiu fazer pelo
seu nível evolutivo gigantesco. É difícil conceber o nosso mérito real quando
tudo vem de Deus ou é uma resposta aos seus mecanismos, patrocinados por Ele.
— No caso de Madre Tereza de Calcutá, por mais que algo te
incomode, não quer dizer que você vai fazer aquilo, não é?
— Isso mesmo, o fato de algo te incomodar não irá fazer você
agir. Tudo depende do nível de incômodo. Se é insuportável, você não conseguirá
suportar. Entende? Se o incômodo é suportável, relevamos. Ao vemos alguém
passando necessidade, aquilo nos incomoda, mas você pode não ir até lá prestar
auxílio. Conforme nos depuramos e adquirimos experiência, mais estas situações
nos tocam e o incômodo passa a ser mais forte, até que, inevitavelmente
passamos a fazer algo.
— Na parte que você disse que todo o mérito vem de Deus, não
acredito que seja por ai, nós temos sim mérito próprio nas ações que tomamos,
além do mérito de Deus é claro, só acredito que não podemos ter vaidade ou
orgulho por este mérito, o que conta é a humildade e resignação.
— Aqui é um ponto bem complicado, mas profundo. Pense assim:
fomos criados simples e ignorantes. Desde então, nosso aprendizado foi
patrocinado pelos mecanismos de Deus, desde o princípio da criação, até o
pendor interno que direciona para Ele. Todo o mecanismo de reencarnação que vai
pela aquisição da experiência é promovido por Deus. Se alguém faz o bem, é porque
se depurou, melhorou nas escolas da carne e por outros meios. Então, o que
realmente não vem de Deus? O que fazemos de bom só acontece porque já não
estamos tão embrutecidos e esse aprendizado veio pelo sistema que Deus nos
proporciona. Mas o problema é o mérito. Temos um mérito sim, mas em uma camada
superficial e ela é a moeda que vale em todo o universo para que as
consciências consigam sempre caminhar para Deus. Mas analisando mais
profundamente, tudo vem Dele e por Ele.
— Eu fico aqui com a impressão de injustiça, quer dizer que
tudo de bom que eu fiz não é por minha causa, mais tudo de mau que eu fizer é
culpa minha?
— Eu não diria desta forma. Você está efetivamente colocando
em prática, transformando e exercendo o que vem de Deus, o bem. O mal que
pratica é pela ignorância, da mesma forma que a escuridão é falta de luz. Não é
responsabilidade da luz a sombra, essa é a forma necessária para que as
consciências evoluam. Todas as leis de Deus que sejam violadas deverão ser
pagas para que a consciência entenda e se melhore. Ademais, essa impressão de
injustiça nasce mais do orgulho por termos o mérito que achamos que merecemos
do que efetivamente por alguma injustiça.
— Mas, considerando que Deus seja todo bom e justo, aonde
está a justiça de 2 espíritos "nascidos" ao mesmo tempo terem
evoluções diferentes? Quer dizer que se um espírito der mais "sorte"
e tiver um caminho a ser trilhado melhor ele vai evoluir mais?
— Ao não ajudar nenhuma consciência, ele não promove
injustiça. Elas vão vivendo por um sistema. Claro que ao não promover
exatamente as mesmas chances de se desenvolver e deixar a relativa
"sorte" pode causar uma aparente injustiça. Essa "sorte"
estaria atrelada as situações de infinitas possibilidades que acontecem na
experimentação do espírito. Não existiria uma real necessidade de se ter todos
os espíritos passando exatamente pelas mesmas situações e isso impediria que
situações completamente novas fossem criadas...Talvez seja exatamente essa a
vontade de Deus, mas compreender isto foge muito a nossa capacidade. Ademais,
faz pra mim muito mais coerência acreditar em um Deus com uma justiça que eu
ainda não compreendo totalmente do que supor um Deus injusto, não?
Diálogo VI
— No livro Lucidez diz que quando fazemos o bem é Deus e
quando fazemos o mal não, mas Deus está em tudo, inclusive no mal. Por algum
motivo podemos não entender, mas está lá.
— O mal não é Deus e não está Nele, pois se Deus fizesse o
mal ou tivesse qualquer partícula de maldade Ele já não seria Deus, e
participar do mal é ser conivente com ele.
— Mas isso é o que nós entendemos por maldade. Se maldade é
igual a ignorância e ignorância é falta de experiência...
—Exato.
—Então Deus propõe ganharmos experiência. Assim a maldade é
uma oportunidade.
—Acredito que seja quase isso. O que é uma oportunidade é a
lei de causa e efeito acontecendo. A maldade é o ato em si que representa sua
ignorância.
—Isso considerando uma pessoa, mas a sua maldade gerou a
oportunidade de alguém te perdoar, ou agir bem de qualquer outra forma. Então
em uma visão macro o ato mal de alguém é o bem para outrem, então é o caminho
que Deus criou para que, sem desperdício todos evoluíssem.
—É isso mesmo! Por isso digo que não é responsabilidade da luz
a sombra que ela deixa para trás.
—Porque não?
—Porque não é uma escolha consciente. É um efeito das coisas. A luz não fez a
sombra. Ela a gerou como resposta ao seu
efeito material. Mas ela não foi lá e fez a sombra, conscientemente. Seria o
mesmo que culpar você de ocupar um lugar no espaço. Isso é totalmente
independente de você.
—Fisicamente falando não tenho contra-argumentos, mas
tomando o conceito de que Deus está em tudo, em todo o instante na eternidade,
e tudo é "programado" por ele, então a forma com que você vai agir
foi influenciada por ele, Não? Sendo
assim a maldade também seria patrocinada por ele e isso só é ruim para a nossa
humilde percepção.
—Deus está em tudo?
—Sim. Porque ele é onipresente e onipotente.
—Quando você cria algo, você está ali? onipresente é que
está em toda parte, não que é tudo. Estar e não ser.
— Sim, mas estar em tudo e influenciar no destino das suas
obras seria gerenciar tudo, não?
—Gerenciar sim. Permitir que o livre arbítrio aconteça é gerenciar.
—Sim
—Não podemos responsabilizar Deus por permitir que o mal
aconteça, ainda mais sabendo que é um efeito de nossas más ações. Isso é
justiça e como Deus é bom e misericordioso, pagamos sempre menos do que a
contra partida.
—Então também não o podemos responsabilizar pelo bem. Não é
proporcional?
—Seria proporcional se não existisse a reencarnação e a
legião de anjos do bem a nos ajudar.
—Espera, meu senso lógico se perdeu. Deus está presente,
influenciando. Se agirmos mal é nossa responsabilidade, mas se agirmos bem é
obra de Deus. Soa ilógico.
—Olhe por este ponto de vista: Ele que patrocinou tudo. Se você
errar, quem vai lá te ajudar e dar outras tantas oportunidades de aprender? Quem
colocou em ti o sentimento de buscar por Ele? Quem fez este mecanismo incrível
de "contabilização" de causa e efeito? É Dele tudo isso. Ele é quem
nos matriculou, nos criou, nos orientou e colocou sempre um anjo a nossa porta.
E aí se fazemos o bem…isso é mérito nosso apenas em uma visão circunscrita e
relativa, mas na visão geral, na "big picture", todo o mérito é Dele.
—Mas quanto à influência?
—Ele está aí e influencia pelos espíritos que são uma
potência da natureza. Nosso anjo não nos sugere só coisas boas? Não é Deus aí
agindo no final das contas?
— O que quero dizer é que a influência tanto para o bem
quanto para o "mal" viria dele, pois o seu mal é o bem para outro e
um futuro bem seu.
—O mal é escolha. Ninguém no universo tem por missão fazer o
mal, apenas o bem. Os acidentes no caminho é que são utilizados habilmente por Deus para nos corrigir. Deus só
influência no bem e permite o mal Desde que este seja JUSTO.
—Mas, e a oportunidade que uma pessoa má te dá de evoluir
não seria uma "missão não compreendida por nós"?
—Pode ser um resgate da lei de causa e efeito e isso é
permitido, mas Deus não faz o mal. Se assim fosse não seria Deus, pois é isento
de qualquer vicissitude que a imaginação do homem pode conceber.
Enquanto houver um gemido na
paisagem em que nos movimentamos, não será lícito cogitar da felicidade isolada
para nós mesmos. (Emmanuel - Chico Xavier)
O perdão, quando começamos a enxergar os mecanismos de Deus
de uma forma lúcida é catalisado, facilitado. Afinal, ao conseguirmos entender
que cada consciência se manifesta no limite da possibilidade de seu
adiantamento moral, começa a parecer estranho não perdoar.
Esta visão lúcida
torna muito mais fácil a prática do perdão. Não estamos falando aqui daquele
perdão superficial, mas do perdão pelo coração, do sentimento. É lembrar sem
sofrer, sem se magoar.
O perdão sem esta nova visão é, a meu ver muito mais
sublime, pois parte de um adiantamento moral muito grande oriundo do
sentimento. Afinal, é muito mais difícil se perdoar achando que quem fez o mal
poderia, de uma forma simples não tê-lo cometido simplesmente. Porém, esta
forma de sentir é muito mais rara e representa um adiantamento muito grande.
O perdão com esta nova visão é diferente, pois mesmo com o
mal realizado, sabemos muito mais pelo que permeia por entre os fatos. Nos
colocamos em uma perspectiva de observador complacente, empático ao nível
evolutivo daquela consciência que fez o mal. Esta nova forma de compreender a
vida é um catalisador muito eficiente para o perdão, podendo em muitos casos
fazê-lo perder o sentido.
Deus não precisa perdoar, nunca precisou. O perdão só faz
sentido aos espíritos ainda obscurecidos pela ignorância. Jesus nunca teve que
perdoar, pois sua compreensão e sentimentos entendiam com primor os meandros do
progredir infinito de Deus e os grilhões que amiúde tolhiam as atitudes dos
nossos irmãos.
De qualquer forma, o perdão é necessário, pois precisamos
dele ainda. Precisamos como forma de ressarcimento das nossas faltas, dos
crimes a que teremos que prestar contas. Se alguém nos pedir perdão, é caridade
perdoar, mesmo que saibamos ou que estejamos adiantados moralmente a ponto de
não ser mais necessário o perdão. Afinal, como perdoar uma consciência quando
nos é patente que ela se manifestou na amplitude do que é no íntimo do seu ser?
Perdoar o inevitável passa a não fazer mais sentido.
Quando compreendemos nossos irmãozinhos, nasce uma certa
ternura paterna de um pai para seu filho ainda muito jovem. É um sentimento
infinitamente inferior ao que Deve existir no coração de Deus, de indulgência
infinita.
Entreguemos ao Senhor as lutas
estéreis a que somos tanta vez provocados, e prossigamos, com Ele, no trabalho
edificante do Bem. (Bezerra de Menezes)
Existe uma ideia muito estranha quando começamos a pensar
nesse assunto, neste cabo de guerra entre o bem e o mal.
Mas como poderia Deus ter criado a maldade? Não precisa
pensar muito para entender que a maldade é um resultado das ações de
consciências ainda não muito adiantadas, ignorantes e inexperientes.
É importante entender que tais consciências nunca evoluiriam se
não sofressem; estagnariam sem a dor. As consciências que conseguem evoluir sem
sofrimento não pertencem mais a este mundo. Oras, isso é fácil de ser
verificado, basta uma autoanálise: Como você evolui neste mundo sem o incômodo?
Sem a dor de permanecer na mesma condição? É ai que entra a ferramenta
denominada sofrimento, o melhor catalisador para a espiritualidade. Sem ele não
evoluímos, não teria como. Sempre iremos para o nível de menor energia.
Não existe braço de guerra entre o bem e o mal, mas sim um
caminhar lado a lado. O Mal é, em certo momento tão necessário quanto o bem,
pois ele é o incômodo insubstituível para que o bem se manifeste. O que existe
é somente Deus, mas se manifestando de infinitas maneiras diferentes. O mal é
então uma ferramenta, um alicate espiritual na qual Deus se serve para
estimular o espírito a se aproximar do Dele.
Quando conseguimos observar o mundo de forma lúcida,
percebemos que o mal não passa de uma manifestação inevitável da consciência
pela fieira da ignorância e que ele representará para as nossas consciências a
melhor oportunidade de evoluir infinitamente.
O mal é totalmente necessário. Uma das formas de entender
isso está em observar alguns ícones que se manifestaram na terra. Por exemplo
Steve Jobs, uma pessoa muito difícil de lidar, tratando quase todos de uma
maneira agressiva em busca de seu objetivo. Poderíamos considerar esta sua
atitude como malévola. Porém, estes ícones fizeram um progresso incrível para a
humanidade, fazendo-a alcançar patamares que as vezes demorariam muito tempo
para acontecer. O fato de Steve Jobs ignorar por não conseguir, pelo
sentimento, compreender que as pessoas são mais importantes que os objetivos
que buscava terá impacto muito forte sobre sua vida futura, pois será
responsabilizado por todas as leis de Deus que tenha violado. Independente
disso, a sua volúpia pelo perfeccionismo foi essencial para este progresso. É o
mal utilizado como ferramenta para o progresso da humanidade.
Se, por efeito de hipótese todos já estivessem livres do
orgulho, vaidade e egoísmo, o progresso seria muito afetado, pois dificilmente
alguém empregaria tempo em enriquecer, desenvolver algo maravilhoso por este
simples fato. Teríamos muito mais atividades altruístas do que estas últimas e
isso afetaria o progresso em si, o desenvolvimento de tecnologias novas. Aqui
está um arranjo incrível dos mecanismos de Deus onde nada é desperdiçado. Todo
o mal é servo do progresso e do adiantamento e em mundos no nível da terra (de
provas e expiação). Sem ele, estagnaríamos no progresso intelectual,
tecnológico, científico, etc., e o progredir está nas leis de Deus.
"Estime a solidariedade. Você
não poderá viver sem os outros, embora na maioria dos casos os outros possam
viver sem você. " (André Luiz)
Qual seria o caminho para o amor incondicional?
Amor incondicional é aquele amor que não coloca condição
para se estabelecer. Ele existe independentemente de qualquer coisa. É como se
separássemos as consciências em essência e atitudes e o foco estaria sempre na
consciência.
Acredito que existem duas formas para o
Amor incondicional acontecer e as duas andam juntas. A primeira, para as
consciências mais evoluídas, consistiria no seu íntimo a resposta inconsciente
do amor que vibra a sua verdadeira natureza espiritual. Seria como o amor
incondicional puro, que se manifesta inconscientemente.
Existe outro, entretanto, muito mais fácil de se
estabelecer. O Amor incondicional pela Lucidez. Claro que os dois andam juntos.
Ao conhecermos mais sobre a lucidez e entendermos, ou ao menos tentarmos
entender o que motiva uma consciência a fazer algo, estaremos naturalmente
caminhando para o amor incondicional pela lucidez.
O amor incondicional lúcido se estabelece ao percebermos que
todas as consciências se manifestam como um resultado de si mesmas, de seu
momento evolutivo e sua situação na terra.
Precisamos tentar entender as consciências que se manifestam
ao nosso lado. Ao entender ou tentarmos entender uma consciência e o motivo
para que se manifeste de alguma forma em específico, naturalmente nascerá uma
ternura pela consciência, pois saber-se-á que no íntimo desta, esta foi a
única forma possível de manifestação.
Entendeis, meus irmãos, que cada consciência neste universo
é o melhor que pode ser. Mas se não conseguirem entender, porém, esta é apenas
a sua forma de se manifestarem dentro do seu momento evolutivo.
"Ilumina de amor tudo quanto
disseres. Quem te roga a palavra requer a bênção de Deus." (Emmanuel)
A indulgência talvez seja o mais perfeito sinônimo da
lucidez segundo o espiritismo. Aceitar as falhas é algo muito elevado, objetivo
de todo aquele que almeja progredir rumo a Deus. Mas ainda falta um atributo à
indulgência perfeita, a humildade.
Ao aceitarmos as falhas dos nossos irmãos, muitas vezes nos
colocamos de certa forma acima deles por estarmos certos e eles errados. Surge
então uma indulgência prepotente. Embora fuja um pouco do tema lucidez,
gostaria de colocar aqui esta ideia pois todos que pegaram este livro para ler
tem interesse certo na evolução e no seu progresso espiritual.
Usando do neologismo, criei a humilgência, uma evolução
da indulgência, a união da humildade com indulgência. Enquanto que na
indulgência aceitamos o que achamos que seria uma falha, na
humilgência aceitamos o que poderia ser uma falha, um defeito, e
deixamos evidentes a possibilidade de estarmos errados neste ponto. Aceitamos
então o que nem poderia constituir uma falha real.
Quantas vezes não recorremos de forma errada sobre um fato?
Precisamos sempre nos colocar como possuidores de uma possibilidade, tanto
quanto ao que acreditamos ser a verdade ou ser o correto. Não seria a
indulgência perfeita, a indulgência humilde? Sabe-se com certeza que nossa
limitada compreensão das coisas de Deus nos faz capaz totalmente de sabermos o
que é verdadeiramente certo? Temos bons exemplos sobre como agir, mas as variações
dos fatos do cotidiano podem tornar difícil distinguir o que é ou não é o
correto de forma definitiva.
Precisamos sempre nos policiar, saber separar a fé da crença
para que isso não nos leve a nos fecharmos para a possibilidade de estarmos
errados. Dessa forma, o caminho mais seguro é a humildade com a sua crença e o
amor com as suas atitudes. Que melhor forma de representar isso?
"Não critiques. A lâmina de nossa reprovação volta-se,
invariavelmente, contra nós, expondo-nos as próprias deficiências" (André
Luiz).
Estive pensando algum
tempo no conceito de evolução e de como cada consciência evolui de forma
graduada. Mas e aquelas consciências que retrocedem da evolução, regridem e
sucumbem a antigos pendores?
Vou tentar mostrar
como o retrocesso apenas existe quando não se observa o todo.
Olhem como é
fascinante este "mecanismo" da evolução. Imagine que uma consciência
tenha evoluído a um certo nível, mas logo depois tenha um retrocesso, caindo
nos mesmos maus pendores na qual tinha já superado. Depois de algum tempo
evolui novamente e depois de mais algum tempo ocorre um novo retrocesso, uma
nova queda.
Neste vai e vem de
avanços e retrocessos ela finalmente consegue sair deste ciclo. É parecido com
aquelas pessoas que conseguem parar de fumar apenas após a terceira, quarta
tentativa ou mais.
Se para esta pessoa
conseguir parar de fumar foram necessárias 3 ou 4 tentativas, não seria cada
fracasso um caminho necessário para se conseguir parar de fumar? Em outras palavras,
não seria cada retrocesso da consciência totalmente necessário para que ela
conseguisse efetivamente superar e evoluir de forma consistente? Ficar perdido
não é necessário para se encontrar o caminho?
Observando de forma
mais abrangente, não existe nada que não seja a própria evolução, pois um
retrocesso na evolução é a própria evolução em manifestação, seu caminho, sua
jornada. Afinal, como poderia uma parte do caminho não ser o caminho? Este é o
motivo pelo qual no espiritismo apenas se utiliza o termo de retardo para
aquelas consciências que não conseguem progredir continuamente e acabam cedendo
a pendores aparentemente superados, levando mais tempo para progredirem, mas
não estariam estagnados e cada recesso é fundamental para que ela consiga cumprir
seu papel evolutivo inevitável.
— Pelo o que eu
estudei até hoje, você nunca volta na evolução, o que acontece é você ficar
parado, mas nós nunca voltamos, existem espíritos sim que são rebaixados de
esfera, mas é porque eles estão a muito tempo parados na evolução e precisam de
um estimulo para voltar a se desenvolver.
— Aqui a ideia é bem
direta. Estes espíritos não retrocederam, o tempo de sofrimento lhe nutriu de
experiência do caminho e da dor e estes sentimentos ficam agregados no seu
espírito. Nas outras esferas, eles estarão diferentes, foram sim rebaixados,
mas trazem em si esta experiência e isso será importantíssimo para que consigam
progredir novamente. Por isso, não há retrocesso, e sim uma contínua evolução,
mesmo que pareça praticamente estagnada.
A
algum tempo chegou em meu e-mail uma carta que correu a internet. Achei
interessante incluí-la no livro para um estudo lúcido das relações humanas, mas
sob o prisma proposto aqui. Segue:
TRADUÇÃO:
Cara Christine,
Você me desapontou
como filha. Você está certa sobre termos uma “vergonha na família”, mas errou
sobre qual.
Expulsar seu filho de
sua casa simplesmente porque ele disse a você que era gay é a verdadeira
“abominação”. Uma mãe abandonar o filho é que “é contra a natureza”.
A única coisa
inteligente que ouvi você dizer sobre tudo isso é que “não criou seu filho para
ser gay”. Claro que não criou. Ele nasceu assim e escolheu isso tanto quanto
escolheu ser canhoto. Então, já que esse é um momento de abandonarmos filhos,
acho que chegou a hora de dizer adeus a você. Sei que tenho um fabuloso (como
os gays dizem) neto para criar e não tenho tempo para uma filha que é uma vadia
sem coração.
Se encontrar o seu
coração, ligue pra gente.
-Papai
*-----*
Esta é uma carta muito
interessante e muitos concordarão com a postura do pai da filha que abandonou o
seu filho, por ser gay. Vamos analisar então sobre o prisma da lucidez segundo
o espiritismo.
Primeiramente, não
sabemos o que aconteceu. Observando esta névoa levantada pela carta, temos a
tendência de existir um filho maravilhoso que apenas foi abandonado pelo fato
de ser gay e uma mãe muito ruim que o abandonou. Não sabemos dos detalhes, da
postura do filho, de sua revolta pelo fato de ser gay, problemas espirituais,
etc., mas vamos deixar tudo isso de lado, pois não teríamos como mapear estes
acontecimentos.
No trecho: “Ele nasceu assim e escolheu isso tanto
quanto escolheu ser canhoto.”, fica evidente que o filho era como conseguia
ser. Ser gay ou canhoto era a sua manifestação. Nos trechos seguintes à mesma
forma de se observar deveria ser preservada, mas se perde pela falta de
indulgência com a mãe. Como o filho não conseguiu não ser gay, a mãe não
conseguiu não abandoná-lo. É preciso neste ponto abrir o coração para a
lucidez. Uma mãe que abre mão do filho, está abrindo mão da natureza interna de
sua condição de “mãe”. Se a sua
repulsa pelo fato do filho ser gay é maior que esta natureza latente, é uma
grande repulsa, e se isso ocorreu foi porque não conseguiu reverter esta
situação. Em outras palavras, ela não conseguiu suportar este fato, sendo isto
um efeito de uma causa. Deveríamos então perguntar porque ela não conseguiu? Se
não existiu amor suficiente, existe um motivo para existir tal amor no avô e
não nela. Se existiu repulsa, uma outra explicação existe para explicar este
fato. A manifestação da mãe é uma resposta ao seu nível evolutivo, seu
adiantamento moral e intelectual.
O Avô, apesar de
superficialmente parecer correto em acolher o neto, ele age de uma forma muito
parecida com a filha, indicando talvez de onde ela tirou parte deste
comportamento. Ele não aceitou ela por não ser o que gostaria que fosse, da
mesma forma que ela não aceitou o filho por não ser como gostaria. Faltou
indulgência, a mesma que faltara nela para com o filho. São muito parecidos,
pois um não suportou por ser preconceituosa e o outro não suportou por ser
preconceituoso com o preconceito.
Vou reescrever a carta
sobre uma forma lúcida e espírita de enxergar a situação:
Cara
Christine,
Você me desapontou
como filha. Você está certa sobre termos uma “vergonha na família”, mas errou
sobre qual.
Expulsar seu filho de
sua casa simplesmente porque ele disse a você que era gay é a verdadeira
“abominação”. Uma mãe abandonar o filho é que “é contra a natureza”.
A única coisa
inteligente que ouvi você dizer sobre tudo isso é que “não criou seu filho para
ser gay”. Claro que não criou. Ele nasceu assim e escolheu isso tanto quanto
escolheu ser canhoto.
Ele fez o que conseguiu fazer, assim como você está fazendo o que
consegue, mas abandoná-lo não é o melhor caminho e lhe trará mais dor do que
alívio. Precisamos respeitar nele as suas decisões e amá-lo como eu amo você,
mesmo me decepcionando tão profundamente com esta atitude triste. Pense no que
está fazendo, é realmente tão importante a opção sexual do seu filho? Acredita
mesmo que é pior um gay do que uma mãe incapaz de demonstrar amor e aceitação
para com ele?
Pense sobre isso e quando encontrar a resposta e ela for o amor, ligue
para nós e estaremos lhe esperando de braços abertos.
-Papai
"Todos são e sempre serão o melhor que conseguem ser, no limite do seu
momento evolutivo" (Autor)
Todos tem o direito de errar. Este direito foi
outorgado por Deus. É então um direito supremo. A lucidez segundo
o espiritismo valida isso e explica exatamente o mecanismo que o justifica.
Lucidez seria a ausência de algo que possa obscurecer. Cristalinidade,
limpidez, realidade.
É esta lucidez que possibilita entendermos, em um outro
nível como todas as consciências atuam, sem nenhum átomo de julgamento. É
também uma tentativa para entender a lógica por trás de todos estes subsistemas
de Deus. Afinal, como simplesmente perdoar tantas agressões, injúrias, maldades
de uma forma real sem entender que todos são o melhor que conseguem ser?
Quando começamos a observar as consciências como
manifestação absoluta do seu íntimo, do seu adiantamento moral e espiritual,
passamos a entender seu comportamento. Independente da maldade que existe no
coração de determinadas pessoas, elas só agem desta forma porque não
conseguem sentir de uma outra forma. Tudo parte da sensibilidade que
existe no íntimo e que move cada um de nós.
Não podemos esperar sensibilidade de alguém que no íntimo
está embrutecido pelo seu momento evolutivo, nem esperar brutalidade de um
espírito mais depurado. Também não faz sentido esperar grandes coisas de
espíritos que ainda não tiveram tempo para crescer.
A lucidez então atua como um catalisador para o amor, a
benevolência e sem dúvida para a indulgência. É difícil, no nosso atual momento
evolutivo conseguir seguir, unicamente pelo coração estes sublimes atributos e,
pela conjuntura lógica da falta de controle da consciência isso se torna muito
mais fácil.
O espiritismo nos mostra a indulgência pela lei da
reencarnação, dando a cada um que errou a oportunidade para se corrigir e
progredir. A lei da causa e efeito torna patente a subjugação da consciência
como origem para o que é e o que sente e está de acordo com o livre-arbítrio
determinista. O amor de Deus e todos os seus mistérios dão ao homem liberdade a
um nível ainda desconhecido pelo livre-arbítrio indeterminista.
Também nos mostra, logicamente como e porque os espíritos
sublimes de alta hierarquia conseguem demonstrar tanto amor para com seus
irmãos, pois compreendem, se não efetivamente na conjuntura lógica aqui
apresentada, pelo sentimento e experiência, o que constituiria sem dúvida um maior
adiantamento.
Cada irmão nosso, que nos fere, atua pela fieira da
ignorância e não sabe (saber no íntimo) o que está fazendo, e esse é o que mais
precisa da nossa ajuda para progredir. Ele, como nós, não tem o controle
efetivo de suas escolhas e não consegue ainda atuar em parceria com o bem, da
mesma forma como não temos tal controle efetivo para atuarmos em parceria com o
mal, sendo todos nós o melhor que conseguimos ser naquele momento evolutivo em
particular.
Ser lúcido não constitui ser ocioso ou conivente, muito pelo
contrário. Ao entendermos os meandros pelos quais muitos mecanismos atuam, nos
tornamos menos ignorantes e mais corresponsáveis. Quando passamos a entender
que nossos irmãos só são o que são por não conseguirem se manifestar de
outra forma temos meios muito mais eficazes para ajudá-los. A própria caridade
da indulgência, intrínseca na lucidez já é uma excelente ajuda, pois ao invés
de críticas, daremos compreensão pelo entendimento profundo. Aceitar não é
ficar parado, mas agir de outra forma, procurar outros meios, tentar de outra
maneira.
Aceitação é diferente de conformismo com o mal. Aceitar os
outros é observar suas limitações com a finalidade de estuda-las e
transforma-las. Aceitar limitações é muito diferente de aceitar os erros[22].
"Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa
qualquer os possa transformar como que por encanto. As ideias só pouco a pouco
se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem
para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A
transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode
operar."[23]
Outra ideia que deve ficar clara é que aceitar e compreender
de forma lúcida está muito longe da estagnação evolutiva. Esta nova forma de observarmos
o mundo não deve criar espíritos ociosos e inativos, mas pelo contrário. Ao
entendermos tão indulgentemente uma consciência em manifestação encontramos
meios mais precisos para melhorá-la. Agimos de uma forma mais amável e pelo
exemplo damos meios mais eficientes para promover tanto a nossa própria reforma
íntima como a reforma íntima dos que estão a nossa volta.
Por fim, o verdadeiro reconhecimento, quando atuamos pelo
bem não é nosso, mas de Deus, pois apenas fazemos o bem por termos aprendido e
ganhado experiência neste caminho. Esta experiência foi patrocinada totalmente
pelos processos criados por Ele, que são sempre os melhores.
De todo o meu coração, que este livro possa amplificar a sua
indulgência, ou melhor, a humilgência para com nossos
irmãozinhos, pois todos somos e sempre seremos o melhor que conseguimos ser.
Paz em Cristo.
"Todos tem o direito de errar. Este direito
é concedido por Deus. É então um direito supremo". (Autor)
1.
Sempre tratar todos os seres vivos como
consciências em evolução.
2.
Nunca tentar convencer alguém. Estar lúcido é
saber que cada consciência tem o seu momento.
3.
Não se revoltar. Onde existe revolta não existe
a compreensão do momento evolutivo das consciências naquele momento e
representa mais orgulho do que outra coisa.
4.
A raiva é sinal de baixa lucidez, porém é
natural ficar com raiva. Apenas tenha em mente que estar enraivecido é contrária
a lucidez.
5.
Nunca julgar uma consciência. Um único átomo de
julgamento é a forma mais clara da falta de lucidez.
6.
Aceitar a falta de lucidez das consciências e
inclusive da sua própria. É mostra de Lucidez entender a nossa própria falta de
Lucidez.
7.
Enxergar que as nossas falhas são maravilhosas
oportunidades para a evolução das consciências ao nosso redor e que as falhas
deles, para a nossa.
8.
Entender claramente que o mérito e a maldade são
apenas manifestações de um determinado momento evolutivo da consciência.
9.
Procurar não se punir ou alimentar o remorso.
Enxergar-se como uma consciência em evolução é respeitar seus erros e limites
como manifestação natural do seu nível evolutivo.
10.
Nunca Replicar. Ao replicar não se compreende o
nível de entendimento da consciência. Não Replique, não confronte, apenas
mostre suas ideias como mostra a alguém uma flor.
11.
Sempre trocar a expressão "não quis"
para "não conseguiu".
12.
Perceber que tudo está exatamente em seu lugar e
que todas as consciências são e sempre serão o melhor que conseguem ser.
[1]
Cora Coralina
[3] O Evangelho Segundo o Espiritismo Capítulo
XXIII parte 14.
[4] . Doyle, A.C.
História do Espiritísmo.
[5] . A Gênese.
Capítulo I V item 16.
[6] . O Evangelho Segundo o Espiritismo Capítulo
VII Item 2
[7]
Dicionário Michaelis.
[8]
Dicionário Michaelis.
[9] Artigo O LIVRE-ARBÌTRIO – Daniel A.Lima.
geak.com.br/site/upload/midia/pdf/o_livre-arbitrio.pdf
[14]
Livro dos Espíritos. Pergunta 175
[15]
Arthur Schopenhauer
[16]
. Livro dos espíritos, pergunta 833
[17]
Livro dos Espíritos, pergunta 80.
[18]
Livro dos Espíritos, pergunta 14.
[19]
Livro dos Espíritos, pergunta 78.
[20] O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capitulo
XXVII item 8.
[21]
Livro dos Espíritos, pergunta 385.
[22] Livro
Reforma Íntima sem Martírio. Editora Dufaux.
[23] O Livro dos Espíritos - Questão 800.
1 comentários:
comentáriosLindo
Reply