Livro dos Espíritos - Separação pergunta e resposta (Índice)



Acho que a obra espírita que mais me toca é realmente o livro dos espíritos. Que obra!

Algumas vezes encontro pessoas que dizem gostar do espiritismo, mas que estão buscando outras coisas. Investigando um pouco mais vejo que pouco navegaram no livro dos espíritos e que não souberam aproveitar.

Se o espiritismo não espondeu a suas perguntas, isso ou se deu porque não soube procurar as respostas ou porque suas perguntas não são possíveis de serem respondidas neste plano, nesta dimensão.

A obra em audio de Carlos Vereza e Larissa Vereza é tão expressiva, tão maravilhosa. Carlos Vereza respondendo como os espíritos superiores é tão apaixonante e cheio de verdade que me deixa encantado. Então partindo deste ponto, iniciei uma separação, do audio e do livro, das questões. Cada questão tem seu áudio de pergunta e resposta.

E vou deixar tudo aqui, porque demorei 1 ano para terminar este intento. Se precisarem disso ou se precisarem da pergunta e resposta separadinha para um aplicativo ou página, segue abaixo o link do audio e abaixo todo o texto ( facilmente separado de numero da pergunta, pergunta e reposta )


  1. Que é Deus? “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.”
  2. Que se deve entender por infinito? “O que não tem começo nem fim: o desconhecido; tudo o que é desconhecido é infinito.”
  3. Poder-se-ia dizer que Deus é o infinito? “Definição incompleta. Pobreza da linguagem humana, insuficiente para definir o que está acima da linguagem dos homens.”
  4. Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? “Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.”
  5. Que dedução se pode tirar do sentimento instintivo, que todos os homens trazem em si, da existência de Deus? “A de que Deus existe; pois, donde lhes viria esse sentimento, se não tivesse uma base? É ainda uma conseqüência do princípio — não há efeito sem causa.”
  6. O sentimento íntimo que temos da existência de Deus não poderia ser fruto da educação, resultado de idéias adquiridas? “Se assim fosse, por que existiria nos vossos selvagens esse sentimento?”
  7. Poder-se-ia achar nas propriedades íntimas da matéria a causa primária da formação das coisas? “Mas, então, qual seria a causa dessas propriedades? É indispensável sempre uma causa primária.”
  8. Que se deve pensar da opinião dos que atribuem a formação primária a uma combinação fortuita da matéria, ou, por outra, ao acaso? “Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode considerar o acaso um ser inteligente? E, demais, que é o acaso? Nada.”
  9. Em que é que, na causa primária, se revela uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências? “Tendes um provérbio que diz: Pela obra se reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho é que gera a incredulidade. O homem orgulhoso nada admite acima de si. Por isso é que ele se denomina a si mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater!”
  10. Pode o homem compreender a natureza íntima de Deus? “Não; falta-lhe para isso o sentido.”
  11. Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade? “Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele o verá e compreenderá.”
  12. Embora não possamos compreender a natureza íntima de Deus, podemos formar idéia de algumas de suas perfeições? “De algumas, sim. O homem as compreende melhor à proporção que se eleva acima da matéria. Entrevê-as pelo pensamento.”
  13. Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos idéia completa de seus atributos? “Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber.”
  14. Deus é um ser distinto, ou será, como opinam alguns, a resultante de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas? “Se fosse assim, Deus não existiria, porquanto seria efeito e não causa. Ele não pode ser ao mesmo tempo uma e outra coisa. “Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, conseguintemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável.”
  15. Que se deve pensar da opinião segundo a qual todos os corpos da Natureza, todos os seres, todos os globos do Universo seriam partes da Divindade e constituiriam, em conjunto, a própria Divindade, ou, por outra, que se deve pensar da doutrina panteísta? “Não podendo fazer-se Deus, o homem quer ao menos ser uma parte de Deus.”
  16. Pretendem os que professam esta doutrina achar nela a demonstração de alguns dos atributos de Deus: Sendo infinitos os mundos, Deus é, por isso mesmo, infinito; não havendo o vazio, ou o nada em parte alguma, Deus está por toda parte; estando Deus em toda parte, pois que tudo é parte integrante de Deus, ele dá a todos os fenômenos da Natureza uma razão de ser inteligente. Que se pode opor a este raciocínio? “A razão. Refleti maduramente e não vos será difícil reconhecer-lhe o absurdo.”
  17. É dado ao homem conhecer o princípio das coisas? “Não, Deus não permite que ao homem tudo seja revelado neste mundo.”
  18. Penetrará o homem um dia o mistério das coisas que lhe estão ocultas? “O véu se levanta a seus olhos, à medida que ele se depura; mas, para compreender certas coisas, são-lhe precisas faculdades que ainda não possui.”
  19. Não pode o homem, pelas investigações científicas, penetrar alguns dos segredos da Natureza? “A Ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas; ele, porém, não pode ultrapassar os limites que Deus estabeleceu.”
  20. Dado é ao homem receber, sem ser por meio das investigações da Ciência, comunicações de ordem mais elevada acerca do que lhe escapa ao testemunho dos sentidos? “Sim, se o julgar conveniente, Deus pode revelar o que à ciência não é dado apreender.”
  21. A matéria existe desde toda a eternidade, como Deus, ou foi criada por ele em dado momento? “Só Deus o sabe. Há uma coisa, todavia, que a razão vos deve indicar: é que Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo. Por mais distante que logreis figurar o início de sua ação, podereis concebê-lo ocioso, um momento que seja?”
  22. Define-se geralmente a matéria como sendo — o que tem extensão, o que é capaz de nos impressionar os sentidos, o que é impenetrável. São exatas estas definições? “Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil, que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.”
  22a) — Que definição podeis dar da matéria? “A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação.”
  23. Que é o espírito? “O princípio inteligente do Universo.”
  23a) — Qual a natureza íntima do espírito? “Não é fácil analisar o espírito com a vossa linguagem. Para vós, ele nada é, por não ser palpável. Para nós, entretanto, é alguma coisa. Ficai sabendo: coisa nenhuma é o nada e o nada não existe.”
  24. É o espírito sinônimo de inteligência? “A inteligência é um atributo essencial do espírito. Uma e outro, porém, se confundem num princípio comum, de sorte que, para vós, são a mesma coisa.”
  25. O espírito independe da matéria, ou é apenas uma propriedade desta, como as cores o são da luz e o som o é do ar? “São distintos uma do outro; mas, a união do espírito e da matéria é necessária para intelectualizar a matéria.”
  25a) — Essa união é igualmente necessária para a manifestação do espírito? (Entendemos aqui por espírito o princípio da inteligência, abstração feita das individualidades que por esse nome se designam.) “É necessária a vós outros, porque não tendes organização apta a perceber o espírito sem a matéria. A isto não são apropriados os vossos sentidos.”
  26. Poder-se-á conceber o espírito sem a matéria e a matéria sem o espírito? “Pode-se, é fora de dúvida, pelo pensamento.”
  27. Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito? “Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas, ao elemento material se tem que juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito possa exercer ação sobre ela. Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo com o elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que também o espírito não o fosse. Está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inumeráveis combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que apenas conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.”
  27a) — Esse fluido será o que designamos pelo nome de eletricidade? “Dissemos que ele é suscetível de inúmeras combinações. O que chamais fluido elétrico, fluido magnético, são modificações do fluido universal, que não é, propriamente falando, senão matéria mais perfeita, mais sutil e que se pode considerar independente.”
  28. Pois que o espírito é, em si, alguma coisa, não seria mais exato e menos sujeito a confusão dar aos dois elementos gerais as designações de — matéria inerte e matéria inteligente? “As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vós formular a vossa linguagem de maneira a vos entenderdes. As vossas controvérsias provêm, quase sempre, de não vos entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser incompleta a vossa linguagem para exprimir o que não vos fere os sentidos.”
  29. A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria? “Da matéria como a entendeis, sim; não, porém, da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que constitui esse fluido vos é imponderável. Nem por isso, entretanto, deixa de ser o princípio da vossa matéria pesada.”
  30. A matéria é formada de um só ou de muitos elementos? “De um só elemento primitivo. Os corpos que considerais simples não são verdadeiros elementos, são transformações da matéria primitiva.”
  31. Donde se originam as diversas propriedades da matéria? “São modificações que as moléculas elementares sofrem, por efeito da sua união, em certas circunstâncias.”
  32. De acordo com o que vindes de dizer, os sabores, os odores, as cores, o som, as qualidades venenosas ou salutares dos corpos não passam de modificações de uma única substância primitiva? “Sem dúvida e que só existem devido à disposição dos órgãos destinados a percebê-las.”
  33. A mesma matéria elementar é suscetível de experimentar todas as modificações e de adquirir todas as propriedades? “Sim e é isso o que se deve entender, quando dizemos que tudo está em tudo!”
  33a) — Não parece que esta teoria dá razão aos que não admitem na matéria senão duas propriedades essenciais: a força e o movimento, entendendo que todas as demais propriedades não passam de efeitos secundários, que variam conforme à intensidade da força e à direção do movimento?  “É acertada essa opinião. Falta somente acrescentar: e conforme à disposição das moléculas, como o mostra, por exemplo, um corpo opaco, que pode tornar-se transparente e vice-versa.”
  34. As moléculas têm forma determinada? “Certamente, as moléculas têm uma forma, porém não sois capazes de apreciá-la.”
  34a) — Essa forma é constante ou variável? “Constante a das moléculas elementares primitivas; variável a das moléculas secundárias, que mais não são do que aglomerações das primeiras. Porque, o que chamais molécula longe ainda está da molécula elementar.”
  35. O Espaço universal é infinito ou limitado? “Infinito. Supõe-no limitado: que haverá para lá de seus limites? Isto te confunde a razão, bem o sei; no entanto, a razão te diz que não pode ser de outro modo. O mesmo se dá com o infinito em todas as coisas. Não é na pequenina esfera em que vos achais que podereis compreendê-lo.”
  36. O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal? “Não, não há o vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos instrumentos.”
  37. O Universo foi criado, ou existe de toda a eternidade, como Deus? “É fora de dúvida que ele não pode ter-se feito a si mesmo. Se existisse, como Deus, de toda a eternidade, não seria obra de Deus.”
  38. Como criou Deus o Universo? “Para me servir de uma expressão corrente, direi: pela sua Vontade. Nada caracteriza melhor essa vontade onipotente do que estas belas palavras da Gênese – ‘Deus disse: Faça-se a luz e a luz foi feita.’ ”
  40. Serão os cometas, como agora se pensa, um começo de condensação da matéria, mundos em via de formação? “Isso está certo; absurdo, porém, é acreditar-se na influência deles. Refiro-me à influência que vulgarmente lhes atribuem, porquanto todos os corpos celestes influem de algum modo em certos fenômenos físicos.”
  41. Pode um mundo completamente formado desaparecer e disseminar-se de novo no Espaço a matéria que o compõe? “Sim, Deus renova os mundos, como renova os seres vivos.”
  42. Poder-se-á conhecer o tempo que dura a formação dos mundos: da Terra, por exemplo? “Nada te posso dizer a respeito, porque só o Criador o sabe e bem louco será quem pretenda sabê-lo, ou conhecer que número de séculos dura essa formação.”
  43. Quando começou a Terra a ser povoada? “No começo tudo era caos; os elementos estavam em confusão. Pouco a pouco cada coisa tomou o seu lugar. Apareceram então os seres vivos apropriados ao estado do globo.”
  44. Donde vieram para a Terra os seres vivos? “A Terra lhes continha os germens, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram, desde que cessou a atuação da força que os mantinha afastados, e formaram os germens de todos os seres vivos. Estes germens permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até o momento propício ao surto de cada espécie. Os seres de cada uma destas se reuniram, então, e se multiplicaram.”
  45. Onde estavam os elementos orgânicos, antes da formação da Terra? “Achavam-se, por assim dizer, em estado de fluido no Espaço, no meio dos Espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da Terra para começarem existência nova em novo globo.”
  46. Ainda há seres que nasçam espontaneamente? “Sim, mas o gérmen primitivo já existia em estado latente. Sois todos os dias testemunhas desse fenômeno. Os tecidos do corpo humano e do dos animais não encerram os germens de uma multidão de vermes que só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência? É um mundo minúsculo que dormita e se cria.”
  47. A espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos contidos no globo terrestre? “Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se dissesse que o homem se formou do limo da terra.”
  48. Poderemos conhecer a época do aparecimento do homem e dos outros seres vivos na Terra? “Não; todos os vossos cálculos são quiméricos.”
  49. Se o gérmen da espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se formam espontaneamente homens, como na origem dos tempos? “O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados pela Terra, absorveram em si mesmos os elementos necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo as leis da reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos.”
  50. A espécie humana começou por um único homem? “Não; aquele a quem chamais Adão não foi o primeiro, nem o único a povoar a Terra.”
  51. Poderemos saber em que época viveu Adão? “Mais ou menos na que lhe assinais: cerca de 4.000 anos antes do Cristo.”
  52. Donde provêm as diferenças físicas e morais que distinguem as raças humanas na Terra?“Do clima, da vida e dos costumes. Dá-se aí o que se dá com dois filhos de uma mesma mãe que, educados longe um do outro e de modos diferentes, em nada se assemelharão, quanto ao moral.”
  53. O homem surgiu em muitos pontos do globo? “Sim e em épocas várias, o que também constitui uma das causas da diversidade das raças. Depois, dispersando-se os homens por climas diversos e aliando-se os de uma aos de outras raças, novos tipos se formaram.”
  53a) — Estas diferenças constituem espécies distintas? “Certamente que não; todos são da mesma família. Porventura as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo para que elas deixem de formar uma só espécie?”
  54. Pelo fato de não proceder de um só indivíduo a espécie humana, devem os homens deixar de considerar-se irmãos? “Todos os homens são irmãos em Deus, porque são animados pelo espírito e tendem para o mesmo fim. Estais sempre inclinados a tomar as palavras na sua significação literal.”
  55. São habitados todos os globos que se movem no espaço? “Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”
  56. É a mesma a constituição física dos diferentes globos? “Não; de modo algum se assemelham.”
   57. Não sendo uma só para todos a constituição física dos mundos, seguir-se-á tenham organizações diferentes os seres que os habitam? “Sem dúvida, do mesmo modo que no vosso os peixes são feitos para viver na água e os pássaros no ar.”
  58. Os mundos mais afastados do Sol estarão privados de luz e calor, por motivo de esse astro se lhes mostrar apenas com a aparência de uma estrela? “Pensais então que não há outras fontes de luz e calor além do Sol e em nenhuma conta tendes a eletricidade que, em certos mundos, desempenha um papel que desconheceis e bem mais importante do que o que lhe cabe desempenhar na Terra? Demais, não dissemos que todos os seres são feitos de igual matéria que vós outros e com órgãos de conformação idêntica à dos vossos.”
  60. É a mesma a força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e nos inorgânicos? “Sim, a lei de atração é a mesma para todos.”
  61. Há diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a dos inorgânicos? “A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos está animalizada.”
  62. Qual a causa da animalização da matéria? “Sua união com o princípio vital.”
  63. O princípio vital reside nalgum agente particular, ou é simplesmente uma propriedade da matéria organizada? Numa palavra, é efeito, ou causa? “Uma e outra coisa. A vida é um efeito devido à ação de um agente sobre a matéria. Esse agente, sem a matéria, não é a vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver sem esse agente. Ele dá a vida a todos os seres que o absorvem e assimilam.”
  64. Vimos que o espírito e a matéria são dois elementos constitutivos do Universo. O princípio vital será um terceiro? “É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição do Universo, mas que também tem sua origem na matéria universal modificada. É, para vós, um elemento, como o oxigênio e o hidrogênio, que, entretanto, não são elementos primitivos, pois que tudo isso deriva de um só princípio.”
  64a) — Parece resultar daí que a vitalidade não tem seu princípio num agente primitivo distinto e sim numa propriedade especial da matéria universal, devida a certas modificações. “Isto é conseqüência do que dissemos.”
  65. O princípio vital reside em algum dos corpos que conhecemos? “Ele tem por fonte o fluido universal. É o que chamais fluido magnético, ou fluido elétrico animalizado. É o intermediário, o elo existente entre o Espírito e a matéria.”
  66. O princípio vital é um só para todos os seres orgânicos? “Sim, modificado segundo as espécies. É ele que lhes dá movimento e atividade e os distingue da matéria inerte, porquanto o movimento da matéria não é a vida. Esse movimento ela o recebe, não o dá.”
  67. A vitalidade é atributo permanente do agente vital, ou se desenvolve tão-só pelo funcionamento dos órgãos? “Ela não se desenvolve senão com o corpo. Não dissemos que esse agente sem a matéria não é a vida? A união dos dois é necessária para produzir a vida.”
  67a) — Poder-se-á dizer que a vitalidade se acha em estado latente, quando o agente vital não está unido ao corpo? “Sim, é isso.”
  68. Qual a causa da morte dos seres orgânicos? “Esgotamento dos órgãos.”
  68a) — Poder-se-ia comparar a morte à cessação do movimento de uma máquina desorganizada? “Sim; se a máquina está mal montada, cessa o movimento; se o corpo está enfermo, a vida se extingue.”
  69. Por que é que uma lesão do coração mais depressa causa a morte do que as de outros órgãos? “O coração é máquina de vida, não é, porém, o único órgão cuja lesão ocasiona a morte. Ele não passa de uma das peças essenciais.”
  70. Que é feito da matéria e do princípio vital dos seres orgânicos, quando estes morrem? “A matéria inerte se decompõe e vai formar novos organismos. O princípio vital volta à massa donde saiu.”
  71. A inteligência é atributo do princípio vital? “Não, pois que as plantas vivem e não pensam: só têm vida orgânica. A inteligência e a matéria são independentes, porquanto um corpo pode viver sem a inteligência. Mas, a inteligência só por meio dos órgãos materiais pode manifestar-se. Necessário é que o espírito se una à matéria animalizada para intelectualizá-la.”
  72. Qual a fonte da inteligência? “Já o dissemos; a inteligência universal.”
  72a) — Poder-se-ia dizer que cada ser tira uma porção de inteligência da fonte universal e a assimila, como tira e assimila o princípio da vida material? “Isto não passa de simples comparação, todavia inexata, porque a inteligência é uma faculdade própria de cada ser e constitui a sua individualidade moral. Demais, como sabeis, há coisas que ao homem não é dado penetrar e esta, por enquanto, é desse número.”
  73. O instinto independe da inteligência? “Precisamente, não, por isso que o instinto é uma espécie de inteligência. É uma inteligência sem raciocínio. Por ele é que todos os seres provêem às suas necessidades.”
  74. Pode estabelecer-se uma linha de separação entre instinto e a inteligência, isto é, precisar onde um acaba e começa a outra? “Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito bem se podem distinguir os atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência.”
  75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais? “Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.”
  75a) — Por que nem sempre é guia infalível a razão? “Seria infalível, se não fosse falseada pela má-educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio.”
  76. Que definição se pode dar dos Espíritos? “Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.”
   77. Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou serão simples emanações ou porções desta e, por isto, denominados filhos de Deus? “Meu Deus! São obra de Deus, exatamente qual a máquina o é do homem que a fabrica. A máquina é obra do homem, não é o próprio homem. Sabes que, quando faz alguma coisa bela, útil, o homem lhe chama sua filha, criação sua. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus: somos seus filhos, pois que somos obra sua.”
  78. Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus, de toda a eternidade? “Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, quando, ao invés, são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é incontestável. Quanto, porém, ao modo por que nos criou e em que momento o fez, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se quiseres com isso significar que, sendo eterno, Deus há de ter sempre criado ininterruptamente. Mas, quando e como cada um de nós foi feito, repito-te, nenhum o sabe: aí é que está o mistério.”
  79. Pois que há dois elementos gerais no Universo: o elemento inteligente e o elemento material, poder-se-á dizer que os Espíritos são formados do elemento inteligente, como os corpos inertes o são do elemento material? “Evidentemente. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo por que essa formação se operou é que são desconhecidos.”
  80. A criação dos Espíritos é permanente, ou só se deu na origem dos tempos? “É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar.”
  81. Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros? “Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.”
  82. Será certo dizer-se que os Espíritos são imateriais? “Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma linguagem deficiente? Pode um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance dos vossos sentidos.”
  83. Os Espíritos têm fim? Compreende-se que seja eterno o princípio donde eles emanam, mas o que perguntamos é se suas individualidades têm um termo e se, em dado tempo, mais ou menos longo, o elemento de que são formados não se dissemina e volta à massa donde saiu,  como sucede com os corpos materiais. É difícil de conceber-se que uma coisa que teve começo possa não ter fim. “Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência. Isso, porém, não é razão para que as repilais. O filho não compreende tudo o que a seu pai é compreensível, nem o ignorante tudo o que o sábio apreende. Dizemos que a existência dos Espíritos não tem fim. É tudo o que podemos, por agora, dizer.”
   84. Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos? “Sim, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas.”
  85. Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é o principal, na ordem das coisas? “O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo.”
  86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita? “Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.”
  87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço? “Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Tendes muitos deles de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da natureza e os instrumentos de que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados.”
  88. Os Espíritos têm forma determinada, limitada e constante? “Para vós, não; para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha etérea.”
  88a) — Essa chama ou centelha tem cor? “Tem uma coloração que, para vós, vai do colorido escuro e opaco a uma cor brilhante, qual a do rubi, conforme o Espírito é mais ou menos puro.”
  89. Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço? “Sim, mas fazem-no com a rapidez do pensamento.”
  89a) — O pensamento não é a própria alma que se transporta? “Quando o pensamento está em alguma parte, a alma também aí está, pois que é a alma quem pensa. O pensamento é um atributo.”
  90. O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem consciência da distância que percorre e dos espaços que atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde quer ir? “Dá-se uma e outra coisa. O Espírito pode perfeitamente, se o quiser, inteirar-se da distância que percorre, mas também essa distância pode desaparecer completamente, dependendo isso da sua vontade, bem como da sua natureza mais ou menos depurada.”
  91. A matéria opõe obstáculo aos Espíritos? “Nenhum; eles passam através de tudo. O ar, a terra, as águas e até mesmo o fogo lhes são igualmente acessíveis.”
  92. Têm os Espíritos o dom da ubiqüidade? Por outras palavras: um Espírito pode dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo? “Não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas, cada um é um centro que irradia para diversos lados. Isso é que faz parecer estar um Espírito em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? É um somente. No entanto, irradia em todos os sentidos e leva muito longe os seus raios. Contudo, não se divide.”
  a) — Todos os Espíritos irradiam com igual força? “Longe disso. Essa força depende do grau de pureza de cada um.”
  93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer? “Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.”
   94. De onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial? “Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de roupa.”
  a) — Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio, tomam um perispírito mais grosseiro? “É necessário que se revistam da vossa matéria, já o dissemos.”
  95. O invólucro semimaterial do Espírito tem formas determinadas e pode ser perceptível? “Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável.”
  96. São iguais os Espíritos, ou há entre eles qualquer hierarquia? “São de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado.”
  97. As ordens ou graus de perfeição dos Espíritos são em número determinado? “São ilimitadas em número, porque entre elas não há linhas de demarcação traçadas como barreiras, de sorte que as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas livremente. Todavia, considerando-se os caracteres gerais dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três principais. “Na primeira, colocar-se-ão os que atingiram a perfeição máxima: os puros Espíritos. Formam a segunda os que chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é o que neles predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos. A ignorância, o desejo do mal e todas as paixões más que lhes retardam o progresso, eis o que os caracteriza.”
  98. Os Espíritos da segunda ordem, para os quais o bem constitui a preocupação dominante, têm o poder de praticá-lo? “Cada um deles dispõe desse poder, de acordo com o grau de perfeição a que chegou. Assim, uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Todos, porém, ainda têm que sofrer provas.”
  99. Os da terceira categoria são todos essencialmente maus? “Não; uns há que não fazem nem o mal nem o bem; outros, ao contrário, se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo. Há também os levianos ou estouvados, mais perturbadores do que malignos, que se comprazem antes na malícia do que na malvadez e cujo prazer consiste em mistificar e causar pequenas contrariedades, de que se riem.”
  114. Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram? “São os próprios Espíritos que se melhoram e, melhorando-se, passam de uma ordem inferior para outra mais elevada.”
  115. Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus? “Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais depressa à meta que lhes foi assinada. Outros, só a suportam murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.”
  115a) — Segundo o que acabais de dizer, os Espíritos, em sua origem, seriam como as crianças, ignorantes e inexperientes, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos de que carecem com o percorrerem as diferentes fases da vida? “Sim, a comparação é boa. A criança rebelde se conserva ignorante e imperfeita. Seu aproveitamento depende da sua maior ou menor docilidade. Mas, a vida do homem tem termo, ao passo que a dos Espíritos se prolonga ao infinito.”
  116. Haverá Espíritos que se conservem eternamente nas ordens inferiores? “Não; todos se tornarão perfeitos. Mudam de ordem, mas demoradamente, porquanto, como já doutra vez dissemos, um pai justo e misericordioso não pode banir seus filhos para sempre. Pretenderias que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que vós mesmos?”
  117. Depende dos Espíritos o progredirem mais ou menos rapidamente para a perfeição? “Certamente. Eles a alcançam mais ou menos rápido, conforme o desejo que têm de alcançá-la e a submissão que testemunham à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais depressa do que outra recalcitrante?”
  118. Podem os Espíritos degenerar? “Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição. Concluindo uma prova, o Espírito fica com a ciência que daí lhe veio e não a esquece. Pode permanecer estacionário, mas não retrograda.”
  119. Não podia Deus isentar os Espíritos das provas que lhes cumpre sofrer para chegarem à primeira ordem? “Se Deus os houvesse criado perfeitos, nenhum mérito teriam para gozar dos benefícios dessa perfeição. Onde estaria o merecimento sem a luta? Demais, a desigualdade entre eles existente é necessária às suas personalidades. Acresce ainda que as missões que desempenham nos diferentes graus da escala estão nos desígnios da Providência, para a harmonia do Universo.”
  120. Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem? “Pela fieira do mal, não; pela fieira da ignorância.”
  121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal? “Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”
  122. Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra? “O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram.”
  122a) — Donde vêm as influências que sobre ele se exercem? “Dos Espíritos imperfeitos, que procuram apoderar-se dele, dominá-lo, e que rejubilam com o fazê-lo sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar na figura de Satanás.”
  122b) — Tal influência só se exerce sobre o Espírito em sua origem? “Acompanha-o na sua vida de Espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si mesmo, que os maus desistem de obsidiá-lo.”
  123. Por que há Deus permitido que os Espíritos possam tomar o caminho do mal? “Como ousais pedir a Deus contas de seus atos? Supondes poder penetrar-lhe os desígnios? Podeis, todavia, dizer o seguinte: A sabedoria de Deus está na liberdade de escolher que ele deixa a cada um, porquanto, assim, cada um tem o mérito de suas obras.”
  124. Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois extremos. Não? “Sim, certamente, e os que se acham nos graus intermédios constituem a maioria.”
  125. Os Espíritos que enveredaram pela senda do mal poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os outros? “Sim; mas as eternidades lhes serão mais longas.”
  126. Chegados ao grau supremo da perfeição, os Espíritos que andaram pelo caminho do mal têm, aos olhos de Deus, menos mérito do que os outros? “Deus olha de igual maneira para os que se transviaram e para os outros e a todos ama com o mesmo coração. Aqueles são chamados maus, porque sucumbiram. Antes, não eram mais que simples Espíritos.”
  127. Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais? “São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade.”
  128. Os seres a que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos? “Não; são os Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.”
  129. Os anjos hão percorrido todos os graus da escala? “Percorreram todos os graus, mas do modo que havemos dito: uns, aceitando sem murmurar suas missões, chegaram depressa; outros, gastaram mais ou menos tempo para chegar à perfeição.”
  130. Sendo errônea a opinião dos que admitem a existência de seres criados perfeitos e superiores a todas as outras criaturas, como se explica que essa crença esteja na tradição de quase todos os povos? “Fica sabendo que o mundo onde te achas não existe de toda a eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse, já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo. Acreditaram os homens que eles eram assim desde todos os tempos.”
  131. Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra? “Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Mas, porventura, Deus seria justo e bom se houvera criado seres destinados eternamente ao mal e a permanecerem eternamente desgraçados? Se há demônios, eles se encontram no mundo inferior em que habitais e em outros semelhantes. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo por meio das abominações que praticam em seu nome.”
  132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos? “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.”
  133. Têm necessidade de encarnação os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem? “Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”
  133a) — Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos da vida corporal? “Chegam mais depressa ao fim. Demais, as aflições da vida são muitas vezes a conseqüência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”
  134. Que é a alma? “Um Espírito encarnado.”
  134a) — Que era a alma antes de se unir ao corpo? “Espírito.”
  134b) — As almas e os Espíritos são, portanto, idênticos, a mesma coisa? “Sim, as almas não são senão os Espíritos. Antes de se unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível, os quais temporariamente revestem um invólucro carnal para se purificarem e esclarecerem.”
  135. Há no homem alguma outra coisa além da alma e do corpo? “Há o laço que liga a alma ao corpo.”
  135a) — De que natureza é esse laço? “Semimaterial, isto é, de natureza intermédia entre o Espírito e o corpo. É preciso que seja assim para que os dois se possam comunicar um com o outro. Por meio desse laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente.”
  136. A alma independe do princípio vital? “O corpo não é mais do que envoltório, repetimo-lo constantemente.”
  136a) — Pode o corpo existir sem a alma? “Pode; entretanto, desde que cessa a vida do corpo, a alma o abandona. Antes do nascimento, ainda não há união definitiva entre a alma e o corpo; enquanto que, depois de essa união se haver estabelecido, a morte do corpo rompe os laços que o prendem à alma e esta o abandona. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica.”
  136b) — Que seria o nosso corpo, se não tivesse alma? “Simples massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes, exceto um homem.”
  137. Um Espírito pode encarnar a um tempo em dois corpos diferentes? “Não, o Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente dois seres distintos.”
  138. Que se deve pensar da opinião dos que consideram a alma o princípio da vida material? “É uma questão de palavras, com que nada temos. Começai por vos entenderdes mutuamente.”
  139. Alguns Espíritos e, antes deles, alguns filósofos definiram a alma como sendo: “uma centelha anímica emanada do grande Todo”
  140. Que se deve pensar da teoria da alma subdividida em tantas partes quantos são os músculos e presidindo assim a cada uma das funções do corpo? “Ainda isto depende do sentido que se empreste à palavra alma. Se se entende por alma o fluido vital, essa teoria tem razão de ser; se se entende por alma o Espírito encarnado, é errônea. Já dissemos que o Espírito é indivisível. Ele imprime movimento aos órgãos, servindo-se do fluido intermediário, sem que para isso se divida.”
  140a) — Entretanto, alguns Espíritos deram essa definição. “Os Espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa.”
  141. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião dos que pretendem que a alma é exterior ao corpo e o circunvolve? “A alma não se acha encerrada no corpo, qual pássaro numa gaiola. Irradia e se manifesta exteriormente, como a luz através de um globo de vidro, ou como o som em torno de um centro de sonoridade. Neste sentido se pode dizer que ela é exterior, sem que por isso constitua o envoltório do corpo. A alma tem dois invólucros. Um, sutil e leve: é o primeiro, ao qual chamas perispírito; outro, grosseiro, material e pesado, o corpo. A alma é o centro de todos os envoltórios, como o gérmen em um núcleo, já o temos dito.”
  142. Que dizeis dessa outra teoria segundo a qual a alma, numa criança, se vai completando a cada período da vida? “O Espírito é uno e está todo na criança, como no adulto. Os órgãos, ou instrumentos das manifestações da alma, é que se desenvolvem e completam. Ainda aí tomam o efeito pela causa.”
  143. Por que todos os Espíritos não definem do mesmo modo a alma? “Os Espíritos não se acham todos esclarecidos igualmente sobre estes assuntos. Há Espíritos de inteligência ainda limitada, que não compreendem as coisas abstratas. São como as crianças entre vós. Também há Espíritos pseudo-sábios, que fazem alarde de palavras, para se imporem, ainda como sucede entre vós. Depois, os próprios Espíritos esclarecidos podem exprimir-se em termos diferentes, cujo valor, entretanto, é, substancialmente, o mesmo, sobretudo quando se trata de coisas que a vossa linguagem se mostra impotente para traduzir com clareza. Recorrem então a figuras, a comparações, que tomais como realidade.”
  144. Que se deve entender por alma do mundo? “O princípio universal da vida e da inteligência, do qual nascem as individualidades. Mas, os que se servem dessa expressão não se compreendem, as mais das vezes, uns aos outros. O termo alma é tão elástico que cada um o interpreta ao sabor de suas fantasias. Também à Terra hão atribuído uma alma. Por alma da Terra se deve entender o conjunto dos Espíritos abnegados, que dirigem para o bem as vossas ações, quando os escutais, e que, de certo modo, são os lugares-tenentes de Deus com relação ao vosso planeta.”
  145. Como se explica que tantos filósofos antigos e modernos, durante tão longo tempo, hajam discutido sobre a ciência psicológica e não tenham chegado ao conhecimento da verdade? “Esses homens eram os precursores da eterna Doutrina Espírita. Prepararam os caminhos. Eram homens e, como tais, se enganaram, tomando suas próprias idéias pela luz. No entanto, mesmo os seus erros servem para realçar a verdade, mostrando o pró e o contra. Demais, entre esses erros se encontram grandes verdades que um estudo comparativo torna apreensíveis.”
  146. A alma tem, no corpo, sede determinada e circunscrita? “Não; porém, nos grandes gênios, em todos os que pensam muito, ela reside mais particularmente na cabeça, ao passo que ocupa principalmente o coração naqueles que muito sentem e cujas ações têm todas por objeto a Humanidade.”
  146a) — Que se deve pensar da opinião dos que situam a alma num centro vital? “Quer isso dizer que o Espírito habita de preferência essa parte do vosso organismo, por ser aí o ponto de convergência de todas as sensações. Os que a situam no que consideram o centro da vitalidade, esses a confundem com o fluido ou princípio vital. Pode, todavia, dizer-se que a sede da alma se encontra especialmente nos órgãos que servem para as manifestações intelectuais e morais.”
  147. Por que é que os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os que aprofundam a ciência da Natureza, são, com tanta freqüência, levados ao materialismo? “O fisiologista refere tudo ao que vê. Orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem haja coisa alguma que lhes esteja acima do entendimento. A própria ciência que cultivam os enche de presunção. Pensam que a Natureza nada lhes pode conservar oculto.”
  148. Não é de lastimar que o materialismo seja uma conseqüência de estudos que deveriam, contrariamente, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos? “Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência desses estudos. O homem é que deles tira uma conseqüência falsa, pela razão de lhe ser dado abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. Acresce que o nada os amedronta mais do que eles quereriam que parecesse, e os espíritos fortes, quase sempre, são antes fanfarrões do que bravos. Na sua maioria, só são materialistas porque não têm com que encher o vazio do abismo que diante deles se abre. Mostrai-lhes uma âncora de salvação e a ela se agarrarão pressurosamente.”
  149. Que sucede à alma no instante da morte? “Volta a ser Espírito, isto é, volve ao mundo dos Espíritos, donde se apartara momentaneamente.”
  150. A alma, após a morte, conserva a sua individualidade? “Sim; jamais a perde. Que seria ela, se não a conservasse?”
  150a) — Como comprova a alma a sua individualidade, uma vez que não tem mais corpo material? “Continua a ter um fluido que lhe é próprio, haurido na atmosfera do seu planeta, e que guarda a aparência de sua última encarnação: seu perispírito.”
  150b) — A alma nada leva consigo deste mundo? “Nada, a não ser a lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso que ela fez da vida. Quanto mais pura for, melhor compreenderá a futilidade do que deixa na Terra.”
  151. Que pensar da opinião dos que dizem que após a morte a alma retorna ao todo universal? “O conjunto dos Espíritos não forma um todo? não constitui um mundo completo? Quando estás numa assembléia, és parte integrante dela; mas, não obstante, conservas sempre a tua individualidade.”
  152. Que prova podemos ter da individualidade da alma depois da morte? “Não tendes essa prova nas comunicações que recebeis? Se não fôsseis cegos, veríeis; se não fôsseis surdos, ouviríeis; pois que muito amiúde uma voz vos fala, reveladora da existência de um ser que está fora de vós.”
  153. Em que sentido se deve entender a vida eterna? “A vida do Espírito é que é eterna; a do corpo é transitória e passageira. Quando o corpo morre, a alma retoma a vida eterna.”
  153a) — Não seria mais exato chamar vida eterna à dos Espíritos puros, dos que, tendo atingido a perfeição, não estão sujeitos a sofrer mais prova alguma? “Essa é antes a felicidade eterna. Mas isto constitui uma questão de palavras. Chamai as coisas como quiserdes, contanto que vos entendais.”
  154. É dolorosa a separação da alma e do corpo? “Não; o corpo quase sempre sofre mais durante a vida do que no momento da morte; a alma nenhuma parte toma nisso. Os sofrimentos que algumas vezes se experimentam no instante da morte são um gozo para o Espírito, que vê chegar o termo do seu exílio.”
  155. Como se opera a separação da alma e do corpo? “Rotos os laços que a retinham, ela se desprende.”
  155a) — A separação se dá instantaneamente por brusca transição? Haverá alguma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte? “Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados se tocam e confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram.”
  156. A separação definitiva da alma e do corpo pode ocorrer antes da cessação completa da vida orgânica? “Na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o corpo; nada mais há que a vida orgânica. O homem já não tem consciência de si mesmo; entretanto, ainda lhe resta um sopro de vida orgânica. O corpo é a máquina que o coração põe em movimento. Existe, enquanto o coração faz circular nas veias o sangue, para o que não necessita da alma.”
  157. No momento da morte, a alma sente, alguma vez, qualquer aspiração ou êxtase que lhe faça entrever o mundo onde vai de novo entrar? “Muitas vezes a alma sente que se desfazem os laços que a prendem ao corpo. Emprega então todos os esforços para desfazê-los inteiramente. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desdobrar-se diante de si e goza, por antecipação, do estado de Espírito.”
  158. O exemplo da lagarta que, primeiro, anda de rastos  pela terra, depois se encerra na sua crisálida em estado de morte aparente, para enfim renascer com uma  existência brilhante, pode dar-nos idéia da vida terrestre, do túmulo e, finalmente, da nossa nova existência?  “Uma idéia acanhada. A imagem é boa; todavia, cumpre não seja tomada ao pé da letra, como freqüentemente  vos sucede.”
  159. Que sensação experimenta a alma no momento em que  reconhece estar no mundo dos Espíritos?  “Depende. Se praticaste o mal, impelido pelo desejo de  o praticar, no primeiro momento te sentirás envergonhado  de o haveres praticado. Com a alma do justo as coisas se  passam de modo bem diferente. Ela se sente como que  aliviada de grande peso, pois que não teme nenhum olhar  perscrutador.”
  160. O Espírito se encontra imediatamente com os que  conheceu na Terra e que morreram antes dele?  “Sim, conforme à afeição que lhes votava e a que eles  lhe consagravam. Muitas vezes aqueles seus conhecidos o  vêm receber à entrada do mundo dos Espíritos e o ajudam  a desligar-se das faixas da matéria. Encontra-se também  com muitos dos que conheceu e perdeu de vista durante a  sua vida terrena. Vê os que estão na erraticidade, como vê  os encarnados e os vai visitar.”
  161. Em caso de morte violenta e acidental, quando os órgãos ainda se não enfraqueceram em conseqüência da  idade ou das moléstias, a separação da alma e a  cessação da vida ocorrem simultaneamente?  “Geralmente assim é; mas, em todos os casos, muito  breve é o instante que medeia entre uma e outra.”
  162. Após a decapitação, por exemplo, conserva o homem  por alguns instantes a consciência de si mesmo?  “Não raro a conserva durante alguns minutos, até que  a vida orgânica se tenha extinguido completamente. Mas,  também, quase sempre a apreensão da morte lhe faz  perder aquela consciência antes do momento do suplício.”
  163. A alma tem consciência de si mesma imediatamente  depois de deixar o corpo?  “Imediatamente não é bem o termo. A alma passa  algum tempo em estado de perturbação.”
  164. A perturbação que se segue à separação da alma e do  corpo é do mesmo grau e da mesma duração para  todos os Espíritos?  “Não; depende da elevação de cada um. Aquele que já  está purificado, se reconhece quase imediatamente, pois  que se libertou da matéria antes que cessasse a vida do  corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência ainda não está pura, guarda por muito mais tempo  a impressão da matéria.”
  165. O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência  sobre a duração, mais ou menos longa, da perturbação?  “Influência muito grande, por isso que o Espírito já  antecipadamente compreendia a sua situação. Mas, a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência  exercem.”
  166. Como pode a alma, que não alcançou a perfeição  durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?  “Sofrendo a prova de uma nova existência.”
  166a) — Como realiza essa nova existência? Será pela sua  transformação como Espírito?  “Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta  uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova  da vida corporal.”
  166b) — A alma passa então por muitas existências  corporais?  “Sim, todos contamos muitas existências. Os que  dizem o contrário pretendem manter-vos na ignorância  em que eles próprios se encontram. Esse o desejo deles.”
  166c) — Parece resultar desse princípio que a alma, depois  de haver deixado um corpo, toma outro, ou, então, que  reencarna em novo corpo. É assim que se deve entender?  “Evidentemente.”
  167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?  “Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”
  168. É limitado o número das existências corporais, ou o  Espírito reencarna perpetuamente?  “A cada nova existência, o Espírito dá um passo para  diante na senda do progresso. Desde que se ache limpo de  todas as impurezas, não tem mais necessidade das provas  da vida corporal.”
  169. É invariável o número das encarnações para todos os  Espíritos?  “Não; aquele que caminha depressa, a muitas provas  se forra. Todavia, as encarnações sucessivas são sempre  muito numerosas, porquanto o progresso é quase infinito.”
  170. O que fica sendo o Espírito depois da sua última  encarnação?  “Espírito bem-aventurado; puro Espírito.”
  171. Em que se funda o dogma da reencarnação?  “Na justiça de Deus e na revelação, pois incessantemente repetimos: o bom pai deixa sempre aberta a seus  filhos uma porta para o arrependimento. Não te diz a razão  que seria injusto privar para sempre da felicidade eterna  todos aqueles de quem não dependeu o melhorarem-se?  Não são filhos de Deus todos os homens? Só entre os egoístas se encontram a iniqüidade, o ódio implacável e os  castigos sem remissão.”
  172. As nossas diversas existências corporais se verificam  todas na Terra?  “Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui  passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém, das mais materiais e das mais distantes da perfeição.”
  173. A cada nova existência corporal a alma passa de um  mundo para outro, ou pode ter muitas no mesmo globo?  “Pode viver muitas vezes no mesmo globo, se não se  adiantou bastante para passar a um mundo superior.”
  173a) — Podemos então reaparecer muitas vezes na Terra?  “Certamente.”
  173b) — Podemos voltar a este, depois de termos vivido em  outros mundos?  “Sem dúvida. É possível que já tenhais vivido algures e  na Terra.”
  174. Tornar a viver na Terra constitui uma necessidade?  “Não; mas, se não progredistes, podereis ir para outro  mundo que não valha mais do que a Terra e que talvez até  seja pior do que ela.”
  175. Haverá alguma vantagem em voltar-se a habitar a  Terra?  “Nenhuma vantagem particular, a menos que seja em  missão, caso em que se progride aí como em qualquer  outro planeta.”
  175a) — Não se seria mais feliz permanecendo na condição  de Espírito?  “Não, não; estacionar-se-ia e o que se quer é caminhar  para Deus.”
  176. Depois de haverem encarnado noutros mundos, podem  os Espíritos encarnar neste, sem que jamais aí tenham  estado?  “Sim, do mesmo modo que vós em outros. Todos os  mundos são solidários: o que não se faz num faz-se noutro.”
  176a) — Assim, homens há que estão na Terra pela primeira  vez?  “Muitos, e em graus diversos de adiantamento.”
  176b)— Pode-se reconhecer, por um indício qualquer, que  um Espírito está pela primeira vez na Terra?  “Nenhuma utilidade teria isso.”
  177. Para chegar à perfeição e à suprema felicidade, destino  final de todos os homens, tem o Espírito que passar pela  fieira de todos os mundos existentes no Universo?  “Não, porquanto muitos são os mundos correspondentes a cada grau da respectiva escala e o Espírito, saindo de  um deles, nenhuma coisa nova aprenderia nos outros do  mesmo grau.”
  177a) — Como se explica então a pluralidade de suas  existências em um mesmo globo?  “De cada vez poderá ocupar posição diferente das anteriores e nessas diversas posições se lhe deparam outras  tantas ocasiões de adquirir experiência.”
  178. Podem os Espíritos encarnar em um mundo relativamente inferior a outro onde já viveram?  “Sim, quando em missão, com o objetivo de auxiliarem  o progresso, caso em que aceitam alegres as tribulações de  tal existência, por lhes proporcionar meio de se adiantarem.”
  178a) — Mas, não pode dar-se também por expiação? Não  pode Deus degredar para mundos inferiores Espíritos  rebeldes?  “Os Espíritos podem conservar-se estacionários, mas  não retrogradam. Em caso de estacionamento, a punição  deles consiste em não avançarem, em recomeçarem, no  meio conveniente à sua natur eza, as existências  mal-empregadas.”
  178b) — Quais os que têm de recomeçar a mesma existência?  “Os que faliram em suas missões ou em suas provas.”
  179. Os seres que habitam cada mundo hão todos alcançado o mesmo nível de perfeição?  “Não; dá-se em cada um o que ocorre na Terra: uns  Espíritos são mais adiantados do que outros.”
  180. Passando deste planeta para outro, conserva o Espírito a inteligência que aqui tinha?  “Sem dúvida; a inteligência não se perde. Pode, porém,  acontecer que ele não disponha dos mesmos meios para  manifestá-la, dependendo isto da sua superioridade e das  condições do corpo que tomar.”
  181. Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos  semelhantes aos nossos?  “É fora de dúvida que têm corpos, porque o Espírito  precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria. Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. É isso  o que assinala a diferença entre os mundos que temos de  percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso  Pai, sendo, conseguintemente, de muitos graus essas  moradas. Alguns o sabem e desse fato têm consciência na  Terra; com outros, no entanto, o mesmo não se dá.”
  182. É-nos possível conhecer exatamente o estado físico e  moral dos diferentes mundos?  “Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com  o grau de adiantamento em que vos achais. Quer dizer que  não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem  todos estão em estado de compreendê-las e semelhante revelação os perturbaria.”
  183. Indo de um mundo para outro, o Espírito passa por  nova infância?  “Em toda parte a infância é uma transição necessária,  mas não é, em toda parte, tão obtusa como no vosso mundo.”
  184. Tem o Espírito a faculdade de escolher o mundo onde  passe a habitar?  “Nem sempre. Pode pedir que lhe seja permitido ir para  este ou aquele e pode obtê-lo, se o merecer, porquanto a  acessibilidade dos mundos, para os Espíritos, depende do  grau da elevação destes.”
  184a) — Se o Espírito nada pedir, que é o que determina o  mundo em que ele reencarnará?  “O grau da sua elevação.”
  185. O estado físico e moral dos seres vivos é perpetuamente o mesmo em cada mundo?  “Não; os mundos também estão sujeitos à lei do progresso. Todos começaram, como o vosso, por um estado  inferior e a própria Terra sofrerá idêntica transformação.  Tornar-se-á um paraíso, quando os homens se houverem  tornado bons.”
  186. Haverá mundos onde o Espírito, deixando de revestir  corpos materiais, só tenha por envoltório o perispírito?  “Há e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que  para vós é como se não existisse. Esse o estado dos  Espíritos puros.”
  186a) — Parece resultar daí que, entre o estado correspondente às últimas encarnações e a de Espírito puro, não há  linha divisória perfeitamente demarcada; não?  “Semelhante demarcação não existe. A diferença entre  um e outro estado se vai apagando pouco a pouco e acaba  por ser imperceptível, tal qual se dá com a noite às primeiras claridades do alvorecer.”
  187. A substância do perispírito é a mesma em todos os  mundos?  “Não; é mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outro, o Espírito se reveste da matéria própria desse  outro, operando-se, porém, essa mudança com a rapidez  do relâmpago.”
  188. Os Espíritos puros habitam mundos especiais, ou se  acham no espaço universal, sem estarem mais ligados  a um mundo do que a outros?  “Habitam certos mundos, mas não lhes ficam presos,  como os homens à Terra; podem, melhor do que os outros,  estar em toda parte.”
  189. Desde o início de sua formação, goza o Espírito da  plenitude de suas faculdades?  “Não, pois que para o Espírito, como para o homem,  também há infância. Em sua origem, a vida do Espírito é  apenas instintiva. Ele mal tem consciência de si mesmo e de  seus atos. A inteligência só pouco a pouco se desenvolve.”
  190. Qual o estado da alma na sua primeira encarnação?  “O da infância na vida corporal. A inteligência então  apenas desabrocha: a alma se ensaia para a vida.”
  191. As dos nossos selvagens são almas no estado de  infância?  desde que se atenda a que, possivelmente, certos Espíritos, habitantes daquele planeta, foram mandados à Terra para desempenharem aí certa missão que, aos nossos olhos, os não colocava na  primeira plana. Em segundo lugar, deve-se atender a que, entre a  existência que tiveram na Terra e a que passaram a ter em Júpiter,  podem eles ter tido outras intermédias, em que se melhoraram.  Finalmente, cumpre se considere que, naquele mundo, como no  nosso, múltiplos são os graus de desenvolvimento e que, entre esses graus, pode medear lá a distância que vai, entre nós, do selvagem ao homem civilizado. Assim, do fato de um Espírito habitar  Júpiter não se segue que esteja no nível dos seres mais adiantados,  do mesmo modo que ninguém pode considerar-se na categoria  de um sábio do Instituto, só porque reside em Paris.  As condições de longevidade não são, tampouco, em qualquer  parte, as mesmas que na Terra e as idades não se podem comparar. Evocado, um Espírito que desencarnara havia alguns anos,  disse que, desde seis meses antes, estava encarnado em mundo  “De infância relativa, pois já são almas desenvolvidas,  visto que já nutrem paixões.”
  191a) — Então, as paixões são um sinal de desenvolvimento?  “De desenvolvimento, sim; de perfeição, porém, não.  São sinal de atividade e de consciência do eu, porquanto,  na alma primitiva, a inteligência e a vida se acham no estado de gérmen.”
  192. Pode alguém, por um proceder impecável na vida atual,  transpor todos os graus da escala do aperfeiçoamento  e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros graus  intermédios?  “Não, pois o que o homem julga perfeito longe está da  perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e incompreensíveis. Poderá ser tão perfeito quanto o comporte  a sua natureza terrena, mas isso não é a perfeição absoluta. Dá-se com o Espírito o que se verifica com a criança  que, por mais precoce que seja, tem de passar pela juventude, antes de chegar à idade da madureza; e também com  o enfermo que, para recobrar a saúde, tem que passar pela  convalescença. Demais, ao Espírito cumpre progredir em  ciência e em moral. Se somente se adiantou num sentido,  importa se adiante no outro, para atingir o extremo superior  da escala. Contudo, quanto mais o homem se adiantar na  sua vida atual, tanto menos longas e penosas lhe serão as  provas que se seguirem.”
  a) — Pode ao menos o homem, na vida presente, preparar com segurança, para si, uma existência futura menos  prenhe de amarguras?  “Sem dúvida. Pode reduzir a extensão e as dificuldades do caminho. Só o descuidoso permanece sempre no  mesmo ponto.”
  193. Pode um homem, nas suas novas existências, descer  mais baixo do que esteja na atual?  “Com relação à posição social, sim; como Espírito, não.”
  194. É possível que, em nova encarnação, a alma de um  homem de bem anime o corpo de um celerado?  “Não, visto que não pode degenerar.”
  194a) — A alma de um homem perverso pode tornar-se a de  um homem de bem?  “Sim, se se arrependeu. Isso constitui então uma  recompensa.”
  195. A possibilidade de se melhorarem noutra existência não  será de molde a fazer que certas pessoas perseverem  no mau caminho, dominadas pela idéia de que  poderão corrigir-se mais tarde?  “Aquele que assim pensa em nada crê e a idéia de um  castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra,  porque sua razão a repele, e semelhante idéia induz à incredulidade a respeito de tudo. Se unicamente meios racionais se tivessem empregado para guiar os homens, não  haveria tantos cépticos. De fato, um Espírito imperfeito  poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas,  liberto que se veja da matéria, pensará de outro modo, pois  logo verificará que fez cálculo errado e, então, sentimento  oposto a esse trará ele para a sua nova existência. É assim  que se efetua o progresso e essa a razão por que, na Terra,  os homens são desigualmente adiantados. Uns já dispõem  de experiência que a outros falta, mas que adquirirão pouco a pouco. Deles depende o acelerar-se-lhes o progresso  ou retardar-se indefinidamente.”
  196. Não podendo os Espíritos aperfeiçoar-se, a não ser por  meio das tribulações da existência corpórea, segue-se  que a vida material seja uma espécie de crisol ou de  depurador, por onde têm que passar todos os seres do  mundo espírita para alcançarem a perfeição?  “Sim, é exatamente isso. Eles se melhoram nessas provas, evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao  cabo de mais ou menos longo tempo, conforme os esforços  que empreguem; somente após muitas encarnações ou  depurações sucessivas, atingem a finalidade para que  tendem.”
  196a) — É o corpo que influi sobre o Espírito para que este  se melhore, ou o Espírito que influi sobre o corpo?  “Teu Espírito é tudo; teu corpo é simples veste que  apodrece: eis tudo.”
  197. Poderá ser tão adiantado quanto o de um adulto o  Espírito de uma criança que morreu em tenra idade?  “Algumas vezes o é muito mais, porquanto pode dar-se  que muito mais já tenha vivido e adquirido maior soma de  experiência, sobretudo se progrediu.”
  197a) — Pode então o Espírito de uma criança ser mais  adiantado que o de seu pai?  “Isso é muito freqüente. Não o vedes vós mesmos tão  amiudadas vezes na Terra?”
  198. Não tendo podido praticar o mal, o Espírito de uma  criança que morreu em tenra idade pertence a alguma  das categorias superiores?  “Se não fez o mal, igualmente não fez o bem e Deus  não o isenta das provas que tenha de padecer. Se for um  Espírito puro, não o é pelo fato de ter animado apenas uma  criança, mas porque já progredira até à pureza.”
  199. Por que tão freqüentemente a vida se interrompe na  infância?  “A curta duração da vida da criança pode representar,  para o Espírito que a animava, o complemento de existência precedentemente interrompida antes do momento em  que devera terminar, e sua morte, também não raro,  constitui provação ou expiação para os pais.”
  199a) — Que sucede ao Espírito de uma criança que morre  pequenina?  “Recomeça outra existência.”
  200. Têm sexos os Espíritos?  “Não como o entendeis, pois que os sexos dependem  da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos.”
  201. Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo  de um homem animar o de uma mulher e vice-versa?  “Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os  homens e as mulheres.”
  202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no  corpo de um homem, ou no de uma mulher?  “Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são  as provas por que haja de passar.”
  203. Transmitem os pais aos filhos uma parcela de suas  almas, ou se limitam a lhes dar a vida animal a que,  mais tarde, outra alma vem adicionar a vida moral?  “Dão-lhes apenas a vida animal, pois que a alma é  indivisível. Um pai obtuso pode ter filhos inteligentes  e vice-versa.”
  204. Uma vez que temos tido muitas existências, a nossa  parentela vai além da que a existência atual nos criou?  “Não pode ser de outra maneira. A sucessão das existências corporais estabelece entre os Espíritos ligações que  remontam às vossas existências anteriores. Daí, muitas  vezes, a simpatia que vem a existir entre vós e certos Espíritos que vos parecem estranhos.”
  205. A algumas pessoas a doutrina da reencarnação se afigura destruidora dos laços de família, com o fazê-los  anteriores à existência atual.  “Ela os distende; não os destrói. Fundando-se o parentesco em afeições anteriores, menos precários são os  laços existentes entre os membros de uma mesma família.  Essa doutrina amplia os deveres da fraternidade, porquanto, no vosso vizinho, ou no vosso servo, pode achar-se um  Espírito a quem tenhais estado presos pelos laços da  consangüinidade.”
  205a) — Ela, no entanto, diminui a importância que alguns dão à genealogia, visto que qualquer pode ter tido  por pai um Espírito que haja pertencido a outra raça, ou  que haja vivido em condição muito diversa.  “É exato; mas essa importância assenta no orgulho.  Os títulos, a categoria social, a riqueza, eis o que esses tais  veneram nos seus antepassados. Um, que coraria de contar, como ascendente, honrado sapateiro, orgulhar-se-ia de  descender de um gentil-homem devasso. Digam, porém, o  que disserem, ou façam o que fizerem, não obstarão a que  as coisas sejam como são, que não foi consultando-lhes a  vaidade que Deus formulou as leis da Natureza.”
  206. Do fato de não haver filiação entre os Espíritos dos  descendentes de qualquer família, seguir-se-á que o  culto dos avoengos seja ridículo?  “De modo nenhum. Todo homem deve considerar-se  ditoso por pertencer a uma família em que encarnaram Espíritos elevados. Se bem os Espíritos não procedam uns  dos outros, nem por isso menos afeição consagram aos que  lhes estão ligados pelos elos da família, dado que muitas  vezes eles são atraídos para tal ou qual família pela simpatia, ou pelos laços que anteriormente se estabeleceram. Mas,  ficai certos de que os vossos antepassados não se honram  com o culto que lhes tributais por orgulho. Em vós não se  refletem os méritos de que eles gozem, senão na medida  dos esforços que empregais por seguir os bons exemplos  que vos deram. Somente nestas condições lhes é grata e  até mesmo útil a lembrança que deles guardais.”
  207. Freqüentemente, os pais transmitem aos filhos a parecença  física. Transmitirão também alguma parecença moral?  “Não, que diferentes são as almas ou Espíritos de uns  e outros. O corpo deriva do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito. Entre os descendentes das raças apenas  há consangüinidade.”
  207a) — Donde se originam as parecenças morais que  costuma haver entre pais e filhos?  “É que uns e outros são Espíritos simpáticos, que reciprocamente se atraíram pela analogia dos pendores.”
  208. Nenhuma influência exercem os Espíritos dos pais  sobre o filho depois do nascimento deste?  “Ao contrário: bem grande influência exercem. Conforme já dissemos, os Espíritos têm que contribuir para o  progresso uns dos outros. Pois bem, os Espíritos dos pais  têm por missão desenvolver os de seus filhos pela educação. Constitui-lhes isso uma tarefa. Tornar-se-ão culpados, se vierem a falir no seu desempenho.”
  209. Por que é que de pais bons e virtuosos nascem filhos  de natureza perversa? Por outra: por que é que as boas  qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom Espírito para lhes animar o filho?  “Não é raro que um mau Espírito peça lhe sejam dados  bons pais, na esperança de que seus conselhos o encaminhem por melhor senda e muitas vezes Deus lhe concede o  que deseja.”
  210. Pelos seus pensamentos e preces podem os pais atrair  para o corpo, em formação, do filho um bom Espírito,  de preferência a um inferior?  “Não, mas podem melhorar o Espírito do filho que lhes  nasceu e está confiado. Esse o dever deles. Os maus filhos  são uma provação para os pais.”
  211. Donde deriva a semelhança de caráter que muitas  vezes existe entre dois irmãos, mormente se gêmeos?  “São Espíritos simpáticos que se aproximam por analogia de sentimentos e se sentem felizes por estar juntos.”
  212. Há dois Espíritos, ou, por outra, duas almas, nas crianças cujos corpos nascem ligados, tendo comuns alguns  órgãos?  “Sim, mas a semelhança entre elas é tal que faz vos  pareçam, em muitos casos, uma só.”
  213. Pois que nos gêmeos os Espíritos encarnam por  simpatia, donde provém a aversão que às vezes se  nota entre eles?  “Não é de regra que sejam simpáticos os Espíritos dos  gêmeos. Acontece também que Espíritos maus entendam  de lutar juntos no palco da vida.”
  214. Que se deve pensar dessas histórias de crianças que  lutam no seio materno?  “Lendas! Para significarem quão inveterado era o ódio  que reciprocamente se votavam, figuram-no a se fazer sentir antes do nascimento delas. Em geral, não levais muito  em conta as imagens poéticas.”
  215. Que é o que dá origem ao caráter distintivo que se nota  em cada povo?  “Também os Espíritos se grupam em famílias, formando-as pela analogia de seus pendores mais ou menos puros, conforme a elevação que tenham alcançado. Pois bem!  um povo é uma grande família formada pela reunião de  Espíritos simpáticos. Na tendência que apresentam os membros dessas famílias, para se unirem, é que está a origem  da semelhança que, existindo entre os indivíduos, constitui o caráter distintivo de cada povo. Julgas que Espíritos  bons e humanitários procurem, para nele encarnar, um povo  rude e grosseiro? Não. Os Espíritos simpatizam com as coletividades, como simpatizam com os indivíduos. Naquelas  em cujo seio se encontrem, eles se acham no meio que lhes  é próprio.”
  216. Em suas novas existências conservará o Espírito traços do caráter moral de suas existências anteriores?  “Isso pode dar-se. Mas, melhorando-se, ele muda. Pode  também acontecer que sua posição social venha a ser outra. Se de senhor passa a escravo, inteiramente diversos  serão os seus gostos e dificilmente o reconheceríeis. Sendo  o Espírito sempre o mesmo nas diversas encarnações, podem  existir certas analogias entre as suas manifestações, se bem  que modificadas pelos hábitos da posição que ocupe, até que  um aperfeiçoamento notável lhe haja mudado completamente o caráter, porquanto, de orgulhoso e mau, pode  tornar-se humilde e bondoso, se se arrependeu.”
  217. E do caráter físico de suas existências pretéritas conserva o Espírito traços nas suas existências posteriores?  “O novo corpo que ele toma nenhuma relação tem com  o que foi anteriormente destruído. Entretanto, o Espírito se  reflete no corpo. Sem dúvida que este é unicamente matéria, porém, nada obstante, se modela pelas capacidades do  Espírito, que lhe imprime certo cunho, sobretudo ao rosto,  pelo que é verdadeiro dizer-se que os olhos são o espelho  da alma, isto é, que o semblante do indivíduo lhe reflete de  modo particular a alma. Assim é que uma pessoa excessivamente feia, quando nela habita um Espírito bom,  criterioso, humanitário, tem qualquer coisa que agrada, ao  passo que há rostos belíssimos que nenhuma impressão te  causam, que até chegam a inspirar-te repulsão. Poderias  supor que somente corpos bem moldados servem de  envoltório aos mais perfeitos Espíritos, quando o certo é  que todos os dias deparas com homens de bem, sob um  exterior disforme. Sem que haja pronunciada parecença, a  semelhança dos gostos e das inclinações pode, portanto,  dar lugar ao que se chama ‘um ar de família’.”
  218. Encarnado, conserva o Espírito algum vestígio das  percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu  nas existências anteriores?  “Guarda vaga lembrança, que lhe dá o que se chama  idéias inatas.”
  218a) — Não é, então, quimérica a teoria das idéias inatas?  “Não; os conhecimentos adquiridos em cada existência não mais se perdem. Liberto da matéria, o Espírito sempre os tem presentes. Durante a encarnação, esquece-os  em parte, momentaneamente; porém, a intuição que deles  conserva lhe auxilia o progresso. Se não fosse assim, teria  que recomeçar constantemente. Em cada nova existência,  o ponto de partida, para o Espírito, é o em que, na existência precedente, ele ficou.”
  218b) — Grande conexão deve então haver entre duas  existências consecutivas?  “Nem sempre tão grande quanto talvez o suponhas,  dado que bem diferentes são, muitas vezes, as posições do  Espírito nas duas e que, no intervalo de uma a outra, pode  ele ter progredido.”
  219. Qual a origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição  de certos conhecimentos, o das línguas, do cálculo, etc.?  “Lembrança do passado; progresso anterior da alma,  mas de que ela não tem consciência. Donde queres que  venham tais conhecimentos? O corpo muda, o Espírito,  porém, não muda, embora troque de roupagem.”
  220. Pode o Espírito, mudando de corpo, perder algumas  faculdades intelectuais, deixar de ter, por exemplo, o  gosto das artes?  “Sim, desde que conspurcou a sua inteligência ou a utilizou mal. Depois, uma faculdade qualquer pode permanecer  adormecida durante uma existência, por querer o Espírito  exercitar outra, que nenhuma relação tem com aquela. Esta,  então, fica em estado latente, para reaparecer mais tarde.”
  221. Dever-se-ão atribuir a uma lembrança retrospectiva o  sentimento instintivo que o homem, mesmo quando selvagem, possui da existência de Deus e o pressentimento  da vida futura?  “É uma lembrança que ele conserva do que sabia como  Espírito antes de encarnar. Mas, o orgulho amiudadamente  abafa esse sentimento.”
  221a) — Serão devidas a essa mesma lembrança certas  crenças relativas à Doutrina Espírita, que se observam em  todos os povos?  “Esta doutrina é tão antiga quanto o mundo; tal o  motivo por que em toda parte a encontramos, o que constitui prova de que é verdadeira. Conservando a intuição do  seu estado de Espírito, o Espírito encarnado tem, instintivamente, consciência do mundo invisível, mas os preconceitos bastas vezes falseiam essa idéia e a ignorância lhe  mistura a superstição.”
  222. Não é novo, dizem alguns, o dogma da reencarnação;  ressuscitaram-no da doutrina de Pitágoras. Nunca dissemos ser de invenção moderna a Doutrina Espírita. Constituindo uma lei da Natureza, o Espiritismo há de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por  demonstrar que dele se descobrem sinais na antiguidade  mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do  sistema da metempsicose; ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais.  A idéia da transmigração das almas formava, pois, uma  crença vulgar, aceita pelos homens mais eminentes. De que  modo a adquiriram? Por uma revelação, ou por intuição?  Ignoramo-lo. Seja, porém, como for, o que não padece dúvida é que uma idéia não atravessa séculos e séculos, nem  consegue impor-se a inteligências de escol, se não contiver  algo de sério. Assim, a ancianidade desta doutrina, em vez  de ser uma objeção, seria prova a seu favor. Contudo, entre  a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, há, como também se sabe, profunda diferença,  assinalada pelo fato de os Espíritos rejeitarem, de maneira  absoluta, a transmigração da alma do homem para os  animais e reciprocamente.  Portanto, ensinando o dogma da pluralidade das existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que  teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias.  Simplesmente, eles a apresentam de um ponto de vista mais  racional, mais acorde com as leis progressivas da Natureza  e mais de conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-a de todos os acessórios da superstição. Circunstância digna de nota é que não só neste livro os Espíritos a  ensinaram no decurso dos últimos tempos: já antes da sua  publicação, numerosas comunicações da mesma natureza  se obtiveram em vários países, multiplicando-se depois,  consideravelmente. Talvez fosse aqui o caso de examinarmos por que os Espíritos não parecem todos de acordo sobre  esta questão. Mais tarde, porém, voltaremos a este assunto.  Examinemos de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los  de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada  tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se  haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de  probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos  para que lado a razão e o nosso próprio interesse nos  farão pender.  Muitos repelem a idéia da reencarnação pelo só motivo  de ela não lhes convir. Dizem que uma existência já lhes  chega de sobra e que, portanto, não desejariam recomeçar  outra semelhante. De alguns sabemos que saltam em fúria  só com o pensarem que tenham de voltar à Terra. Perguntar-lhes-emos apenas se imaginam que Deus lhes pediu o  parecer, ou consultou os gostos, para regular o Universo.  Uma de duas: ou a reencarnação existe, ou não existe; se  existe, nada importa que os contrarie; terão que a sofrer,  sem que para isso lhes peça Deus permissão. Afiguram-se-nos  os que assim falam um doente a dizer: Sofri hoje bastante,  não quero sofrer mais amanhã. Qualquer que seja o seu  mau humor, não terá por isso que sofrer menos no dia seguinte, nem nos que se sucederem, até que se ache curado.  Conseguintemente, se os que de tal maneira se externam  tiverem que viver de novo, corporalmente, tornarão a viver,  reencarnarão. Nada lhes adiantará rebelarem-se, quais  crianças que não querem ir para o colégio, ou condenados,  para a prisão. Passarão pelo que têm de passar. São demasiado pueris semelhantes objeções, para merecerem mais  seriamente examinadas. Diremos, todavia, aos que as formulam que se tranqüilizem, que a Doutrina Espírita, no  tocante à reencarnação, não é tão terrível como a julgam;  que, se a houvessem estudado a fundo, não se mostrariam  tão aterrorizados; saberiam que deles dependem as condições da nova existência, que será feliz ou desgraçada, conforme ao que tiverem feito neste mundo; que desde agora  poderão elevar-se tão alto que a recaída no lodaçal não lhes  seja mais de temer.  Supomos dirigir-nos a pessoas que acreditam num  futuro depois da morte e não aos que criam para si a  perspectiva do nada, ou pretendem que suas almas se vão  afogar num todo universal, onde perdem a individualidade,  como os pingos da chuva no oceano, o que vem a dar quase  no mesmo. Ora, pois: se credes num futuro qualquer, certo  não admitis que ele seja idêntico para todos, porquanto, de  outro modo, qual a utilidade do bem? Por que haveria o  homem de constranger-se? Por que deixaria de satisfazer a  todas as suas paixões, a todos os seus desejos, embora  à custa de outrem, uma vez que por isso não ficaria sendo  melhor, nem pior? Credes, ao contrário, que esse futuro  será mais ou menos ditoso ou inditoso, conforme ao que  houverdes feito durante a vida e então desejais que seja tão  afortunado quanto possível, visto que há de durar pela eternidade, não? Mas, porventura, teríeis a pretensão de ser  dos homens mais perfeitos que hajam existido na Terra e,  pois, com direito a alcançardes de um salto a suprema felicidade dos eleitos? Não. Admitis então que há homens de  valor maior do que o vosso e com direito a um lugar melhor,  sem daí resultar que vos conteis entre os réprobos. Pois  bem! Colocai-vos mentalmente, por um instante, nessa situação intermédia, que será a vossa, como acabastes de  reconhecer, e imaginar que alguém vos venha dizer: Sofreis;  não sois tão felizes quanto poderíeis ser, ao passo que diante  de vós estão seres que gozam de completa ventura. Quereis  mudar na deles a vossa posição? — Certamente, respondereis; que devemos fazer? — Quase nada: recomeçar o trabalho mal executado e executá-lo melhor. — Hesitaríeis em  aceitar, ainda que a poder de muitas existências de provações? Façamos outra comparação mais prosaica. Figuremos que a um homem que, sem ter chegado à miséria extrema, sofre, no entanto, privações, por escassez de recursos,  viessem dizer: Aqui está uma riqueza imensa de que podes  gozar; para isto só é necessário que trabalhes arduamente  durante um minuto. Fosse ele o mais preguiçoso da Terra,  que sem hesitar diria: Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso. Que importa isso,  desde que me leve a acabar os meus dias na fartura? Ora,  que é a duração da vida corpórea, em confronto com a eternidade? Menos que um minuto, menos que um segundo.  Temos visto algumas pessoas raciocinarem deste modo:  Não é possível que Deus, soberanamente bom como é, imponha ao homem a obrigação de recomeçar uma série de  misérias e tribulações. Acharão, porventura, essas pessoas  que há mais bondade em condenar Deus o homem a sofrer  perpetuamente, por motivo de alguns momentos de erro,  do que em lhe facultar meios de reparar suas faltas? “Dois  industriais contrataram dois operários, cada um dos quais  podia aspirar a se tornar sócio do respectivo patrão. Aconteceu que esses dois operários certa vez empregaram muito  mal o seu dia, merecendo ambos ser despedidos. Um dos  industriais, não obstante as súplicas do seu, o mandou  embora e o pobre operário, não tendo achado mais trabalho, acabou por morrer na miséria. O outro disse ao seu:  Perdeste um dia; deves-me por isso uma compensação.  Executaste mal o teu trabalho; ficaste a me dever uma reparação. Consinto que o recomeces. Trata de executá-lo  bem, que te conservarei ao meu serviço e poderás continuar aspirando à posição superior que te prometi.”
  223. A alma reencarna logo depois de se haver separado  do corpo?  “Algumas vezes reencarna imediatamente, porém de  ordinário só o faz depois de intervalos mais ou menos longos. Nos mundos superiores, a reencarnação é quase sempre imediata. Sendo aí menos grosseira a matéria corporal,  o Espírito, quando encarnado nesses mundos, goza quase  que de todas as suas faculdades de Espírito, sendo o seu  estado normal o dos sonâmbulos lúcidos entre vós.”
  224. Que é a alma no intervalo das encarnações?  “Espírito errante, que aspira a novo destino, que espera.”
  224a) — Quanto podem durar esses intervalos?  “Desde algumas horas até alguns milhares de séculos.  Propriamente falando, não há extremo limite estabelecido  para o estado de erraticidade, que pode prolongar-se muitíssimo, mas que nunca é perpétuo. Cedo ou tarde, o Espírito terá que volver a uma existência apropriada a purificá-lo  das máculas de suas existências precedentes.”
  224b) — Essa duração depende da vontade do Espírito, ou  lhe pode ser imposta como expiação?  “É uma conseqüência do livre-arbítrio. Os Espíritos  sabem perfeitamente o que fazem. Mas, também, para alguns, constitui uma punição que Deus lhes inflige. Outros  pedem que ela se prolongue, a fim de continuarem estudos  que só na condição de Espírito livre podem efetuar-se com  proveito.”
  225. A erraticidade é, por si só, um sinal de inferioridade  dos Espíritos?  “Não, porquanto há Espíritos errantes de todos os  graus. A encarnação é um estado transitório, já o dissemos. O Espírito se acha no seu estado normal, quando  liberto da matéria.”
  226. Poder-se-á dizer que são errantes todos os Espíritos  que não estão encarnados?  “Sim, com relação aos que tenham de reencarnar. Não  são errantes, porém, os Espíritos puros, os que chegaram à  perfeição. Esses se encontram no seu estado definitivo.”
  227. De que modo se instruem os Espíritos errantes? Certo  não o fazem do mesmo modo que nós outros?  “Estudam e procuram meios de elevar-se. Vêem, observam o que ocorre nos lugares aonde vão; ouvem os discursos dos homens doutos e os conselhos dos Espíritos  mais elevados e tudo isso lhes incute idéias que antes não  tinham.”
  228. Conservam os Espíritos algumas de suas paixões  humanas?  “Com o invólucro imaterial os Espíritos elevados deixam as paixões más e só guardam a do bem. Quanto aos  Espíritos inferiores, esses as conservam, pois do contrário  pertenceriam à primeira ordem.”
  229. Por que, deixando a Terra, não deixam aí os Espíritos  todas as más paixões, uma vez que lhes reconhecem  os inconvenientes?  “Vês nesse mundo pessoas excessivamente invejosas.  Imaginas que, mal o deixam, perdem esse defeito? Acompanha os que da Terra partem, sobretudo os que alimentaram paixões bem acentuadas, uma espécie de atmosfera  que os envolve, conservando-lhes o que têm de mau, por  não se achar o Espírito inteiramente desprendido da matéria. Só por momentos ele entrevê a verdade, que assim lhe  aparece como que para mostrar-lhe o bom caminho.”
  230. Na erraticidade, o Espírito progride?  “Pode melhorar-se muito, tais sejam a vontade e o  desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência  corporal é que põe em prática as idéias que adquiriu.”
  231. São felizes ou desgraçados os Espíritos errantes?  “Mais ou menos, conforme seus méritos. Sofrem por efeito  das paixões cuja essência conservaram, ou são felizes, de conformidade com o grau de desmaterialização a que hajam chegado. Na erraticidade, o Espírito percebe o que lhe falta  para ser mais feliz e, desde então, procura os meios de  alcançá-lo. Nem sempre, porém, lhe é permitido reencarnar  como fora de seu agrado, representando isso, para ele, uma  punição.”
  232. Podem os Espíritos errantes ir a todos os mundos?  “Conforme. Pelo simples fato de haver deixado o corpo,  o Espírito não se acha completamente desprendido da matéria e continua a pertencer ao mundo onde acabou de viver, ou a outro do mesmo grau, a menos que, durante a  vida, se tenha elevado, o que, aliás, constitui o objetivo para  que devem tender seus esforços, pois, do contrário, nunca  se aperfeiçoaria. Pode, no entanto, ir a alguns mundos superiores, mas na qualidade de estrangeiro. A bem dizer,  consegue apenas entrevê-los, donde lhe nasce o desejo de  melhorar-se, para ser digno da felicidade de que gozam os  que os habitam, para ser digno também de habitá-los mais  tarde.”
  233. Os Espíritos já purificados descem aos mundos  inferiores?  “Fazem-no freqüentemente, com o fim de auxiliar-lhes  o progresso. A não ser assim, esses mundos estariam  entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los.”
  234. Há, de fato, como já foi dito, mundos que servem de  estações ou pontos de repouso aos Espíritos errantes?  “Sim, há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem servir de habitação  temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem de uma demasiado longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso. São, entre os outros mundos, posições intermédias, graduadas de acordo com a natureza dos  Espíritos que a elas podem ter acesso e onde eles gozam de  maior ou menor bem-estar.”
  234a) — Os Espíritos que habitam esses mundos podem  deixá-los livremente?  “Sim, os Espíritos que se encontram nesses mundos  podem deixá-los, a fim de irem para onde devam ir. Figurai-os  como bandos de aves que pousam numa ilha, para aí aguardarem que se lhes refaçam as forças, a fim de seguirem seu  destino.”
  235. Enquanto permanecem nos mundos transitórios, os  Espíritos progridem?  “Certamente. Os que vão a tais mundos levam o objetivo de se instruírem e de poderem mais facilmente obter  permissão para passar a outros lugares melhores e chegar  à perfeição que os eleitos atingem.”
  236. Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se  conservam perpetuamente destinados aos Espíritos  errantes?  “Não, a condição deles é meramente temporária.”
  236a) — Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por  seres corpóreos?  “Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de  nada precisam.”
  236b) — É permanente essa esterilidade e decorre da natureza especial que apresentam?  “Não; são estéreis transitoriamente.”
  236c) — Os mundos dessa categoria carecem então de  belezas naturais?  “A Natureza reflete as belezas da imensidade, que não  são menos admiráveis do que aquilo a que dais o nome de  belezas naturais.”
  236d) — Sendo transitório o estado de semelhantes  mundos, a Terra pertencerá algum dia ao número deles?  “Já pertenceu.”
  236e) — Em que época?  “Durante a sua formação.”
  237. Uma vez de volta ao mundo dos Espíritos, conserva a  alma as percepções que tinha quando na Terra?  “Sim, além de outras de que aí não dispunha, porque o  corpo, qual véu sobre elas lançado, as obscurecia. A inteligência é um atributo, que tanto mais livremente se manifesta no Espírito, quanto menos entraves tenha que vencer.”
  238. São ilimitadas as percepções e os conhecimentos dos  Espíritos? Numa palavra: eles sabem tudo?  “Quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais  sabem. Se são Espíritos superiores, sabem muito. Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de tudo.”
  239. Conhecem os Espíritos o princípio das coisas?  “Conforme a elevação e a pureza que hajam atingido.  Os de ordem inferior não sabem mais do que os homens.”
  240. A duração, os Espíritos a compreendem como nós?  “Não e daí vem que nem sempre nos compreendeis,  quando se trata de determinar datas ou épocas.”
  241. Os Espíritos fazem do presente mais precisa e exata  idéia do que nós?  “Do mesmo modo que aquele, que vê bem, faz mais exata idéia das coisas do que o cego. Os Espíritos vêem o que  não vedes. Tudo apreciam, pois, diversamente do modo por  que o fazeis. Mas, também isso depende da elevação deles.”
  242. Como é que os Espíritos têm conhecimento do passado? E esse conhecimento lhes é ilimitado?  “O passado, quando com ele nos ocupamos, é presente. Verifica-se então, precisamente, o que se passa contigo  quando recordas qualquer coisa que te impressionou no  curso do teu exílio. Simplesmente, como já nenhum véu  material nos tolda a inteligência, lembramo-nos mesmo  daquilo que se te apagou da memória. Mas, nem tudo os  Espíritos sabem, a começar pela sua própria criação.”
  243. E o futuro, os Espíritos o conhecem?  “Ainda isto depende da elevação que tenham conquistado. Muitas vezes, apenas o entrevêem, porém nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Quando o vêem, parece-lhes  presente. À medida que se aproxima de Deus, tanto mais  claramente o Espírito descortina o futuro. Depois da morte, a alma vê e apreende num golpe de vista suas passadas  migrações, mas não pode ver o que Deus lhe reserva. Para  que tal aconteça, preciso é que, ao cabo de múltiplas  existências, se haja integrado nele.”
  243a) — Os Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta  têm conhecimento completo do futuro?  “Completo não se pode dizer, por isso que só Deus é  soberano Senhor e ninguém o pode igualar.”
  244. Os Espíritos vêem a Deus?  “Só os Espíritos superiores o vêem e compreendem. Os  inferiores o sentem e adivinham.”
  244a) — Quando um Espírito inferior diz que Deus lhe proíbe ou permite uma coisa, como sabe que isso lhe vem dele?  “Ele não vê a Deus, mas sente a sua soberania e, quando não deva ser feita alguma coisa ou dita uma palavra,  percebe, como por intuição, a proibição de fazê-la ou dizê-la.  Não tendes vós mesmos pressentimentos, que se vos afigu-  ram avisos secretos, para fazerdes, ou não, isto ou aquilo?  O mesmo nos acontece, se bem que em grau mais alto, pois  compreendes que, sendo mais sutil do que as vossas a  essência dos Espíritos, podem estes receber melhor as  advertências divinas.”
  244b) — Deus transmite diretamente a ordem ao Espírito,  ou por intermédio de outros Espíritos?  “Ela não lhe vem direta de Deus. Para se comunicar  com Deus, é-lhe necessário ser digno disso. Deus lhe transmite suas ordens por intermédio dos Espíritos imediatamente superiores em perfeição e instrução.”
  245. O Espírito tem circunscrita a visão como os seres  corpóreos?  “Não, ela reside em todo ele.”
  246. Precisam da luz para ver?  “Vêem por si mesmos, sem precisarem de luz exterior.  Para os Espíritos, não há trevas, salvo as em que podem  achar-se por expiação.”
  247. Para verem o que se passa em dois pontos diferentes,  precisam transportar-se a esses pontos? Podem, por  exemplo, ver simultaneamente nos dois hemisférios do  globo?  “Como o Espírito se transporta aonde queira, com a  rapidez do pensamento, pode-se dizer que vê em toda parte  ao mesmo tempo. Seu pensamento é suscetível de irradiar,  dirigindo-se a um tempo para muitos pontos diferentes, mas  esta faculdade depende da sua pureza. Quanto menos puro  é o Espírito, tanto mais limitada tem a visão. Só os Espíritos superiores podem com a vista abranger um conjunto.”
  248. O Espírito vê as coisas tão distintamente como nós?  “Mais distintamente, pois que sua vista penetra onde  a vossa não pode penetrar. Nada a obscurece.”
  249. Percebe os sons?  “Sim, percebe mesmo sons imperceptíveis para os  vossos sentidos obtusos.”
  249a) — No Espírito, a faculdade de ouvir está em todo ele,  como a de ver?  “Todas as percepções constituem atributos do Espírito  e lhe são inerentes ao ser. Quando o reveste um corpo  material, elas só lhe chegam pelo conduto dos órgãos.  Deixam, porém, de estar localizadas, em se achando ele na  condição de Espírito livre.”
  250. Constituindo elas atributos próprios do Espírito,  ser-lhe-á possível subtrair-se às percepções?  “O Espírito unicamente vê e ouve o que quer. Dizemos  isto de um ponto de vista geral e, em particular, com referência aos Espíritos elevados, porquanto os imperfeitos  muitas vezes ouvem e vêem, a seu mau grado, o que lhes  possa ser útil ao aperfeiçoamento.”
  251. São sensíveis à música os Espíritos?  “Aludes à música terrena? Que é ela comparada à  música celeste? a esta harmonia de que nada na Terra vos  pode dar idéia? Uma está para a outra como o canto do  selvagem para uma doce melodia. Não obstante, Espíritos  vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir a vossa  música, por lhes não ser dado ainda compreenderem outra  mais sublime. A música possui infinitos encantos para os  Espíritos, por terem eles muito desenvolvidas as qualidades sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o  que de mais belo e delicado pode a imaginação espiritual  conceber.”
  252. São sensíveis, os Espíritos, às magnificências da  Natureza?  “Tão diferentes são as belezas naturais dos mundos,  que longe estamos de as conhecer. Sim, os Espíritos são  sensíveis a essas belezas, de acordo com as aptidões que  tenham para as apreciar e compreender. Para os Espíritos  elevados, há belezas de conjunto que, por assim dizer,  apagam as das particularidades.”
  253. Os Espíritos experimentam as nossas necessidades e  sofrimentos físicos?  “Eles os conhecem, porque os sofreram, não os experimentam, porém, materialmente, com vós outros: são Espíritos.”
  254. E a fadiga, a necessidade de repouso, experimentam-nas?  “Não podem sentir a fadiga, como a entendeis; conseguintemente, não precisam de descanso corporal, como vós,  pois que não possuem órgãos cujas forças devam ser reparadas. O Espírito, entretanto, repousa, no sentido de não  estar em constante atividade. Ele não atua materialmente.  Sua ação é toda intelectual e inteiramente moral o seu repouso. Quer isto dizer que momentos há em que o seu pensamento deixa de ser tão ativo quanto de ordinário e não se  fixa em qualquer objeto determinado. É um verdadeiro repouso, mas de nenhum modo comparável ao do corpo. A  espécie de fadiga que os Espíritos são suscetíveis de sentir  guarda relação com a inferioridade deles. Quanto mais  elevados sejam, tanto menos precisarão de repousar.”
  255. Quando um Espírito diz que sofre, de que natureza é o  seu sofrimento?  “Angústias morais, que o torturam mais dolorosamente do que todos os sofrimentos físicos.”
  256. Como é então que alguns Espíritos se têm queixado de  sofrer frio ou calor?  “É reminiscência do que padecem durante a vida, reminiscência não raro tão aflitiva quanto a realidade. Muitas vezes, no que eles assim dizem apenas há uma comparação mediante a qual, em falta de coisa melhor, procuram  exprimir a situação em que se acham. Quando se lembram  do corpo que revestiram, têm impressão semelhante à de  uma pessoa que, havendo tirado o manto que a envolvia,  julga, passado algum tempo, que ainda o traz sobre os  ombros.”
  257. O corpo é o instrumento da dor. Se não é a causa  primária desta é, pelo menos, a causa imediata. A alma  tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito.  A lembrança que da dor a alma conserva pode ser muito  penosa, mas não pode ter ação física. De fato, nem o frio,  nem o calor são capazes de desorganizar os tecidos da alma,  que não é suscetível de congelar-se, nem de queimar-se.  Não vemos todos os dias a recordação ou a apreensão de  um mal físico produzirem o efeito desse mal, como se real  fora? Não as vemos até causar a morte? Toda gente sabe  que aqueles a quem se amputou um membro costumam  sentir dor no membro que lhes falta. Certo que aí não está  a sede, ou, sequer, o ponto de partida da dor. O que há,  apenas, é que o cérebro guardou desta a impressão. Lícito,  portanto, será admitir-se que coisa análoga ocorra nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo aprofundado  do perispírito, que tão importante papel desempenha em  todos os fenômenos espíritas; nas aparições vaporosas ou  tangíveis; no estado em que o Espírito vem a encontrar-se  por ocasião da morte; na idéia, que tão freqüentemente  manifesta, de que ainda está vivo; nas situações tão  comoventes que nos revelam os dos suicidas, dos supliciados, dos que se deixaram absorver pelos gozos materiais; e  inúmeros outros fatos, muita luz lançaram sobre esta questão, dando lugar a explicações que passamos a resumir.  O perispírito é o laço que à matéria do corpo prende o  Espírito, que o tira do meio ambiente, do fluido universal.  Participa ao mesmo tempo da eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria. É o princípio da vida  orgânica, porém não o da vida intelectual, que reside no  Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores.  No corpo, os órgãos, servindo-lhes de condutos, localizam  essas sensações. Destruído o corpo, elas se tornam gerais.  Daí o Espírito não dizer que sofre mais da cabeça do que  dos pés, ou vice-versa. Não se confundam, porém, as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as  do corpo. Estas últimas só por termo de comparação as  podemos tomar e não por analogia. Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, pois  que ele se queixa de frio e calor. Também não sofre mais no  inverno do que no verão: temo-los visto atravessar chamas,  sem experimentarem qualquer dor. Nenhuma impressão lhes  causa, conseguintemente, a temperatura. A dor que sentem não é, pois, uma dor física propriamente dita: é um  vago sentimento íntimo, que o próprio Espírito nem sempre compreende bem, precisamente porque a dor não se  acha localizada e porque não a produzem agentes exteriores; é mais uma reminiscência do que uma realidade, reminiscência, porém, igualmente penosa. Algumas vezes,  entretanto, há mais do que isso, como vamos ver.  Ensina-nos a experiência que, por ocasião da morte, o  perispírito se desprende mais ou menos lentamente do cor-  po; que, durante os primeiros minutos depois da desencarnação, o Espírito não encontra explicação para a situação  em que se acha. Crê não estar morto, por isso que se sente  vivo; vê a um lado o corpo, sabe que lhe pertence, mas não  compreende que esteja separado dele. Essa situação dura  enquanto haja qualquer ligação entre o corpo e o perispírito.  Disse-nos, certa vez, um suicida: “Não, não estou morto.”
  258. Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o Espírito consciência e previsão  do que lhe sucederá no curso da vida terrena?  “Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de  passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”
  258a) — Não é Deus, então, quem lhe impõe as tribulações  da vida, como castigo?  “Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi  Deus quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo.  Ide agora perguntar por que decretou ele esta lei e não aquela. Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das conseqüências que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos  se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal. Se  vier a sucumbir, restar-lhe-á a consolação de que nem tudo  se lhe acabou e que a bondade divina lhe concede a liberdade de recomeçar o que foi malfeito. Demais, cumpre se  distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do  homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o  criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos  expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes,  e Deus o permitiu.”
  259. Do fato de pertencer ao Espírito a escolha do gênero de  provas que deva sofrer, seguir-se-á que todas as tribulações que experimentamos na vida nós as previmos e  buscamos?  “Todas, não, porque não escolhestes e previstes tudo o  que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas.  Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades correm por conta da posição em que vos achais; são,  muitas vezes, conseqüências das vossas próprias ações.  Escolhendo, por exemplo, nascer entre malfeitores, sabia o  Espírito a que arrastamentos se expunha; ignorava, porém,  quais os atos que viria a praticar. Esses atos resultam do  exercício da sua vontade, ou do seu livre-arbítrio. Sabe o  Espírito que, escolhendo tal caminho, terá que sustentar  lutas de determinada espécie; sabe, portanto, de que natureza serão as vicissitudes que se lhe depararão, mas ignora  se se verificará este ou aquele êxito. Os acontecimentos  secundários se originam das circunstâncias e da força mesma das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que  influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de sulcos profundos, sabes que terás de andar cautelosamente,  porque há muitas probabilidades de caíres; ignoras, contu-  do, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias,  se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua,  uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito,  segundo vulgarmente se diz.”
  260. Como pode o Espírito desejar nascer entre gente de  má vida?  “Forçoso é que seja posto num meio onde possa sofrer  a prova que pediu. Pois bem! É necessário que haja analogia. Para lutar contra o instinto do roubo, preciso é que se  ache em contacto com gente dada à prática de roubar.”
  260a) — Assim, se não houvesse na Terra gente de maus  costumes, o Espírito não encontraria aí meio apropriado ao  sofrimento de certas provas?  “E seria isso de lastimar-se? É o que ocorre nos mundos superiores, onde o mal não penetra. Eis por que, nesses mundos, só há Espíritos bons. Fazei que em breve o  mesmo se dê na Terra.”
  261. Nas provações por que lhe cumpre passar para atingir  a perfeição, tem o Espírito que sofrer tentações de todas as naturezas? Tem que se achar em todas as circunstâncias que possam excitar-lhe o orgulho, a inveja, a avareza, a sensualidade, etc.?  “Certo que não, pois bem sabeis haver Espíritos que  desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas. Aquele, porém, que se deixa arrastar para o mau  caminho, corre todos os perigos que o inçam. Pode um Espírito, por exemplo, pedir a riqueza e ser-lhe esta concedida.  Então, conforme o seu caráter, poderá tornar-se avaro ou  pródigo, egoísta ou generoso, ou ainda lançar-se a todos os  gozos da sensualidade. Daí não se segue, entretanto, que  haja de forçosamente passar por todas estas tendências.”
  262. Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples,  ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável  por essa escolha?  “Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Deixa-o,  porém, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se  desenvolve, senhor de proceder à escolha e só então é que  muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho, por desatender os conselhos dos bons Espíritos. A  isso é que se pode chamar a queda do homem.”
  262a) — Quando o Espírito goza do livre-arbítrio, a escolha  da existência corporal dependerá sempre exclusivamente de  sua vontade, ou essa existência lhe pode ser imposta, como  expiação, pela vontade de Deus?  “Deus sabe esperar, não apressa a expiação. Todavia,  pode impor certa existência a um Espírito, quando este,  pela sua inferioridade ou má vontade, não se mostra apto a  compreender o que lhe seria mais útil, e quando vê que tal  existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”
  263. O Espírito faz a sua escolha logo depois da morte?  “Não, muitos acreditam na eternidade das penas, o que,  como já se vos disse, é um castigo.”
  264. Que é o que dirige o Espírito na escolha das provas que  queira sofrer?  “Ele escolhe, de acordo com a natureza de suas faltas,  as que o levem à expiação destas e a progredir mais depressa. Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando suportá-las com coragem; outros preferem experimentar as tentações da riqueza e do  poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação  a que podem dar lugar, pelas paixões inferiores que uma e  outros desenvolvem; muitos, finalmente, se decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar  em contacto com o vício.”
  265. Havendo Espíritos que, por provação, escolhem o  contacto do vício, outros não haverá que o busquem  por simpatia e pelo desejo de viverem num meio conforme aos seus gostos, ou para poderem entregar-se  materialmente a seus pendores materiais?  “Há, sem dúvida, mas tão-somente entre aqueles cujo  senso moral ainda está pouco desenvolvido. A prova vem  por si mesma e eles a sofrem mais demoradamente. Cedo  ou tarde, compreendem que a satisfação de suas paixões  brutais lhes acarretou deploráveis conseqüências, que eles  sofrerão durante um tempo que lhes parecerá eterno. E  Deus os deixará nessa persuasão, até que se tornem conscientes da falta em que incorreram e peçam, por impulso  próprio, lhes seja concedido resgatá-la, mediante úteis  provações.”
  266. Não parece natural que se escolham as provas menos  dolorosas?  “Pode parecer-vos a vós; ao Espírito, não. Logo que  este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa  a ser a sua maneira de pensar.”
  267. Pode o Espírito proceder à escolha de suas provas,  enquanto encarnado?  “O desejo que então alimenta pode influir na escolha  que venha a fazer, dependendo isso da intenção que o anime. Dá-se, porém, que, como Espírito livre, quase sempre  vê as coisas de modo diferente. O Espírito por si só é quem  faz a escolha; entretanto, ainda uma vez o dizemos, possível lhe é fazê-la, mesmo na vida material, por isso que há  sempre momentos em que o Espírito se torna independente da matéria que lhe serve de habitação.”
  267a) — Não é decerto como expiação, ou como prova, que  muita gente deseja as grandezas e as riquezas. Será?  “Indubitavelmente, não. A matéria deseja essa grandeza  para gozá-la e o Espírito para conhecer-lhe as vicissitudes.”
  268. Até que chegue ao estado de pureza perfeita, tem o  Espírito que passar constantemente por provas?  “Sim, mas que não são como o entendeis, pois que só  considerais provas as tribulações materiais. Ora, havendo-se  elevado a um certo grau, o Espírito, embora não seja ainda  perfeito, já não tem que sofrer provas. Continua, porém,  sujeito a deveres nada penosos, cuja satisfação lhe auxilia  o aperfeiçoamento, mesmo que consistam apenas em  auxiliar os outros a se aperfeiçoarem.”
  269. Pode o Espírito enganar-se quanto à eficiência da  prova que escolheu?  “Pode escolher uma que esteja acima de suas forças e  sucumbir. Pode também escolher alguma que nada lhe aproveite, como sucederá se buscar vida ociosa e inútil. Mas, então, voltando ao mundo dos Espíritos, verifica que nada ganhou e pede outra que lhe faculte recuperar o tempo perdido.”
  270. A que se devem atribuir as vocações de certas pessoas e a vontade que sentem de seguir uma carreira  de preferência a outra?  “Parece-me que vós mesmos podeis responder a esta  pergunta. Pois não é isso a conseqüência de tudo o que  acabamos de dizer sobre a escolha das provas e sobre o  progresso efetuado em existência anterior?”
  271. Estudando, na erraticidade, as diversas condições em  que poderá progredir, como pensa o Espírito consegui-lo,  nascendo, por exemplo, entre canibais?  “Entre canibais não nascem Espíritos já adiantados,  mas Espíritos da natureza dos canibais, ou ainda inferiores aos destes.”
  272. Poderá dar-se que Espíritos vindos de um mundo inferior  à Terra, ou de um povo muito atrasado, como os canibais, por exemplo, nasçam no seio de povos civilizados?  “Pode. Alguns há que se extraviam, por quererem subir  muito alto. Mas, nesse caso, ficam deslocados no meio em  que nasceram, por estarem seus costumes e instintos  em conflito com os dos outros homens.”
  273. Será possível que um homem de raça civilizada  reencarne, por expiação, numa raça de selvagens?  “É; mas depende do gênero da expiação. Um senhor,  que tenha sido de grande crueldade para os seus escravos,  poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus-tratos que infligiu a seus semelhantes. Um, que em certa  época exerceu o mando, pode, em nova existência, ter que  obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade.  Ser-lhe-á isso uma expiação, que Deus lhe imponha, se ele  abusou do seu poder. Também um bom Espírito pode querer encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Em tal caso, desempenha  uma missão.”
  274. Da existência de diferentes ordens de Espíritos, resulta para estes alguma hierarquia de poderes? Há entre  eles subordinação e autoridade?  “Muito grande. Os Espíritos têm uns sobre os outros a  autoridade correspondente ao grau de superioridade que  hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um  ascendente moral irresistível.”
  274a) — Podem os Espíritos inferiores subtrair-se à autoridade dos que lhes são superiores?  “Eu disse: irresistível.”
  275. O poder e a consideração de que um homem gozou na  Terra lhe dão supremacia no mundo dos Espíritos?  “Não; pois que os pequenos serão elevados e os  grandes rebaixados. Lê os salmos.”
  275a) — Como devemos entender essa elevação e esse  rebaixamento?  “Não sabes que os Espíritos são de diferentes ordens,  conforme seus méritos? Pois bem! O maior da Terra pode  pertencer à última categoria entre os Espíritos, ao passo  que o seu servo pode estar na primeira. Compreendes isto?  Não disse Jesus: aquele que se humilhar será exalçado e  aquele que se exalçar será humilhado?”
  276. Aquele que foi grande na Terra e que, como Espírito,  vem a achar-se entre os de ordem inferior, experimenta com isso alguma humilhação?  “Às vezes bem grande, mormente se era orgulhoso e  invejoso.”
  277. O soldado que depois da batalha se encontra com o  seu general, no mundo dos Espíritos, ainda o tem por  seu superior?  “O título nada vale, a superioridade real é que tem valor.”
  278. Os Espíritos das diferentes ordens se acham misturados uns com os outros?  “Sim e não. Quer dizer: eles se vêem, mas se distinguem uns dos outros. Evitam-se ou se aproximam, conforme à simpatia ou à antipatia que reciprocamente uns inspiram aos outros, tal qual sucede entre vós. Constituem um  mundo do qual o vosso é pálido reflexo. Os da mesma categoria se reúnem por uma espécie de afinidade e formam  grupos ou famílias, unidos pelos laços da simpatia e pelos  fins a que visam: os bons, pelo desejo de fazerem o bem; os  maus, pelo de fazerem o mal, pela vergonha de suas faltas e pela  necessidade de se acharem entre os que se lhes assemelham.”
  279. Todos os Espíritos têm reciprocamente acesso aos  diferentes grupos ou sociedades que eles formam?  “Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que  possam influir sobre os maus. As regiões, porém, que os  bons habitam estão interditadas aos Espíritos imperfeitos, a  fim de que não as perturbem com suas paixões inferiores.”
  280. De que natureza são as relações entre os bons e os  maus Espíritos?  “Os bons se ocupam em combater as más inclinações  dos outros, a fim de ajudá-los a subir. É sua missão.”
  281. Por que os Espíritos inferiores se comprazem em nos  induzir ao mal?  “Pelo despeito que lhes causa o não terem merecido  estar entre os bons. O desejo que neles predomina é o de  impedirem, quanto possam, que os Espíritos ainda  inexperientes alcancem o supremo bem. Querem que os  outros experimentem o que eles próprios experimentam.  Isto não se dá também entre vós outros?”
  282. Como se comunicam entre si os Espíritos?  “Eles se vêem e se compreendem. A palavra é material:  é o reflexo do Espírito. O fluido universal estabelece entre  eles constante comunicação; é o veiculo da transmissão de  seus pensamentos, como, para vós, o ar o é do som. É uma  espécie de telégrafo universal, que liga todos os mundos e  permite que os Espíritos se correspondam de um mundo a  outro.”
  283. Podem os Espíritos, reciprocamente, dissimular seus  pensamentos? Podem ocultar-se uns dos outros?  “Não; para os Espíritos, tudo é patente, sobretudo para  os perfeitos. Podem afastar-se uns dos outros, mas sempre  se vêem. Isto, porém, não constitui regra absoluta, porquanto certos Espíritos podem muito bem tornar-se invisíveis a outros Espíritos, se julgarem útil fazê-lo.”
  284. Como podem os Espíritos, não tendo corpo, comprovar  suas individualidades e distinguir-se dos outros seres  espirituais que os rodeiam?  “Comprovam suas individualidades pelo perispírito, que  os torna distinguíveis uns dos outros, como faz o corpo  entre os homens.”
  285. Os Espíritos se reconhecem por terem coabitado a Terra?  O filho reconhece o pai, o amigo reconhece o seu amigo?  “Perfeitamente e, assim, de geração em geração.”
  285a) — Como é que os que se conheceram na Terra se  reconhecem no mundo dos Espíritos?  “Vemos a nossa vida pretérita e lemos nela como em  um livro. Vendo a dos nossos amigos e dos nossos inimigos, aí vemos a passagem deles da vida corporal à outra.”
  286. Deixando seus despojos mortais, a alma vê imediatamente os parentes e amigos que a precederam no  mundo dos Espíritos?  “Imediatamente, ainda aqui, não é o termo próprio.  Como já dissemos, é-lhe necessário algum tempo para que  ela se reconheça a si mesma e alije o véu material.”
  287. Como é acolhida a alma no seu regresso ao mundo dos  Espíritos?  “A do justo, como bem-amado irmão, desde muito  tempo esperado. A do mau, como um ser desprezível.”
  288. Que sentimento desperta nos Espíritos impuros a  chegada entre eles de outro Espírito mau?  “Os maus ficam satisfeitos quando vêem seres que se  lhes assemelham e privados, também, da infinita ventura,  qual na Terra um tratante entre seus iguais.”
  289. Nossos parentes e amigos costumam vir-nos ao encontro quando deixamos a Terra?  “Sim, os Espíritos vão ao encontro da alma a quem são  afeiçoados. Felicitam-na, como se regressasse de uma viagem, por haver escapado aos perigos da estrada, e ajudam-na  a desprender-se dos liames corporais. É uma graça concedida aos bons Espíritos o lhes virem ao encontro os que os  amam, ao passo que aquele que se acha maculado permanece em insulamento, ou só tem a rodeá-lo os que lhe são  semelhantes. É uma punição.”
  290. Os parentes e amigos sempre se reúnem depois da  morte?  “Depende isso da elevação deles e do caminho que seguem, procurando progredir. Se um está mais adiantado e  caminha mais depressa do que outro, não podem os dois  conservar-se juntos. Ver-se-ão de tempos a tempos, mas  não estarão reunidos para sempre, senão quando puderem  caminhar lado a lado, ou quando se houverem igualado na  perfeição. Acresce que a privação de ver os parentes e  amigos é, às vezes, uma punição.”
  291. Além da simpatia geral, oriunda da semelhança que  entre eles exista, votam-se os Espíritos recíprocas  afeições particulares?  “Do mesmo modo que os homens, sendo, porém, que  mais forte é o laço que prende os Espíritos uns aos outros,  quando carentes de corpo material, porque então esse laço  não se acha exposto às vicissitudes das paixões.”
  292. Alimentam ódio entre si os Espíritos?  “Só entre os Espíritos impuros há ódio e são eles que  insuflam nos homens as inimizades e as dissensões.”
  293. Conservarão ressentimento um do outro, no mundo dos  Espíritos, dois seres que foram inimigos na Terra?  “Não; compreenderão que era estúpido o ódio que se  votavam mutuamente e pueril o motivo que o inspirava.  Apenas os Espíritos imperfeitos conservam uma espécie de  animosidade, enquanto se não purificam. Se foi unicamente um interesse material o que os inimizou, nisso não pensarão mais, por pouco desmaterializados que estejam. Não  havendo entre eles antipatia e tendo deixado de existir a  causa de suas desavenças, aproximam-se uns dos outros  com prazer.”
  294. A lembrança dos atos maus que dois homens praticaram um contra o outro constitui obstáculo a que entre  eles reine simpatia?  “Essa lembrança os induz a se afastarem um do outro.”
  295. Que sentimento anima, depois da morte, aqueles a  quem fizemos mal neste mundo?  “Se são bons, eles vos perdoam, segundo o vosso arrependimento. Se maus, é possível que guardem ressentimento do mal que lhes fizestes e vos persigam até, não raro, em  outra existência. Deus pode permitir que assim seja, por  castigo.”
  296. São suscetíveis de alterar-se as afeições individuais  dos Espíritos?  “Não, por não estarem eles sujeitos a enganar-se.  Falta-lhes a máscara sob que se escondem os hipócritas.  Daí vem que, sendo puros, suas afeições são inalteráveis.  Suprema felicidade lhes advém do amor que os une.”
  297. Continua a existir sempre, no mundo dos Espíritos, a afeição mútua que dois seres se consagraram na Terra?  “Sem dúvida, desde que originada de verdadeira simpatia. Se, porém, nasceu principalmente de causas de ordem física, desaparece com a causa. As afeições entre os  Espíritos são mais sólidas e duráveis do que na Terra, porque não se acham subordinadas aos caprichos dos interesses materiais e do amor-próprio.”
  298. As almas que devam unir-se estão, desde suas origens, predestinadas a essa união e cada um de nós  tem, nalguma parte do Universo, sua metade, a que  fatalmente um dia se reunirá?  “Não; não há união particular e fatal, de duas almas. A  união que há é a de todos os Espíritos, mas em graus diversos, segundo a categoria que ocupam, isto é, segundo a  perfeição que tenham adquirido. Quanto mais perfeitos,  tanto mais unidos. Da discórdia nascem todos os males  dos humanos; da concórdia resulta a completa felicidade.”
  299. Em que sentido se deve entender a palavra metade,  de que alguns Espíritos se servem para designar os  Espíritos simpáticos?  “A expressão é inexata. Se um Espírito fosse a metade  de outro, separados os dois, estariam ambos incompletos.”
  300. Se dois Espíritos perfeitamente simpáticos se reunirem,  estarão unidos para todo o sempre, ou poderão separar-se e unir-se a outros Espíritos?  “Todos os Espíritos estão reciprocamente unidos. Falo  dos que atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, desde  que um Espírito se eleva, já não simpatiza, como dantes,  com os que lhe ficaram abaixo.”
  301. Dois Espíritos simpáticos são complemento um do outro, ou a simpatia entre eles existente é resultado de  identidade perfeita?  “A simpatia que atrai um Espírito para outro resulta  da perfeita concordância de seus pendores e instintos. Se  um tivesse que completar o outro, perderia a sua  individualidade.”
  302. A identidade necessária à existência da simpatia perfeita apenas consiste na analogia dos pensamentos e  sentimentos, ou também na uniformidade dos conhecimentos adquiridos?  “Na igualdade dos graus de elevação.”
  303. Podem tornar-se de futuro simpáticos, Espíritos que  presentemente não o são?  “Todos o serão. Um Espírito, que hoje está numa esfera inferior, ascenderá, aperfeiçoando-se, à em que se acha  tal outro Espírito. E ainda mais depressa se dará o encontro dos dois, se o mais elevado, por suportar mal as provas  a que esteja submetido, permanecer estacionário.”
  303a) — Podem deixar de ser simpáticos um ao outro dois  Espíritos que já o sejam?  “Certamente, se um deles for preguiçoso.”
  304. Lembra-se o Espírito da sua existência corporal?  “Lembra-se, isto é, tendo vivido muitas vezes na Terra,  recorda-se do que foi como homem e eu te afirmo que  freqüentemente ri, penalizado de si mesmo.”
  305. A lembrança da existência corporal se apresenta ao  Espírito, completa e inopinadamente, após a morte?  “Não; vem-lhe pouco a pouco, qual imagem que surge  gradualmente de uma névoa, à medida que nela fixa ele a  sua atenção.”
  306. O Espírito se lembra, pormenorizadamente, de todos  os acontecimentos de sua vida? Apreende o conjunto  deles de um golpe de vista retrospectivo?  “Lembra-se das coisas, de conformidade com as conseqüências que delas resultaram para o estado em que se  encontra como Espírito errante. Bem compreendes, portanto, que muitas circunstâncias haverá de sua vida a que  não ligará importância alguma e das quais nem sequer  procurará recordar-se.”
  306a) — Mas, se o quisesse, poderia lembrar-se delas?  “Pode lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e  incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus  pensamentos. Não o faz, porém, desde que não tenha  utilidade.”
  306b) — Entrevê o Espírito o objetivo da vida terrestre com  relação à vida futura?  “Certo que o vê e compreende muito melhor do que em  vida do seu corpo. Compreende a necessidade da sua purificação para chegar ao infinito e percebe que em cada  existência deixa algumas impurezas.”
  307. Como é que ao Espírito se lhe desenha na memória a  sua vida passada? Será por esforço da própria imaginação, ou como um quadro que se lhe apresenta à vista?  “De uma e outra formas. São-lhe como que presentes  todos os atos de que tenha interesse em lembrar-se. Os  outros lhe permanecem mais ou menos vagos na mente, ou  esquecidos de todo. Quanto mais desmaterializado estiver,  tanto menos importância dará às coisas materiais. Essa a  razão por que, muitas vezes, evocas um Espírito que acabou de deixar a Terra e verificas que não se lembra dos  nomes das pessoas que lhe eram caras, nem de uma porção de coisas que te parecem importantes. É que tudo isso,  pouco lhe importando, logo caiu em esquecimento. Ele só  se recorda perfeitamente bem dos fatos principais que  concorrem para a sua melhoria.”
  308. O Espírito se recorda de todas as existências que  precederam a que acaba de ter?  “Todo o seu passado se lhe desdobra à vista, quais a  um viajor os trechos do caminho que percorreu. Mas, como  já dissemos, não se recorda, de modo absoluto, de todos os  seus atos. Lembra-se destes conformemente à influência  que tiveram na criação do seu estado atual. Quanto às primeiras existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem  na noite do esquecimento.”
  309. Como considera o Espírito o corpo de que vem de  separar-se?  “Como veste imprestável, que o embaraçava, sentindo-se  feliz por estar livre dela.”
  309a) — Que sensação lhe causa o espetáculo do seu corpo  em decomposição?  “Quase sempre se conserva indiferente a isso, como a  uma coisa que em nada o interessa.”
  310. Ao cabo de algum tempo, reconhecerá o Espírito os  ossos ou outros objetos que lhe tenham pertencido?  “Algumas vezes, dependendo do ponto de vista mais  ou menos elevado, donde considere as coisas terrenas.”
  311. A veneração que se tenha pelos objetos materiais que  pertenceram ao Espírito lhe dá prazer e atrai a sua  atenção para esses objetos?  “É sempre grato ao Espírito que se lembrem dele, e os  objetos que lhe pertenceram trazem-no à memória dos que  ele no mundo deixou. Mas, o que o atrai é o pensamento  destas pessoas e não aqueles objetos.”
  312. E a lembrança dos sofrimentos por que passaram na  última existência corporal, os Espíritos a conservam?  “Freqüentemente assim acontece e essa lembrança lhes  faz compreender melhor o valor da felicidade de que podem  gozar como Espíritos.”
  313. O homem, que neste mundo foi feliz, deplora a felicidade que perdeu, deixando a Terra?  “Só os Espíritos inferiores podem sentir saudades de gozos condizentes com uma natureza impura qual a deles,  gozos que lhes acarretam a expiação pelo sofrimento. Para  os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes preferível aos prazeres efêmeros da Terra.”
  314. Aquele que deu começo a trabalhos de vulto com um  fim útil e, que os vê interrompidos pela morte, lamenta,  no outro mundo, tê-los deixado por acabar?  “Não, porque vê que outros estão destinados a concluí-los. Trata, ao contrário, de influenciar outros Espíritos  humanos, para que os ultimem. Seu objetivo, na Terra, era  o bem da Humanidade: o mesmo objetivo continua a ter no  mundo dos Espíritos.”
  315. E o que deixou trabalhos de arte ou de literatura, conserva pelas suas obras o amor que lhes tinha quando vivo?  “De acordo com a sua elevação, aprecia-as de outro  ponto de vista e não é raro condene o que maior admiração  lhe causava.”
  316. No além, o Espírito se interessa pelos trabalhos que  se executam na Terra, pelo progresso das artes e das  ciências?  “Conforme à sua elevação ou à missão que possa ter  que desempenhar. Muitas vezes, o que vos parece magnífico bem pouco é para certos Espíritos, que, então, o admiram, como o sábio admira a obra de um estudante. Atentam apenas no que prove a elevação dos encarnados e seus  progressos.”
  317. Após a morte, conservam os Espíritos o amor da pátria?  “O princípio é sempre o mesmo. Para os Espíritos elevados, a pátria é o Universo. Na Terra, a pátria, para eles,  está onde se ache o maior número das pessoas que lhes  são simpáticas.”
  318. As idéias dos Espíritos se modificam quando na  erraticidade?  “Muito; sofrem grandes modificações, à proporção que  o Espírito se desmaterializa. Pode este, algumas vezes, permanecer longo tempo imbuído das idéias que tinha na Terra; mas, pouco a pouco, a influência da matéria diminui e  ele vê as coisas com maior clareza. É então que procura os  meios de se tornar melhor.”
  319. Já tendo o Espírito vivido a vida espírita antes da sua  encarnação, como se explica o seu espanto ao  reingressar no mundo dos Espíritos?  “Isso só se dá no primeiro momento e é efeito da perturbação que se segue ao despertar do Espírito. Mais tarde,  ele se vai inteirando da sua condição, à medida que lhe  volta a lembrança do passado e que a impressão da vida  terrena se lhe apaga.”
  320. Sensibiliza os Espíritos o lembrarem-se deles os que  lhes foram caros na Terra?  “Muito mais do que podeis supor. Se são felizes, esse  fato lhes aumenta a felicidade. Se são desgraçados,  serve-lhes de lenitivo.”
  321. O dia da comemoração dos mortos é, para os Espíritos, mais solene do que os outros dias? Apraz-lhes ir  ao encontro dos que vão orar nos cemitérios sobre seus  túmulos?  “Os Espíritos acodem nesse dia ao chamado dos que  da Terra lhes dirigem seus pensamentos, como o fazem  noutro dia qualquer.”
  321a) — Mas o de finados é, para eles, um dia especial de  reunião junto de suas sepulturas?  “Nesse dia, em maior número se reúnem nas necrópoles, porque então também é maior, em tais lugares, o das  pessoas que os chamam pelo pensamento. Porém, cada Espírito vai lá somente pelos seus amigos e não pela multidão  dos indiferentes.”
  321b) — Sob que forma aí comparecem e como os veríamos,  se pudessem tornar-se visíveis?  “Sob a que tinham quando encarnados.”
  322. E os esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, também lá, não obstante, comparecem e sentem algum  pesar por verem que nenhum amigo se lembra deles?  “Que lhes importa a Terra? Só pelo coração nos  achamos a ela presos. Desde que aí ninguém mais lhe vota  afeição, nada mais prende a esse planeta o Espírito, que  tem para si o Universo inteiro.”
  323. A visita de uma pessoa a um túmulo causa maior contentamento ao Espírito, cujos despojos corporais aí se  encontrem, do que a prece que por ele faça essa  pessoa em sua casa?  “Aquele que visita um túmulo apenas manifesta, por  essa forma, que pensa no Espírito ausente. A visita é a  representação exterior de um fato íntimo. Já dissemos que  a prece é que santifica o ato da rememoração. Nada importa o lugar, desde que é feita com o coração.”
  324. Os Espíritos das pessoas a quem se erigem estátuas  ou monumentos assistem à inauguração de umas e  outros e experimentam algum prazer nisso?  “Muitos comparecem a tais solenidades, quando podem;  porém, menos os sensibiliza a homenagem que lhes prestam, do que a lembrança que deles guardam os homens.”
  325. Qual a origem do desejo que certas pessoas exprimem  de ser enterradas antes num lugar do que noutro? Será  que preferirão, depois de mortas, vir a tal lugar? E essa  importância dada a uma coisa tão material constitui  indício de inferioridade do Espírito?  “Afeição particular do Espírito por determinados lugares; inferioridade moral. Que importa este ou aquele canto  da Terra a um Espírito elevado? Não sabe ele que sua alma  se reunirá às dos que lhe são caros, embora fiquem separados os seus respectivos ossos?”
  325a) — Deve-se considerar futilidade a reunião dos despojos mortais de todos os membros de uma família?  “Não; é um costume piedoso e um testemunho de simpatia que dão os que assim procedem aos que lhes foram  entes queridos. Conquanto destituída de importância para  os Espíritos, essa reunião é útil aos homens: mais concentradas se tornam suas recordações.”
  326. Comovem a alma que volta à vida espiritual as honras  que lhe prestem aos despojos mortais?  “Quando já ascendeu a certo grau de perfeição, o Espírito se acha escoimado de vaidades terrenas e compreende  a futilidade de todas essas coisas. Porém, ficai sabendo, há  Espíritos que, nos primeiros momentos que se seguem à  sua morte material, experimentam grande prazer com as  honras que lhes tributam, ou se aborrecem com o pouco  caso que façam de seus envoltórios corporais. É que ainda  conservam alguns dos preconceitos desse mundo.”
  327. O Espírito assiste ao seu enterro?  “Freqüentemente assiste, mas, algumas vezes, se  ainda está perturbado, não percebe o que se passa.”
  327a) — Lisonjeia-o a concorrência de muitas pessoas ao  seu enterramento?  “Mais ou menos, conforme o sentimento que as anima.”
  328. O Espírito daquele que acaba de morrer assiste à  reunião de seus herdeiros?  “Quase sempre. Para seu ensinamento e castigo dos  culpados, Deus permite que assim aconteça. Nessa ocasião, o Espírito julga do valor dos protestos que lhe faziam.  Todos os sentimentos se lhe patenteiam e a decepção que  lhe causa a rapacidade dos que entre si partilham os bens  por ele deixados o esclarece acerca daqueles sentimentos.  Chegará, porém, a vez dos que lhe motivam essa decepção.”
  329. O instintivo respeito que, em todos os tempos e entre  todos os povos, o homem consagrou e consagra aos  mortos é efeito da intuição que tem da vida futura?  “É a conseqüência natural dessa intuição. Se assim  não fosse, nenhuma razão de ser teria esse respeito.”
  330. Sabem os Espíritos em que época reencarnarão?  “Pressentem-na, como sucede ao cego que se aproxima do fogo. Sabem que têm de retomar um corpo, como  sabeis que tendes de morrer um dia, mas ignoram quando  isso se dará.”
  330a)— Então, a reencarnação é uma necessidade da vida  espírita, como a morte o é da vida corporal?  “Certamente; assim é.”
  331. Todos os Espíritos se preocupam com a sua  reencarnação?  “Muitos há que em tal coisa não pensam, que nem  sequer a compreendem. Depende de estarem mais ou menos adiantados. Para alguns, a incerteza em que se acham  do futuro que os aguarda constitui punição.”
  332. Pode o Espírito apressar ou retardar o momento da sua  reencarnação?  “Pode apressá-lo, atraindo-o por um desejo ardente. Pode  igualmente distanciá-lo, recuando diante da prova, pois entre os Espíritos também há covardes e indiferentes. Nenhum,  porém, assim procede impunemente, visto que sofre por  isso, como aquele que recusa o remédio capaz de curá-lo.”
  333. Se se considerasse bastante feliz, numa condição mediana entre os Espíritos errantes e, conseguintemente,  não ambicionasse elevar-se, poderia um Espírito  prolongar indefinidamente esse estado?  “Indefinidamente, não. Cedo ou tarde, o Espírito sente  a necessidade de progredir. Todos têm que se elevar; esse o  destino de todos.”
  334. Há predestinação na união da alma com tal ou tal  corpo, ou só à última hora é feita a escolha do corpo  que ela tomará?  “O Espírito é sempre, de antemão, designado. Tendo  escolhido a prova a que queira submeter-se, pede para  encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente sabia e vira que tal Espírito se uniria a tal corpo.”
  335. Cabe ao Espírito a escolha do corpo em que encarne, ou  somente a do gênero de vida que lhe sirva de prova?  “Pode também escolher o corpo, porquanto as imperfeições que este apresente ainda serão, para o Espírito, provas que lhe auxiliarão o progresso, se vencer os obstáculos  que lhe oponha. Nem sempre, porém, lhe é permitida a escolha do seu invólucro corpóreo; mas, simplesmente,  a faculdade de pedir que seja tal ou qual.”
  335a) — Poderia o Espírito recusar, à última hora, tomar o  corpo por ele escolhido?  “Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que  não tentasse prova alguma.”
  336. Poderia dar-se não haver Espírito que aceitasse  encarnar numa criança que houvesse de nascer?  “Deus a isso proveria. Quando uma criança tem que  nascer vital, está predestinada sempre a ter uma alma. Nada  se cria sem que à criação presida um desígnio.”
  337. Pode a união do Espírito a determinado corpo ser  imposta por Deus?  “Certo, do mesmo modo que as diferentes provas, mormente quando ainda o Espírito não está apto a proceder a  uma escolha com conhecimento de causa. Por expiação,  pode o Espírito ser constrangido a se unir ao corpo de determinada criança que, pelo seu nascimento e pela posição  que venha a ocupar no mundo, se lhe torne instrumento de  castigo.”
  338. Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem  para tomar determinado corpo destinado a nascer, que  é o que decidiria sobre a qual deles pertenceria o corpo?  “Muitos podem pedi-lo; mas, em tal caso, Deus é quem  julga qual o mais capaz de desempenhar a missão a que a  criança se destina. Porém, como já eu disse, o Espírito é  designado antes que soe o instante em que haja de unir-se  ao corpo.”
  339. No momento de encarnar, o Espírito sofre perturbação  semelhante à que experimenta ao desencarnar?  “Muito maior e sobretudo mais longa. Pela morte, o  Espírito sai da escravidão; pelo nascimento, entra para ela.”
  340. É solene para o Espírito o instante da sua encarnação? Pratica ele esse ato considerando-o grande e  importante?  “Procede como o viajante que embarca para uma  travessia perigosa e que não sabe se encontrará ou não a  morte nas ondas que se decide a afrontar.”
  341. Na incerteza em que se vê, quanto às eventualidades  do seu triunfo nas provas que vai suportar na vida,  tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua  encarnação?  “De ansiedade bem grande, pois que as provas da sua  existência o retardarão ou farão avançar, conforme as  suporte.”
  342. No momento de reencarnar, o Espírito se acha acompanhado de outros Espíritos seus amigos, que vêm  assistir à sua partida do mundo incorpóreo, como  vêm recebê-lo quando para lá volta?  “Depende da esfera a que pertença. Se já está nas em  que reina a afeição, os Espíritos que lhe querem o acompanham até ao último momento, animam e mesmo lhe  seguem, muitas vezes, os passos pela vida em fora.”
  343. Os que vemos, em sonho, que nos testemunham afeto  e que se nos apresentam com desconhecidos semblantes, são alguma vez os Espíritos amigos que nos  seguem os passos na vida?  “Muito freqüentemente são eles que vos vêm visitar,  como ides visitar um encarcerado.”
  344. Em que momento a alma se une ao corpo?  “A união começa na concepção, mas só é completa por  ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o  Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga  por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando  até ao instante em que a criança vê a luz. O grito, que o  recém-nascido solta, anuncia que ela se conta no número  dos vivos e dos servos de Deus.”
  345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o  momento da concepção? Durante esta primeira fase,  poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe  está destinado?  “É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito  não poderia substituir o que está designado para aquele  corpo. Mas, como os laços que ao corpo o prendem são  ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”
  346. Que faz o Espírito, se o corpo que ele escolheu morre  antes de se verificar o nascimento?  “Escolhe outro.”
  346a) — Qual a utilidade dessas mortes prematuras?  “Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições  da matéria.”
  347. Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação  em um corpo que morre poucos dias depois de nascido?  “O ser não tem então consciência plena da sua existência. Assim, a importância da morte é quase nenhuma.  Conforme já dissemos, o que há nesses casos de morte  prematura é uma prova para os pais.”
  348. Sabe o Espírito, previamente, que o corpo de sua escolha não tem probabilidade de viver?  “Sabe-o algumas vezes; mas, se nessa circunstância  reside o motivo da escolha, isso significa que está fugindo à  prova.”
  349. Quando falha por qualquer causa a encarnação de um  Espírito, é ela suprida imediatamente por outra  existência?  “Nem sempre o é imediatamente. Faz-se mister dar ao  Espírito tempo para proceder a nova escolha, a menos  que a reencarnação imediata corresponda a anterior  determinação.”
  350. Uma vez unido ao corpo da criança e quando já lhe  não é possível voltar atrás, sucede alguma vez deplorar o Espírito a escolha que fez?  “Perguntas se, como homem, se queixa da vida que  tem? Se desejara que outra fosse ela? Sim. Se se arrepende  da escolha que fez? Não, pois não sabe ter sido sua a escolha. Depois de encarnado, não pode o Espírito lastimar uma  escolha de que não tem consciência. Pode, entretanto, achar  pesada demais a carga e considerá-la superior às suas  forças. É quando isso acontece que recorre ao suicídio.”
  351. No intervalo que medeia da concepção ao nascimento,  goza o Espírito de todas as suas faculdades?  “Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache,  dessa fase, porquanto ainda não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o  Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que  lhe soou o momento de começar nova existência corpórea.  Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento.  Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono. À medida que a hora do  nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como  a lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência  na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança, porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao  estado de Espírito.”
  352. Imediatamente ao nascer recobra o Espírito a plenitude das suas faculdades?  “Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. O Espírito se acha numa existência nova; preciso é  que aprenda a servir-se dos instrumentos de que dispõe.  As idéias lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa  que desperta e se vê em situação diversa da que ocupava  na véspera.”
  353. Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não  estando definitivamente consumada, senão depois do  nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado  de alma?  “O Espírito que o vai animar existe, de certo modo,  fora dele. O feto não tem pois, propriamente falando, uma  alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se.  Achasse, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.”
  354. Como se explica a vida intra-uterina?  “É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal.  O homem tem a vida vegetal e a vida animal que, pelo seu  nascimento, se completam com a vida espiritual.”
  355. Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no  seio materno não são vitais? Com que fim ocorre isso?  “Freqüentemente isso se dá e Deus o permite como  prova, quer para os pais do nascituro, quer para o Espírito  designado a tomar lugar entre os vivos.”
  356. Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido  destinados à encarnação de Espíritos?  “Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar  para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.”
  356a) — Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa  natureza?  “Algumas vezes; mas não vive.”
  356b) — Segue-se daí que toda criança que vive após o  nascimento tem forçosamente encarnado em si um Espírito?  “Que seria ela, sé assim não acontecesse? Não seria  um ser humano.”
  357. Que conseqüências tem para o Espírito o aborto?  “É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”
  358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer  período da gestação?  “Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma  mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que  tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por  isso que impede uma alma de passar pelas provas a que  serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”
  359. Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em  perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?  “Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a  sacrificar-se o que já existe.”
  360. Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança que  viveu algum tempo?  “Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não  trateis, pois, desatenciosamente, coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, algumas  vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre  segundo os seus desígnios e ninguém é chamado para ser  seu juiz.”
  361. Qual a origem das qualidades morais, boas ou más,  do homem?  “São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro  é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem.”
  361a) — Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação  de um bom Espírito e o homem vicioso a de um Espírito mau?  “Sim, mas, dize antes que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poderias  fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que  chamais demônios.”
  362. Qual o caráter dos indivíduos em que encarnam  Espíritos desassisados e levianos?  “São indivíduos estúrdios, maliciosos e, não raro,  criaturas malfazejas.”
  363. Têm os Espíritos paixões de que não partilhe a  Humanidade?  “Não, que, de outro modo, vo-las teriam comunicado.”
  364. O mesmo Espírito dá ao homem as qualidades morais  e as da inteligência?  “Certamente e isso em virtude do grau de adiantamento a que se haja elevado. O homem não tem em si dois  Espíritos.”
  365. Por que é que alguns homens muito inteligentes, o que  indica acharem-se encarnados neles Espíritos superiores,  são ao mesmo tempo profundamente viciosos?  “É que não são ainda bastante puros os Espíritos encarnados nesses homens, que, então, e por isso, cedem à  influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Espírito  progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos.  Durante um período da sua existência, ele se adianta em  ciência; durante outro, em moralidade.”
  366. Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que  as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem resultam da encarnação, nele, de outros tantos  Espíritos, diferentes entre si, cada um com uma  aptidão especial?  “Refletindo, reconhecereis que é absurda. O Espírito  tem que ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de  uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de  Espíritos, essa vontade não existiria e ele careceria de individualidade, pois que, por sua morte, todos aqueles Espíritos formariam um bando de pássaros escapados da gaiola.  Queixa-se, amiúde, o homem de não compreender certas  coisas e, no entanto, curioso é ver-se como multiplica as  dificuldades, quando tem ao seu alcance explicações muito  simples e naturais. Ainda neste caso tomam o efeito pela  causa. Fazem, com relação à criatura humana, o que, com  relação a Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos no Universo, se bem  que as pessoas sensatas, com eles coexistentes, apenas viam  em tais fenômenos efeitos provindos de uma causa única –  Deus.”
  367. Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria?  “A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o  vestuário o é do corpo. Unindo-se a este, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.”
  368. Após sua união com o corpo, exerce o Espírito, com  liberdade plena, suas faculdades?  “O exercício das faculdades depende dos órgãos que  lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as  enfraquece.”
  368a) — Assim, o invólucro material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco  o é à livre irradiação da luz?  “É, como vidro muito opaco.”
  369. O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?  “Os órgãos são os instrumentos da manifestação das  faculdades da alma, manifestação que se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos órgãos,  como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta  própria à sua execução.”
  370. Da influência dos órgãos se pode inferir a existência  de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro e o das faculdades morais e intelectuais?  “Não confundais o efeito com a causa. O Espírito  dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora,  não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que  impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”
  370a) — Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das  aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do  Espírito?  “O termo — unicamente — não exprime com toda a  exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside  nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos  adiantado. Cumpre, porém, se leve em conta a influência  da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de  suas faculdades.”
  371. Tem algum fundamento o pretender-se que a alma dos  cretinos e dos idiotas é de natureza inferior?  “Nenhum. Eles trazem almas humanas, não raro mais  inteligentes do que supondes, mas que sofrem da insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da  mesma forma que o mudo sofre da impossibilidade de falar.”
  372. Que objetivo visa a Providência criando seres desgraçados, como os cretinos e os idiotas?  “Os que habitam corpos de idiotas são Espíritos sujeitos a uma punição. Sofrem por efeito do constrangimento  que experimentam e da impossibilidade em que estão de se  manifestarem mediante órgãos não desenvolvidos ou  desmantelados.”
  372a) — Não há, pois, fundamento para dizer-se que os  órgãos nada influem sobre as faculdades?  “Nunca dissemos que os órgãos não têm influência.  Têm-na muito grande sobre a manifestação das faculdades, mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença. Um músico excelente, com um instrumento defeituoso,  não dará a ouvir boa música, o que não fará que deixe de  ser bom músico.”
  373. Qual será o mérito da existência de seres que, como os  cretinos e os idiotas, não podendo fazer o bem nem o  mal, se acham incapacitados de progredir?  “É uma expiação decorrente do abuso que fizeram de  certas faculdades. É um estacionamento temporário.”
  373a) — Pode assim o corpo de um idiota conter um Espírito que tenha animado um homem de gênio em precedente  existência?  “Certo. O gênio se torna por vezes um flagelo, quando  dele abusa o homem.”
  374. Na condição de Espírito livre, tem o idiota consciência  do seu estado mental?  “Freqüentemente tem. Compreende que as cadeias que  lhe obstam ao vôo são prova e expiação.”
  375. Qual, na loucura, a situação do Espírito?  “O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente  suas impressões e diretamente exerce sua ação sobre a  matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições  muito diversas e na contingência de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais. Altere-se uma parte ou o conjunto  de tais órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes  dependam, a ação ou as impressões. Se perde os olhos, fica  cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que  seja o órgão, que preside às manifestações da inteligência,  o atacado ou modificado, parcial ou inteiramente, e fácil te  será compreender que, só tendo o Espírito a seu serviço órgãos incompletos ou alterados, uma perturbação resultará  de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita  consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos deter.”
  375a) — Então, o desorganizado é sempre o corpo e não o  Espírito?  “Exatamente; mas, convém não perder de vista que,  assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta  reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as  impressões. Pode mesmo suceder que, com a continuação,  durando longo tempo a loucura, a repetição dos mesmos  atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influência, de  que ele não se libertará senão depois de se haver libertado  de toda impressão material.”
  376. Por que razão a loucura leva o homem algumas vezes  ao suicídio?  “O Espírito sofre pelo constrangimento em que se acha  e pela impossibilidade em que se vê de manifestar-se livremente, donde o procurar na morte um meio de quebrar  seus grilhões.”
  377. Depois da morte, o Espírito do alienado se ressente do  desarranjo de suas faculdades?  “Pode ressentir-se, durante algum tempo após a  morte, até que se desligue completamente da matéria, como  o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da  perturbação em que o lançara o sono.”
  378. De que modo a alteração do cérebro reage sobre o  Espírito depois da morte?  “Como uma recordação. Um peso oprime o Espírito e,  como ele não teve a compreensão de tudo o que se passou  durante a sua loucura, sempre se faz mister um certo tempo, a fim de se pôr ao corrente de tudo. Por isso é que,  quanto mais durar a loucura no curso da vida terrena, tanto mais lhe durará a incerteza, o constrangimento, depois  da morte. Liberto do corpo, o Espírito se ressente, por certo  tempo, da impressão dos laços que àquele o prendiam.”
  379. É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito  que anima o corpo de uma criança?  “Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar.  Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.”
  380. Abstraindo do obstáculo que a imperfeição dos órgãos  opõe à sua livre manifestação, o Espírito, numa  criancinha, pensa como criança ou como adulto?  “Desde que se trate de uma criança, é claro que, não  estando ainda nela desenvolvidos, não podem os órgãos da  inteligência dar toda a intuição própria de um adulto ao  Espírito que a anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada a inteligência, enquanto a idade lhe não amadurece a  razão. A perturbação que o ato da encarnação produz no  Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento.  Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos  órgãos.”
  381.Por morte da criança, readquire o Espírito, imediatamente, o seu precedente vigor?  “Assim tem que ser, pois que se vê desembaraçado de  seu invólucro corporal. Entretanto, não readquire a anterior lucidez, senão quando se tenha completamente separado daquele envoltório, isto é, quando mais nenhum laço  exista entre ele e o corpo.”
  382. Durante a infância sofre o Espírito encarnado, em  conseqüência do constrangimento que a imperfeição  dos órgãos lhe impõe?  “Não. Esse estado corresponde a uma necessidade, está  na ordem da natureza e de acordo com as vistas da Providência. É um período de repouso do Espírito.”
  383. Qual, para este, a utilidade de passar pelo estado de  infância?  “Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões  que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para  o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo.”
  384. Por que é o choro a primeira manifestação da criança  ao nascer?  “Para estimular o interesse da genitora e provocar os  cuidados de que há mister. Não é evidente que se suas manifestações fossem todas de alegria, quando ainda não sabe  falar, pouco se inquietariam os que o cercam com os cuidados que lhe são indispensáveis? Admirai, pois, em tudo a  sabedoria da Providência.”
  385. Que é o que motiva a mudança que se opera no caráter  do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da  adolescência? É que o Espírito se modifica?  “É que o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e  se mostra qual era.  Não conheceis o que a inocência das crianças oculta.  Não sabeis o que elas são, nem o que o foram, nem o que  serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acariciais, como se  fossem parcelas de vós mesmos, a tal ponto que se considera o amor que uma mãe consagra a seus filhos como o  maior amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o  meigo afeto, a terna benevolência que mesmo os estranhos  sentem por uma criança? Sabeis? Não. Pois bem! Vou  explicá-lo.  As crianças são os seres que Deus manda a novas existências. Para que não lhe possam imputar excessiva severidade, dá-lhes ele todos os aspectos da inocência. Ainda  quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações com a capa da inconsciência.  Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam  ser e, se não o são, o conseqüente castigo exclusivamente  sobre elas recai.  Não foi, todavia, por elas somente que Deus lhes deu  esse aspecto de inocência; foi também e sobretudo por seus  pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza.  Ora, esse amor se enfraqueceria grandemente à vista de  um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus  filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e  os cercam dos mais minuciosos cuidados. Desde que, porém, os filhos não mais precisam da proteção e assistência  que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos,  surge-lhes o caráter real e individual em toda a nudez. Conservam-se bons, se eram fundamentalmente bons; mas,  sempre irisados de matizes que a primeira infância manteve ocultos.  Como vedes, os processos de Deus são sempre os  melhores e, quando se tem o coração puro, facilmente se  lhes apreende a explicação.  Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde  contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como  poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris, inclinações, gostos, inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós, senão como Deus o determinou, isto é, passando  pelo tamis da infância? Nesta se vêm confundir todas as  idéias, todos os caracteres, todas as variedades de seres  gerados pela infinidade dos mundos em que medram as  criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos achareis num  estado que é uma espécie de infância, entre novos irmãos.  Ao volverdes à existência extraterrena, ignorareis os hábitos, os costumes, as relações que se observam nesse mundo, para vós, novo. Manejareis com dificuldade uma linguagem que não estais acostumado a falar, linguagem mais  vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (319)  A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só  entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos,  acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam  fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar  os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que  Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar  contas.  Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária,  indispensável, mas também conseqüência natural das leis  que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”
  386. Podem dois seres, que se conheceram e estimaram, encontrar-se noutra existência corporal e reconhecer-se?  “Reconhecer-se, não. Podem, porém, sentir-se atraídos um para o outro. E, freqüentemente, diversa não é a  causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um  do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias  aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam  da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente  por entre a multidão.”
  386a) — Não lhes seria mais agradável reconhecerem-se?  “Nem sempre. A recordação das passadas existências  teria inconvenientes maiores do que imaginais. Depois de  mortos, reconhecer-se-ão e saberão que tempo passaram  juntos.”
  387. A simpatia tem sempre por princípio um anterior  conhecimento?  “Não. Dois Espíritos, que se ligam bem, naturalmente  se procuram um ao outro, sem que se tenham conhecido  como homens.”
  388. Os encontros, que costumam dar-se, de algumas  pessoas e que comumente se atribuem ao acaso, não  serão efeito de uma certa relação de simpatia?  “Entre os seres pensantes há ligação que ainda não  conheceis. O magnetismo é o piloto desta ciência, que mais  tarde compreendereis melhor.”
  389. E a repulsão instintiva que se experimenta por algumas pessoas, donde se origina?  “São Espíritos antipáticos que se adivinham e reconhecem, sem se falarem.”
  390. A antipatia instintiva é sempre sinal de natureza má?  “De não simpatizarem um com o outro, não se segue  que dois Espíritos sejam necessariamente maus. A antipatia, entre eles, pode derivar de diversidade no modo de pensar. À proporção, porém, que se forem elevando, essa divergência irá desaparecendo e a antipatia deixará de existir.”
  391. A antipatia entre duas pessoas nasce primeiro na que  tem pior Espírito, ou na que o tem melhor?  “Numa e noutra indiferentemente, mas distintas são  as causas e os efeitos nas duas. Um Espírito mau antipatiza  com quem quer que o possa julgar e desmascarar. Ao ver  pela primeira vez uma pessoa, logo sabe que vai ser censurado. Seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio,  em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom  Espírito sente repulsão pelo mau, por saber que este o não  compreenderá e porque díspares dos dele são os seus sentimentos. Entretanto, consciente da sua superioridade, não  alimenta ódio, nem inveja contra o outro. Limita-se a  evitá-lo e a lastimá-lo.”
  392. Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do  seu passado?  “Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim o quer em sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta  certas coisas, ficaria ofuscado, como quem, sem transição,  saísse do escuro para o claro. Esquecido de seu passado  ele é mais senhor de si.”
  393. Como pode o homem ser responsável por atos e resgatar faltas de que se não lembra? Como pode aproveitar da experiência de vidas de que se esqueceu? Concebe-se que as tribulações da existência lhe servissem  de lição, se se recordasse do que as tenha podido ocasionar. Desde que, porém, disso não se recorda, cada  existência é, para ele, como se fosse a primeira e eis  que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto  com a justiça de Deus?  “Em cada nova existência, o homem dispõe de mais  inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal. Onde o  seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando  o Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos  olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as faltas  que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como  de que modo as teria evitado. Reconhece justa a situação  em que se acha e busca então uma existência capaz de  reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas  às de que não soube aproveitar, ou as lutas que considere  apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que  lhe são superiores que o ajudem na nova empresa que sobre si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for dado por  guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das em  que incorreu. Tendes essa intuição no pensamento, no desejo criminoso que freqüentemente vos assalta e a que instintivamente resistis, atribuindo, as mais das vezes, essa  resistência aos princípios que recebestes de vossos pais,  quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é  a lembrança do passado, vos adverte para não recairdes  nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em a nova existência, se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o  Espírito se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao  voltar para o meio deles.”
  394. Nos mundos mais elevados do que a Terra, onde os  que os habitam não se vêem premidos pelas necessidades físicas, pelas enfermidades que nos afligem, os  homens compreendem que são mais felizes do que nós?  Relativa é, em geral, a felicidade. Sentimo-la, mediante comparação com um estado menos ditoso. Visto que,  em suma, alguns desses mundos, se bem melhores do  que o nosso, ainda não atingiram o estado de perfeição, seus habitantes devem ter motivos de desgostos,  embora de gênero diverso dos nossos. Entre nós, o rico,  conquanto não sofra as angústias das necessidades  materiais, como o pobre, nem por isso se acha isento  de tribulações, que lhe tornam amarga a vida. Pergunto então: Na situação em que se encontram, os habitantes desses mundos não se consideram tão infelizes  quanto nós, na em que nos vemos, e não se lastimam  da sorte, olvidados de existências inferiores que lhes  sirvam de termos de comparação?  “Cabem aqui duas respostas distintas. Há mundos,  entre os de que falas, cujos habitantes guardam lembrança  clara e exata de suas existências passadas. Esses, compreendes, podem e sabem apreciar a felicidade de que Deus  lhes permite fruir. Outros há, porém, cujos habitantes,  achando-se, como dizes, em melhores condições do que vós  na Terra, não deixam de experimentar grandes desgostos,  até desgraças. Esses não apreciam a felicidade de que gozam, pela razão mesma de se não recordarem de um estado  mais infeliz. Entretanto, se não a apreciam como homens,  apreciam-na como Espíritos.”
  395. Podemos ter algumas revelações a respeito de nossas  vidas anteriores?  “Nem sempre. Contudo, muitos sabem o que foram e o  que faziam. Se se lhes permitisse dizê-lo abertamente,  extraordinárias revelações fariam sobre o passado.”
  396. Algumas pessoas julgam ter vaga recordação de um  passado desconhecido, que se lhes apresenta como a  imagem fugitiva de um sonho, que em vão se tenta  reter. Não há nisso simples ilusão?  “Algumas vezes, é uma impressão real; mas também,  freqüentemente, não passa de mera ilusão, contra a qual  precisa o homem pôr-se em guarda, porquanto pode ser  efeito de superexcitada imaginação.”
  397. Nas existências corpóreas de natureza mais elevada do  que a nossa, é mais clara a lembrança das anteriores?  “Sim, à medida que o corpo se torna menos material,  com mais exatidão o homem se lembra do seu passado.  Esta lembrança, os que habitam os mundos de ordem  superior a têm mais nítida.”
  398. Sendo os pendores instintivos uma reminiscência do  seu passado, dar-se-á que, pelo estudo desses pendores, seja possível ao homem conhecer as faltas que  cometeu?  “Até certo ponto, assim é. Preciso se torna, porém, levar em conta a melhora que se possa ter operado no Espírito e as resoluções que ele haja tomado na erraticidade. Pode  suceder que a existência atual seja muito melhor que a  precedente.”
  398a) — Poderá também ser pior, isto é, poderá o Espírito  cometer, numa existência, faltas que não praticou em a  precedente?  “Depende do seu adiantamento. Se não souber triunfar das provas, possivelmente será arrastado a novas faltas, conseqüentes, então, da posição que escolheu. Mas,  em geral, estas faltas denotam mais um estacionamento  que uma retrogradação, porquanto o Espírito é suscetível  de se adiantar ou de parar, nunca, porém, de retroceder.”
  399. Sendo as vicissitudes da vida corporal expiação das  faltas do passado e, ao mesmo tempo, provas com vistas ao futuro, seguir-se-á que da natureza de tais vicissitudes se possa deduzir de que gênero foi a  existência anterior?  “Muito amiúde é isso possível, pois que cada um é punido naquilo por onde pecou. Entretanto, não há que tirar  daí uma regra absoluta. As tendências instintivas constituem indício mais seguro, visto que as provas por que passa o Espírito o são, tanto pelo que respeita ao passado,  quanto pelo que toca ao futuro.”
  400. O Espírito encarnado permanece de bom grado no seu  envoltório corporal?  “É como se perguntasses se ao encarcerado agrada o  cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua  libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro,  quanto mais grosseiro é este.”
  401. Durante o sono, a alma repousa como o corpo?  “Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono,  afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não preci-  sando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço  e entra em relação mais direta com os outros Espíritos.”
  402. Como podemos julgar da liberdade do Espírito durante o sono?  “Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, acredita-o,  tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília.  Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro.  Adquire maior potencialidade e pode pôr-se em comunicação com os demais Espíritos, quer deste mundo, quer do  outro. Dizes freqüentemente: Tive um sonho extravagante,  um sonho horrível, mas absolutamente inverossímil.  Enganas-te. É amiúde uma recordação dos lugares e das  coisas que viste ou que verás em outra existência ou em  outra ocasião. Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou  no futuro.  Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares  fenômenos da vida! Julgais-vos muito sábios e as coisas  mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a  estas perguntas que todas as crianças formulam: Que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?  O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando  dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em  que fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se  desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão  para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes  viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em  obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem,  morrendo na Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a  morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo.  Isto, pelo que concerne aos Espíritos elevados. Pelo que  respeita ao grande número de homens que, morrendo, têm que  passar longas horas na perturbação, na incerteza de que  tantos já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, ou a  mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em  que aqui tanto se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais  vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam  entre vós. E o que gera a simpatia na Terra é o fato de  sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo coração àqueles com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer. Também as antipatias invencíveis se explicam pelo fato de sentirmos em nosso íntimo que os entes  com quem antipatizamos têm uma consciência diversa da  nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os  olhos. É ainda o que explica a indiferença de muitos homens. Não cuidam de conquistar novos amigos, por saberem que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa  palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida.  Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre  em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso é que os  Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância,  em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em  contacto com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na  fonte do bem, a fim de igualmente não falirem, quando se  propõem a instruir os outros. O sono é a porta que Deus  lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do céu;  é o recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande  libertação, a libertação final, que os restituirá ao meio que  lhes é próprio.  O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o  sono. Notai, porém, que nem sempre sonhais. Que quer  isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou  de tudo o que haveis visto, enquanto dormíeis. É que não  tendes então a alma no pleno desenvolvimento de suas faculdades. Muitas vezes, apenas vos fica a lembrança da  perturbação que o vosso Espírito experimenta à sua partida ou no seu regresso, acrescida da que resulta do que  fizestes ou do que vos preocupa quando despertos. A não  ser assim, como explicaríeis os sonhos absurdos, que tanto  os sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas  têm? Acontece também que os maus Espíritos se aproveitam dos sonhos para atormentar as almas fracas e  pusilânimes.  Em suma, dentro em pouco vereis vulgarizar-se outra  espécie de sonhos. Conquanto tão antiga como a de que  vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos sonhos  de Joana, ao de Jacob, aos dos profetas judeus e aos de  alguns adivinhos indianos. São recordações guardadas por  almas que se desprendem quase inteiramente do corpo,  recordações dessa segunda vida a que ainda há pouco  aludíamos.  Tratai de distinguir essas duas espécies de sonhos nos  de que vos lembrais, do contrário cairíeis em contradições  e em erros funestos à vossa fé.”
  403. Por que não nos lembramos sempre dos sonhos?  “Em o que chamas sono, só há o repouso do corpo,  visto que o Espírito está constantemente em atividade. Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer  em outros. Mas, como é pesada e grosseira a matéria que o  compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o  Espírito recebeu, porque a este não chegaram por intermédio dos órgãos corporais.”
  404. Que se deve pensar das significações atribuídas aos  sonhos?  “Os sonhos não são verdadeiros como o entendem os  ledores de buena-dicha, pois fora absurdo crer-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no  sentido de que apresentam imagens que para o Espírito  têm realidade, porém que, freqüentemente, nenhuma relação guardam com o que se passa na vida corporal. São  também, como atrás dissemos, um pressentimento do futuro, permitido por Deus, ou a visão do que no momento  ocorre em outro lugar a que a alma se transporta. Não se  contam por muitos os casos de pessoas que em sonho aparecem a seus parentes e amigos, a fim de avisá-los do que a  elas está acontecendo? Que são essas aparições senão as  almas ou Espíritos de tais pessoas a se comunicarem com  entes caros? Quando tendes certeza de que o que vistes  realmente se deu, não fica provado que a imaginação nenhuma parte tomou na ocorrência, sobretudo se o que  observastes não vos passava pela mente quando em vigília?”
  405. Acontece com freqüência verem-se em sonho coisas que  parecem um pressentimento, que, afinal, não se  confirma. A que se deve atribuir isto?  “Pode suceder que tais pressentimentos venham a confirmar-se apenas para o Espírito. Quer dizer que este viu  aquilo que desejava, foi ao seu encontro. É preciso não esquecer que, durante o sono, a alma está mais ou menos  sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca  se liberta completamente de suas idéias terrenas, donde  resulta que as preocupações do estado de vigília podem dar  ao que se vê a aparência do que se deseja, ou do que se  teme. A isto é que, em verdade, cabe chamar-se efeito da  imaginação. Sempre que uma idéia nos preocupa fortemente, tudo o que vemos se nos mostra ligado a essa idéia.”
  406. Quando em sonho vemos pessoas vivas, muito nossas  conhecidas, a praticarem atos de que absolutamente  não cogitam, não é isso puro efeito de imaginação?  “De que absolutamente não cogitam, dizes. Que sabes  a tal respeito? Os Espíritos dessas pessoas vêm visitar o  teu, como o teu os vai visitar, sem que saibas sempre o em  que eles pensam. Demais, não é raro atribuirdes, de acordo  com o que desejais, a pessoas que conheceis, o que se deu  ou se está dando em outras existências.”
  407. É necessário o sono completo para a emancipação do  Espírito?  “Não; basta que os sentidos entrem em torpor para  que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar,  ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo  lhe concede. Desde que haja prostração das forças vitais, o  Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre,  quanto mais fraco for o corpo.”
  408. E qual a razão de ouvirmos, algumas vezes em nós  mesmos, palavras pronunciadas distintamente e que  nenhum nexo têm com o que nos preocupa?  “É fato: ouvis até mesmo frases inteiras, principalmente  quando os sentidos começam a entorpecer-se. É, quase  sempre, fraco eco do que diz um Espírito que convosco se  quer comunicar.”
  409. Doutras vezes, num estado que ainda não é bem o do  adormecimento, estando com os olhos fechados, vemos imagens distintas, figuras cujas mínimas  particularidades percebemos. Que há aí, efeito de visão ou de imaginação?  “Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de desprender-se. Transporta-se e vê. Se já fosse completo o sono,  haveria sonho.”
  410. Dá-se também que, durante o sono, ou quando nos  achamos apenas ligeiramente adormecidos, acodem-nos idéias que nos parecem excelentes e que se nos  apagam da memória, apesar dos esforços que  façamos para retê-las. Donde vêm essas idéias?  “Provêm da liberdade do Espírito que se emancipa e  que, emancipado, goza de suas faculdades com maior amplitude. Também são, freqüentemente, conselhos que  outros Espíritos dão.”
  410a) — De que servem essas idéias e esses conselhos,  desde que, pelos esquecer, não os podemos aproveitar?  “Essas idéias, em regra, mais dizem respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. Pouco importa  que comumente o Espírito as esqueça, quando unido ao  corpo. Na ocasião oportuna, voltar-lhe-ão como inspiração  de momento.”
  411. Estando desprendido da matéria e atuando como Espírito, sabe o Espírito encarnado qual será a época de  sua morte?  “Acontece pressenti-la. Também sucede ter plena consciência dessa época, o que dá lugar a que, em estado de  vigília, tenha a intuição do fato. Por isso é que algumas  pessoas prevêem com grande exatidão a data em que virão  a morrer.”
  412. Pode a atividade do Espírito, durante o repouso, ou o  sono corporal, fatigar o corpo?  “Pode, pois que o Espírito se acha preso ao corpo qual  balão cativo ao poste. Assim como as sacudiduras do balão  abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo  e pode fatigá-lo.”
  413. Do princípio da emancipação da alma parece decorrer  que temos duas existências simultâneas: a do corpo,  que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma,  que nos proporciona a vida de relação oculta. É assim?  “No estado de emancipação, prima a vida da alma.  Contudo, não há, verdadeiramente, duas existências. São  antes duas fases de uma só existência, porquanto o  homem não vive duplamente.”
  414. Podem duas pessoas que se conhecem visitar-se  durante o sono?  “Certo e muitos que julgam não se conhecerem costumam reunir-se e falar-se. Podes ter, sem que o suspeites,  amigos em outro país. É tão habitual o fato de irdes encontrar-vos, durante o sono, com amigos e parentes, com os  que conheceis e que vos podem ser úteis, que quase todas  as noites fazeis essas visitas.”
  415. Que utilidade podem elas ter, se as olvidamos?  “De ordinário, ao despertardes, guardais a intuição  desse fato, do qual se originam certas idéias que vos vêm  espontaneamente, sem que possais explicar como vos  acudiram. São idéias que adquiristes nessas confabulações.”
  416. Pode o homem, pela sua vontade, provocar as visitas  espíritas? Pode, por exemplo, dizer, quando está para  dormir: Quero esta noite encontrar-me em Espírito com  Fulano, quero falar-lhe para dizer isto?  “O que se dá é o seguinte: Adormecendo o homem, seu  Espírito desperta e, muitas vezes, nada disposto se mostra  a fazer o que o homem resolvera, porque a vida deste pouco  interessa ao seu Espírito, uma vez desprendido da matéria.  Isto com relação a homens já bastante elevados espiritualmente. Os outros passam de modo muito diverso a fase  espiritual de sua existência terrena. Entregam-se às paixões que os escravizaram, ou se mantêm inativos. Pode,  pois, suceder, tais sejam os motivos que a isso o induzem,  que o Espírito vá visitar aqueles com quem deseja encontrar-se. Mas, não constitui razão, para que semelhante coisa se verifique, o simples fato de ele o querer quando  desperto.”
  417. Podem Espíritos encarnados reunir-se em certo  número e formar assembléias?  “Sem dúvida alguma. Os laços, antigos ou recentes,  da amizade costumam reunir desse modo diversos Espíritos, que se sentem felizes de estar juntos.”
  418. Uma pessoa que julgasse morto um de seus amigos,  sem que tal fosse a realidade, poderia encontrar-se com  ele, em Espírito, e verificar que continuava vivo? E, dado  o fato, poderia, ao despertar, ter dele a intuição?  “Como Espírito, a pessoa que figuras pode ver o seu amigo  e conhecer-lhe a sorte. Se lhe não houver sido imposto, por  prova, crer na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento da sua existência, como poderá tê-lo de sua morte.”
  419. Que é o que dá causa a que uma idéia, a de uma descoberta, por exemplo, surja em muitos pontos ao  mesmo tempo?  “Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam entre si. Ora bem! Quando se dá o despertar, o  Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser  isso um invento de sua autoria. Assim é que muitos podem  simultaneamente descobrir a mesma coisa. Quando dizeis  que uma idéia paira no ar, usais de uma figura de linguagem mais exata do que supondes. Todos, sem o  suspeitarem, contribuem para propagá-la.”
  420. Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente despertos os corpos?  “O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa  caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília,  se bem que mais dificilmente.”
  421. Como se explica que duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instantaneamente a mesma idéia?  “São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e  vêem reciprocamente seus pensamentos respectivos, embora sem estarem adormecidos os corpos.”
  422. Os letárgicos e os catalépticos, em geral, vêem e ouvem o que em derredor se diz e faz, sem que possam  exprimir que estão vendo e ouvindo. É pelos olhos e  pelos ouvidos que têm essas percepções?  “Não; pelo Espírito. O Espírito tem consciência de si,  mas não pode comunicar-se.”
  422a) — Por quê?  “Porque a isso se opõe o estado do corpo. E esse estado  especial dos órgãos vos prova que no homem há alguma  coisa mais do que o corpo, pois que, então, o corpo já não  funciona e, no entanto, o Espírito se mostra ativo.”
  423. Na letargia, pode o Espírito separar-se inteiramente do  corpo, de modo a imprimir-lhe todas as aparências da  morte e voltar depois a habitá-lo?  “Na letargia, o corpo não está morto, porquanto há funções que continuam a executar-se. Sua vitalidade se encontra em estado latente, como na crisálida, porém não  aniquilada. Ora, enquanto o corpo vive, o Espírito se lhe  acha ligado. Em se rompendo, por efeito da morte real e  pela desagregação dos órgãos, os laços que prendem um ao  outro, integral se torna a separação e o Espírito não volta  mais ao seu envoltório. Desde que um homem, aparentemente morto, volve à vida, é que não era completa a morte.”
  424. Por meio de cuidados dispensados a tempo, podem  reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à  vida um ser que definitivamente morreria se não fosse  socorrido?  “Sem dúvida e todos os dias tendes a prova disso. O  magnetismo, em tais casos, constitui, muitas vezes, poderoso meio de ação, porque restitui ao corpo o fluido vital  que lhe falta para manter o funcionamento dos órgãos.”
  425. O sonambulismo natural tem alguma relação com os  sonhos? Como explicá-lo?  “É um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude  adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de  que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo  imperfeito.  “No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de  si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma  em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões  exteriores. Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à matéria. Quando se produzem os  fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com  uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para  cuja prática necessita de utilizar-se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto  material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo como se utiliza da mão do médium nas comunicações  escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos,  inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem  imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou  causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então,  também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido, sensações confusas e, amiúde, desordenadas, sem  nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam de vagas recordações, quer da existência atual, quer  de anteriores. Facilmente, portanto, se compreende por que  os sonâmbulos nenhuma lembrança guardam do que se  passou enquanto estiveram no estado sonambúlico e por  que os sonhos, de que se conserva memória, as mais das  vezes não têm sentido. Digo — as mais das vezes, porque  também sucede serem a conseqüência de lembrança exata  de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro,  uma espécie de intuição do futuro.”
  426. O chamado sonambulismo magnético tem alguma  relação com o sonambulismo natural?  “É a mesma coisa, com a só diferença de ser  provocado.”
  427. De que natureza é o agente que se chama fluido  magnético?  “Fluido vital, eletricidade animalizada, que são modificações do fluido universal.”
  428. Qual a causa da clarividência sonambúlica?  “Já o dissemos: É a alma que vê.”
  429. Como pode o sonâmbulo ver através dos corpos  opacos?  “Não há corpos opacos senão para os vossos grosseiros órgãos. Já precedentemente não dissemos que a matéria nenhum obstáculo oferece ao Espírito, que livremente a  atravessa? Freqüentemente ouvis o sonâmbulo dizer que  vê pela fronte, pelo punho, etc., porque, achando-vos inteiramente presos à matéria, não compreendeis lhe seja possível ver sem o auxílio dos órgãos. Ele próprio, pelo desejo  que manifestais, julga precisar dos órgãos. Se, porém, o  deixásseis livre, compreenderia que vê por todas as partes  do seu corpo, ou, melhor falando, que vê de fora do  seu corpo.”
  430. Pois que a sua clarividência é a de sua alma ou de seu  Espírito, por que é que o sonâmbulo não vê tudo e  tantas vezes se engana?  “Primeiramente, aos Espíritos imperfeitos não é dado  verem tudo e tudo saberem. Não ignoras que ainda partilham dos vossos erros e prejuízos. Depois, quando unidos  à matéria, não gozam de todas as suas faculdades de Espírito. Deus outorgou ao homem a faculdade sonambúlica  para fim útil e sério, não para que se informe do que não  deva saber. Eis por que os sonâmbulos nem tudo  podem dizer.”
  431. Qual a origem das idéias inatas do sonâmbulo e como  pode falar com exatidão de coisas que ignora quando  desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua  capacidade intelectual?  “É que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do  que os que lhe supões. Apenas, tais conhecimentos dormitam, porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal não lhe consente rememorá-lo. Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito, como nós, e que se encontra encarnado  na matéria para cumprir a sua missão, despertando dessa  letargia quando cai em estado sonambúlico. Já te temos  dito, repetidamente, que vivemos muitas vezes. Esta mudança é que, ao sonâmbulo, como a qualquer Espírito ocasiona a perda material do que haja aprendido em precedente existência. Entrando no estado, a que chamas crise,  lembra-se do que sabe, mas sempre de modo incompleto.  Sabe, mas não poderia dizer donde lhe vem o que sabe,  nem como possui os conhecimentos que revela. Passada a  crise, toda recordação se apaga e ele volve à obscuridade.”
  432. Como se explica a visão a distância em certos  sonâmbulos?  “Durante o sono, a alma não se transporta? O mesmo  se dá no sonambulismo.”
  433. O desenvolvimento maior ou menor da clarividência  sonambúlica depende da organização física, ou só da  natureza do Espírito encarnado?  “De uma e outra. Há disposições físicas que permitem  ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da  matéria.”
  434. As faculdades de que goza o sonâmbulo são as que  tem o Espírito depois da morte?  “Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à  influência da matéria a que ainda se acha ligado.”
  435. Pode o sonâmbulo ver os outros Espíritos?  “A maioria deles os vê muito bem, dependendo do grau  e da natureza da lucidez de cada um. É muito comum, porém, não perceberem, no primeiro momento, que estão vendo Espíritos e os tomarem por seres corpóreos. Isso acon-  tece principalmente aos que, nada conhecendo do Espiritismo, ainda não compreendem a essência dos Espíritos. O  fato os espanta e fá-los supor que têm diante da vista seres  terrenos.”
  436. O sonâmbulo que vê, a distância, vê do ponto em que  se acha o seu corpo, ou do em que está sua alma?  “Por que esta pergunta, desde que sabes ser a alma  quem vê e não o corpo?”
  437. Posto que o que se dá, nos fenômenos sonambúlicos, é  que a alma se transporta, como pode o sonâmbulo experimentar no corpo as sensações do frio e do calor  existentes no lugar onde se acha sua alma, muitas  vezes bem distante do seu invólucro?  “A alma, em tais casos, não tem deixado inteiramente  o corpo; conserva-se-lhe presa pelo laço que os liga e que  então desempenha o papel de condutor das sensações.  Quando duas pessoas se comunicam de uma cidade para  outra, por meio da eletricidade, esta constitui o laço que  lhes liga os pensamentos. Daí vem que confabulam como  se estivessem ao lado uma da outra.”
  438. O uso que um sonâmbulo faz da sua faculdade influi  no estado do seu Espírito depois da morte?  “Muito, como o bom ou mau uso que o homem faz de  todas as faculdades com que Deus o dotou.”
  439. Que diferença há entre o êxtase e o sonambulismo?  “O êxtase é um sonambulismo mais apurado. A alma  do extático ainda é mais independente.”
  440. O Espírito do extático penetra realmente nos mundos  superiores?  “Vê esses mundos e compreende a felicidade dos que  os habitam, donde lhe nasce o desejo de lá permanecer.  Há, porém, mundos inacessíveis aos Espíritos que ainda  não estão bastante purificados.”
  441. Quando o extático manifesta o desejo de deixar a  Terra, fala sinceramente, não o retém o instinto de  conservação?  “Isso depende do grau de purificação do Espírito. Se  verifica que a sua futura situação será melhor do que a sua  vida presente, esforça-se por desatar os laços que o  prendem à Terra.”
  442. Se se deixasse o extático entregue a si mesmo, poderia  sua alma abandonar definitivamente o corpo?  “Perfeitamente, poderia morrer. Por isso é que preciso  se torna chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o  prende a este mundo, fazendo-lhe sobretudo compreender  que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria  feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao  planeta terreno.”
  443. Pretendendo que lhe é dado ver coisas que evidentemente são produto de uma imaginação que as crenças  e prejuízos terrestres impressionaram, não será justo  concluir-se que nem tudo o que o extático vê é real?  “O que o extático vê é real para ele. Mas, como seu  Espírito se conserva sempre debaixo da influência das idéias  terrenas, pode acontecer que veja a seu modo, ou melhor,  que exprima o que vê numa linguagem moldada pelos preconceitos e idéias de que se acha imbuído, ou, então, pelos  vossos preconceitos e idéias, a fim de ser mais bem compreendido. Neste sentido, principalmente, é que lhe  sucede errar.”
  444. Que confiança se pode depositar nas revelações dos  extáticos?  “O extático está sujeito a enganar-se muito freqüentemente, sobretudo quando pretende penetrar no que deva  continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se  deixa levar pela corrente das suas próprias idéias, ou se  torna joguete de Espíritos mistificadores, que se aproveitam da sua exaltação para fasciná-lo.”
  445. Que deduções se podem tirar dos fenômenos do sonambulismo e do êxtase? Não constituirão uma  espécie de iniciação na vida futura?  “A bem dizer, mediante esses fenômenos, o homem entrevê a vida passada e a vida futura. Estude-os e achará o  aclaramento de mais de um mistério, que a sua razão  inutilmente procura devassar.”
  446. Poderiam tais fenômenos adequar-se às idéias  materialistas?  “Aquele que os estudar de boa-fé e sem prevenções não  poderá ser materialista, nem ateu.”
  447. O fenômeno a que se dá a designação de dupla vista  tem alguma relação com o sonho e o sonambulismo?  “Tudo isso é uma só coisa. O que se chama dupla vista  é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo seja adormecido. A dupla vista ou segunda vista é a  vista da alma.”
  448. É permanente a segunda vista?  “A faculdade é, o exercício não. Em os mundos menos  materiais do que o vosso, os Espíritos se desprendem mais  facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento, sem que, todavia, fique abolida a linguagem articulada. Por isso mesmo, em tais mundos, a dupla vista é faculdade permanente, para a maioria de seus habitantes,  cujo estado normal se pode comparar ao dos vossos sonâmbulos lúcidos. Essa também a razão por que esses Espíritos se vos manifestam com maior facilidade do que os  encarnados em corpos mais grosseiros.”
  449. A segunda vista aparece espontaneamente ou por efeito  da vontade de quem a possui como faculdade?  “As mais das vezes é espontânea, porém a vontade também desempenha com grande freqüência importante papel  no seu aparecimento. Toma, para exemplo, de umas dessas pessoas a quem se dá o nome de ledoras da buena-dicha, algumas das quais dispõem desta faculdade, e verás que é com o auxílio da própria vontade que se colocam  no estado de terem a dupla vista e o que chamas visão.”
  450. A dupla vista é suscetível de desenvolver-se pelo  exercício?  “Sim, do trabalho sempre resulta o progresso e a dissipação do véu que encobre as coisas.”
  450a) — Esta faculdade tem qualquer ligação com a  organização física?  “Incontestavelmente, o organismo influi para a sua existência. Há organismos que lhe são refratários.”
  451. Por que é que a segunda vista parece hereditária em  algumas famílias?  “Por semelhança da organização, que se transmite como  as outras qualidades físicas. Depois, a faculdade se desenvolve por uma espécie de educação, que também se  transmite de um a outro.”
  452. É exato que certas circunstâncias desenvolvem a  segunda vista?  “A moléstia, a proximidade do perigo, uma grande comoção podem desenvolvê-la. O corpo, às vezes, vem a  achar-se num estado especial que faculta ao Espírito ver o  que não podeis ver com os olhos carnais.”
  453. As pessoas dotadas de dupla vista sempre têm consciência de que a possuem?  “Nem sempre. Consideram isso coisa perfeitamente  natural e muitos crêem que, se cada um observasse o que  se passa consigo, todos verificariam que são como eles.”
  454. Poder-se-ia atribuir a uma espécie de segunda vista a  perspicácia de algumas pessoas que, sem nada apresentarem de extraordinário, apreciam as coisas com  mais precisão do que outras?  “É sempre a alma a irradiar mais livremente e a  apreciar melhor do que sob o véu da matéria.”
  454a) — Pode esta faculdade, em alguns casos, dar a  presciência das coisas?  “Pode. Também dá os pressentimentos, pois que muitos são os graus em que ela existe, sendo possível que num  mesmo indivíduo exista em todos os graus, ou em alguns  somente.”
  455. Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa  exterior conhecida. Mas, em certas pessoas dotadas de especial organização, podem ser provocados artificialmente,  pela ação do agente magnético.  O estado que se designa pelo nome de sonambulismo  magnético apenas difere do sonambulismo natural em que  um é provocado, enquanto o outro é espontâneo.  O sonambulismo natural constitui fato notório, que  ninguém mais se lembra de pôr em dúvida, não obstante o  aspecto maravilhoso dos fenômenos a que dá lugar. Por  que seria então mais extraordinário ou irracional o sonambulismo magnético? Apenas por produzir-se artificialmente, como tantas outras coisas? Os charlatães o exploram,  dizem. Razão demais para que não lhes seja deixado nas  mãos. Quando a Ciência se houver apropriado dele, muito  menos crédito terão os charlatães junto às massas populares. Enquanto isso não se verifica, como o sonambulismo  natural ou artificial é um fato, e como contra fatos não há  raciocínio possível, vai ele ganhando terreno, apesar da  má vontade de alguns, no seio da própria Ciência, onde  penetra por uma imensidade de portinhas, em vez de  entrar pela porta larga. Quando lá estiver totalmente, terão  que lhe conceder direito de cidade.  Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um  fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia. É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se  mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos que a caracterizam é o da clarividência independente dos órgãos ordinários da vista. Fundam-se os que contestam este fato  em que o sonâmbulo nem sempre vê, e à vontade do experimentador, como com os olhos. Será de admirar que difiram  os efeitos, quando diferentes são os meios? Será racional  que se pretenda obter os mesmos efeitos, quando há e quando não há o instrumento? A alma tem suas propriedades,  como os olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si  mesmas e não por analogia.  De uma causa única se originam a clarividência do  sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do  ser incorpóreo que existe em nós e cujos limites não são  outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê  em todos os lugares aonde sua alma possa transportar-se,  qualquer que seja a longitude.  No caso de visão a distância, o sonâmbulo não vê as  coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um  telescópio. Vê-as presentes, como se se achasse no lugar  onde elas existem, porque sua alma, em realidade, lá está.  Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado  de sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente.  Essa separação parcial da alma e do corpo constitui um  estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa, porém não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta após certo tempo, mormente quando aquela se  entrega a um trabalho ativo.  A vista da alma ou do Espírito não é circunscrita e não  tem sede determinada. Eis por que os sonâmbulos não lhe  podem marcar órgão especial. Vêem porque vêem, sem saberem o motivo nem o modo, uma vez que, para eles, na  condição de Espíritos, a vista carece de foco próprio. Se se  reportam ao corpo, esse foco lhes parece estar nos centros  onde maior é a atividade vital, principalmente no cérebro,  na região do epigastro, ou no órgão que considerem o  ponto de ligação mais forte entre o Espírito e o corpo.  O poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo quando completamente livre, tem restringidos seus conhecimentos e faculdades, conforme ao grau de  perfeição que haja alcançado. Ainda mais restringidos os  tem quando ligado à matéria, a cuja influência está sujeito.  É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência sonambúlica. E tanto menos se pode contar com a  sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado  pela natureza e transformada em objeto de curiosidade e  de experimentação.  No estado de desprendimento em que fica colocado, o  Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil  com os outros Espíritos encarnados, ou não encarnados,  comunicação que se estabelece pelo contacto dos fluidos,  que compõem os perispíritos e servem de transmissão ao  pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa,  portanto, que se lhe exprimam os pensamentos por meio  da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o  torna eminentemente impressionável e sujeito às influências da atmosfera moral que o envolva. Essa também a razão por que uma assistência muito numerosa e a presença  de curiosos mais ou menos malevolentes lhe prejudicam de  modo essencial o desenvolvimento das faculdades que, por  assim dizer, se contraem, só se desdobrando com toda a  liberdade num meio íntimo ou simpático. A presença de  pessoas mal-intencionadas ou antipáticas lhe produz efeito  idêntico ao do contacto da mão na sensitiva.  O sonâmbulo vê ao mesmo tempo o seu próprio Espírito e o seu corpo, os quais constituem, por assim dizer, dois  seres que lhe representam a dupla existência corpórea e  espiritual, existências que, entretanto, se confundem, mediante os laços que as unem. Nem sempre o sonâmbulo se  apercebe de tal situação e essa dualidade faz que muitas  vezes fale de si, como se falasse de outra pessoa. É que ora  é o ser corpóreo que fala ao ser espiritual, ora é este que  fala àquele.  Em cada uma de suas existências corporais, o Espírito  adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência.  Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por  demais grosseira, porém deles se recorda como Espírito.  Assim é que certos sonâmbulos revelam conhecimentos acima do grau da instrução que possuem e mesmo superiores  às suas aparentes capacidades intelectuais. Portanto, da  inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, quando  desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos que porventura revele no estado de lucidez. Conforme as circunstâncias e o fim que se tenha em vista, ele  os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência relativa às coisas presentes, ou dos conselhos que  receba de outros Espíritos. Mas, podendo o seu próprio  Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer  coisas mais ou menos certas.  Pelos fenômenos do sonambulismo, quer natural, quer  magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e da independência da alma e nos faz assistir ao  sublime espetáculo da sua emancipação. Abre-nos, dessa  maneira, o livro do nosso destino. Quando o sonâmbulo  descreve o que se passa a distância, é evidente que vê, mas  não com os olhos do corpo. Vê-se a si mesmo e se sente  transportado ao lugar onde vê o que descreve. Lá se acha,  pois, alguma coisa dele e, não podendo essa alguma coisa  ser o seu corpo, necessariamente é sua alma, ou Espírito.  Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica  abstrata e ininteligível, em busca das causas da nossa existência moral, Deus cotidianamente nos põe sob os olhos e  ao alcance da mão os mais simples e patentes meios de  estudarmos a psicologia experimental.  O êxtase é o estado em que a independência da alma,  com relação ao corpo, se manifesta de modo mais sensível  e se torna, de certa forma, palpável.  No sonho e no sonambulismo, o Espírito anda em giro  pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo  desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra  em comunicação, sem que, todavia, lhe seja lícito ultrapassar certos limites, porque, se os transpusesse, totalmente se  partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então  resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias  que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o invade: goza antecipadamente da beatitude celeste e bem se  pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade.  No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase  completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica.  Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um  fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão.  Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente  entregue a tão sublime contemplação, o extático encara a  vida apenas como paragem momentânea. Considera os bens  e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo quais incidentes fúteis de uma viagem, cujo termo tem a  dita de avistar.  Dá-se com os extáticos o que se dá com os sonâmbulos: mais ou menos perfeita podem ter a lucidez e o Espírito  mais ou menos apto a conhecer e compreender as coisas,  conforme seja mais ou menos elevado. Muitas vezes, porém, há neles mais excitação do que verdadeira lucidez, ou,  melhor, muitas vezes a exaltação lhes prejudica a lucidez.  Daí o serem, freqüentemente, suas revelações um misto de  verdades e erros, de coisas grandiosas e coisas absurdas,  até ridículas. Dessa exaltação, que é sempre uma causa de  fraqueza, quando o indivíduo não sabe reprimi-la, Espíritos  inferiores costumam aproveitar-se para dominar o extático,  tomando, com tal intuito, aos seus olhos, aparências que  mais o aferram às idéias que nutre no estado de vigília. Há  nisso um escolho, mas nem todos são assim. Cabe-nos tudo  julgar friamente e pesar-lhes as revelações na balança  da razão.  A emancipação da alma se verifica às vezes no estado  de vigília e produz o fenômeno conhecido pelo nome de  segunda vista ou dupla vista, que é a faculdade graças à  qual quem a possui vê, ouve e sente além dos limites dos  sentidos humanos. Percebe o que exista até onde estende a  alma a sua ação. Vê, por assim dizer, através da vista ordinária e como por uma espécie de miragem.  No momento em que o fenômeno da segunda vista se  produz, o estado físico do indivíduo se acha sensivelmente  modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele  olha sem ver. Toda a sua fisionomia reflete uma como exal-  tação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios  ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, malgrado à  oclusão dos olhos.  Aos dotados desta faculdade ela se afigura tão natural, como a que todos temos de ver. Consideram-na um  atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem  excepcionais. De ordinário, o esquecimento se segue a essa  lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada vez  mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho.  O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação  confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes  ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas  o tato, a perspicácia, uma certa segurança nos atos, a que  se pode dar o qualificativo de precisão de golpe de vista  moral. Um pouco desenvolvida, desperta os pressentimentos. Mais desenvolvida mostra os acontecimentos que  deram ou estão para dar-se.  O sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla  vista são efeitos vários, ou de modalidades diversas, de uma  mesma causa. Esses fenômenos, como os sonhos, estão na  ordem da natureza. Tal a razão por que hão existido em  todos os tempos. A História mostra que foram sempre conhecidos e até explorados desde a mais remota antiguidade e neles se nos depara a explicação de uma imensidade  de fatos que os preconceitos fizeram fossem tidos por  sobrenaturais.  456. Vêem os Espíritos tudo o que fazemos?  “Podem ver, pois que constantemente vos rodeiam. Cada  um, porém, só vê aquilo a que dá atenção. Não se ocupam  com o que lhes é indiferente.”
  457. Podem os Espíritos conhecer os nossos mais secretos  pensamentos?  “Muitas vezes chegam a conhecer o que desejaríeis ocultar de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se lhes  podem dissimular.”
  457a) — Assim, mais fácil nos seria ocultar de uma pessoa  viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma  pessoa depois de morta?  “Certamente. Quando vos julgais muito ocultos, é comum terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que  vos observam.”
  458. Que pensam de nós os Espíritos que nos cercam e  observam?  “Depende. Os levianos riem das pequenas partidas que  vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os Espíritos sérios se condoem dos vossos reveses e procuram  ajudar-vos.”
  459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?  “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto,  que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”
  460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos?  “Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais  que, freqüentemente, muitos pensamentos vos acodem a  um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários  uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre  de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em  que vos vedes. É que tendes em vós duas idéias a  se combaterem.”
  461. Como havemos de distinguir os pensamentos que nos  são próprios dos que nos são sugeridos?  “Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão de que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que acodem em primeiro lugar. Afinal,  não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção.  Muitas vezes, é útil que não saibais fazê-la. Não a fazendo,  obra o homem com mais liberdade. Se se decide pelo bem,  é voluntariamente que o pratica; se toma o mau caminho,  maior será a sua responsabilidade.”
  462. É sempre de dentro de si mesmos que os homens  inteligentes e de gênio tiram suas idéias?  “Algumas vezes, elas lhes vêm do seu próprio Espírito,  porém, de outras muitas, lhes são sugeridas por Espíritos  que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de  vulgarizá-las. Quando tais homens não as acham em si  mesmos, apelam para a inspiração. Fazem assim, sem o  suspeitarem, uma verdadeira evocação.”
  463. Diz-se comumente ser sempre bom o primeiro impulso.  É exato?  “Pode ser bom ou mau, conforme a natureza do Espírito encarnado. É sempre bom naquele que atende às boas  inspirações.”
  464. Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau?  “Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem  aconselham. Compete-vos discernir.”
  465. Com que fim os Espíritos imperfeitos nos induzem  ao mal?  “Para que sofrais como eles sofrem.”
  465a) — E isso lhes diminui os sofrimentos?  “Não; mas fazem-no por inveja, por não poderem  suportar que haja seres felizes.”
  465b) — De que natureza é o sofrimento que procuram  infligir aos outros?  “Os que resultam de ser de ordem inferior a criatura e  de estar afastada de Deus.”
  466. Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal?  “Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a  pôr em prova a fé e a constância dos homens na prática do  bem. Como Espírito que és, tens que progredir na ciência  do infinito. Daí o passares pelas provas do mal, para chegares ao bem. A nossa missão consiste em te colocarmos  no bom caminho. Desde que sobre ti atuam influências más,  é que as atrais, desejando o mal; porquanto os Espíritos  inferiores correm a te auxiliar no mal, logo que desejes  praticá-lo. Só quando queiras o mal, podem eles ajudar-te  para a prática do mal. Se fores propenso ao assassínio,  terás em torno de ti uma nuvem de Espíritos a te alimentarem no íntimo esse pendor. Mas, outros também te cercarão, esforçando-se por te influenciarem para o bem, o que  restabelece o equilíbrio da balança e te deixa senhor dos  teus atos.”
  467. Pode o homem eximir-se da influência dos Espíritos  que procuram arrastá-lo ao mal?  “Pode, visto que tais Espíritos só se apegam aos que,  pelos seus desejos, os chamam, ou aos que, pelos seus  pensamentos, os atraem.”
  468. Renunciam às suas tentativas os Espíritos cuja  influência a vontade do homem repele?  “Que querias que fizessem? Quando nada conseguem,  abandonam o campo. Entretanto, ficam à espreita de um  momento propício, como o gato que tocaia o rato.”
  469. Por que meio podemos neutralizar a influência dos maus  Espíritos?  “Praticando o bem e pondo em Deus toda a vossa confiança, repelireis a influência dos Espíritos inferiores e  aniquilareis o império que desejem ter sobre vós. Guardai-vos de atender às sugestões dos Espíritos que vos suscitam maus pensamentos, que sopram a discórdia entre vós  outros e que vos insuflam as paixões más. Desconfiai especialmente dos que vos exaltam o orgulho, pois que esses  vos assaltam pelo lado fraco. Essa a razão por que Jesus,  na oração dominical, vos ensinou a dizer: “Senhor! não nos  deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.”
  470. Os Espíritos, que ao mal procuram induzir-nos e que  põem assim em prova a nossa firmeza no bem, procedem desse modo cumprindo missão? E, se assim é,  cabe-lhes alguma responsabilidade?  “A nenhum Espírito é dada a missão de praticar o mal.  Aquele que o faz fá-lo por conta própria, sujeitando-se, portanto, às conseqüências. Pode Deus permitir-lhe que assim proceda, para vos experimentar; nunca, porém, lhe  determina tal procedimento. Compete-vos, pois, repeli-lo.”
  471. Quando experimentamos uma sensação de angústia,  de ansiedade indefinível, ou de íntima satisfação, sem  que lhe conheçamos a causa, devemos atribuí-la  unicamente a uma disposição física?  “É quase sempre efeito das comunicações em que inconscientemente entrais com os Espíritos, ou da que com  eles tivestes durante o sono.”
  472. Os Espíritos que procuram atrair-nos para o mal se  limitam a aproveitar as circunstâncias em que nos  achamos, ou podem também criá-las?  “Aproveitam as circunstâncias ocorrentes, mas também costumam criá-las, impelindo-vos, mau grado vosso,  para aquilo que cobiçais. Assim, por exemplo, encontra um  homem, no seu caminho, certa quantia. Não penses tenham  sido os Espíritos que a trouxeram para ali. Mas, eles podem inspirar ao homem a idéia de tomar aquela direção e  sugerir-lhe depois a de se apoderar da importância achada,  enquanto outros lhe sugerem a de restituir o dinheiro ao  seu legítimo dono. O mesmo se dá com relação a todas as  demais tentações.”
  473. Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro  corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num  corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha  encarnado neste corpo?  “O Espírito não entra em um corpo como entras numa  casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de  obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre  quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha  revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está  encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao  seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.”
  474. Desde que não há possessão propriamente dita, isto é,  coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a  alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo  a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de a sua  vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada?  “Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas,  é preciso saibas que essa dominação não se efetua nunca  sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que  mais necessitavam de médico que de exorcismos, têm sido  tomados por possessos.”
  475. Pode alguém por si mesmo afastar os maus Espíritos e  libertar-se da dominação deles?  “Sempre é possível, a quem quer que seja, subtrair-se  a um jugo, desde que com vontade firme o queira.”
  476. Mas, não pode acontecer que a fascinação exercida pelo  mau Espírito seja de tal ordem que o subjugado não a  perceba? Sendo assim, poderá uma terceira pessoa  fazer que cesse a sujeição da outra? E, nesse caso,  qual deve ser a condição dessa terceira pessoa?  “Sendo ela um homem de bem, a sua vontade poderá  ter eficácia, desde que apele para o concurso dos bons Espíritos, porque, quanto mais digna for a pessoa, tanto maior  poder terá sobre os Espíritos imperfeitos, para afastá-los, e  sobre os bons, para os atrair. Todavia, nada poderá, se o  que estiver subjugado não lhe prestar o seu concurso. Há  pessoas a quem agrada uma dependência que lhes lisonjeia os gostos e os desejos. Qualquer, porém, que seja o  caso, aquele que não tiver puro o coração nenhuma influência exercerá. Os bons Espíritos não lhe atendem ao  chamado e os maus não o temem.”
  477. As fórmulas de exorcismo têm qualquer eficácia sobre  os maus Espíritos?  “Não. Estes últimos riem e se obstinam, quando vêem  alguém tomar isso a sério.”
  478. Pessoas há, animadas de boas intenções e que, nada  obstante, não deixam de ser obsidiadas. Qual, então,  o melhor meio de nos livrarmos dos Espíritos  obsessores?  “Cansar-lhes a paciência, nenhum valor lhes dar às  sugestões, mostrar-lhes que perdem o tempo. Em vendo  que nada conseguem, afastam-se.”
  479. A prece é meio eficiente para a cura da obsessão?  “A prece é em tudo um poderoso auxílio. Mas, crede  que não basta que alguém murmure algumas palavras, para  que obtenha o que deseja. Deus assiste os que obram, não  os que se limitam a pedir. É, pois, indispensável que o  obsidiado faça, por sua parte, o que se torne necessário  para destruir em si mesmo a causa da atração dos maus  Espíritos.”
  480. Que se deve pensar da expulsão dos demônios,  mencionada no Evangelho?  “Depende da interpretação que se lhe dê. Se chamais  demônio ao mau Espírito que subjugue um indivíduo, desde que se lhe destrua a influência, ele terá sido verdadeiramente expulso. Se ao demônio atribuirdes a causa de uma  enfermidade, quando a houverdes curado direis com acerto  que expulsastes o demônio. Uma coisa pode ser verdadeira  ou falsa, conforme o sentido que empresteis às palavras.  As maiores verdades estão sujeitas a parecer absurdos, uma  vez que se atenda apenas à forma, ou que se considere  como realidade a alegoria. Compreendei bem isto e não o  esqueçais nunca, pois que se presta a uma aplicação geral.”
  481. Desempenham os Espíritos algum papel nos fenômenos que se dão com os indivíduos chamados  convulsionários?  “Sim e muito importante, bem como o magnetismo,  que é a causa originária de tais fenômenos. O charlatanismo,  porém, os tem amiúde explorado e exagerado, de sorte a  lançá-los ao ridículo.”
  481a) — De que natureza são, em geral, os Espíritos que  concorrem para a produção desta espécie de fenômenos?  “Pouco elevada. Supondes que Espíritos superiores se  deleitem com tais coisas?”
  482. Como é que sucede estender-se subitamente a toda  uma população o estado anormal dos convulsionários  e dos que sofrem de crises nervosas?  “Efeito de simpatia. As disposições morais se comunicam mui facilmente, em certos casos. Não és tão alheio aos  efeitos magnéticos que não compreendas isto e a parte que  alguns Espíritos naturalmente tomam no fato, por  simpatia com os que os provocam.”
  483. Qual a causa da insensibilidade física que se observa  em alguns convulsionários, assim como em outros  indivíduos submetidos às mais atrozes torturas?  “Em alguns é, exclusivamente, efeito do magnetismo,  que atua sobre o sistema nervoso, do mesmo modo que  certas substâncias. Em outros, a exaltação do pensamento  embota a sensibilidade. Dir-se-ia que nestes a vida se retirou do corpo, para se concentrar toda no Espírito. Não sabeis  que, quando o Espírito está vivamente preocupado com uma  coisa, o corpo nada sente, nada vê e nada ouve?”
  484. Os Espíritos se afeiçoam de preferência a certas  pessoas?  “Os bons Espíritos simpatizam com os homens de bem,  ou suscetíveis de se melhorarem. Os Espíritos inferiores  com os homens viciosos, ou que podem tornar-se tais. Daí  suas afeições, como conseqüência da conformidade dos  sentimentos.”
  485. É exclusivamente moral a afeição que os Espíritos  votam a certas pessoas?  “A verdadeira afeição nada tem de carnal; mas, quando um Espírito se apega a uma pessoa, nem sempre o faz  só por afeição. À estima que essa pessoa lhe inspira pode  agregar-se uma reminiscência das paixões humanas.”
  486. Interessam-se os Espíritos pelas nossas desgraças e  pela nossa prosperidade? Afligem-se os que nos querem bem com os males que padecemos durante a vida?  “Os bons Espíritos fazem todo o bem que lhes é possível e se sentem ditosos com as vossas alegrias. Afligem-se  com os vossos males, quando os não suportais com resignação, porque nenhum benefício então tirais deles, assemelhando-vos, em tais casos, ao doente que rejeita a  beberagem amarga que o há de curar.”
  487. Dentre os nossos males, de que natureza são os de  que mais se afligem os Espíritos por nossa causa?  Serão os males físicos ou os morais?  “O vosso egoísmo e a dureza dos vossos corações. Daí  decorre tudo o mais. Riem-se de todos esses males imaginários que nascem do orgulho e da ambição. Rejubilam  com os que redundam na abreviação do tempo das vossas  provas.”
  488. Os parentes e amigos, que nos precederam na outra  vida, maior simpatia nos votam do que os Espíritos que  nos são estranhos?  “Sem dúvida e quase sempre vos protegem como  Espíritos, de acordo com o poder de que dispõem.”
  488a) — São sensíveis à afeição que lhes conservamos?  “Muito sensíveis, mas esquecem-se dos que os olvidam.”
  489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um  indivíduo para protegê-lo?  “Há o irmão espiritual, o que chamais o bom Espírito  ou o bom gênio.”
  490. Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo  guardião?  “O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”
  491. Qual a missão do Espírito protetor?  “A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu  protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas  provas da vida.”
  492.   493.   a) — Dedicando-se a uma pessoa, renuncia o Espírito a  proteger outros indivíduos?  “Não; mas protege-os menos exclusivamente.”
  494. O Espírito protetor fica fatalmente preso à criatura confiada à sua guarda?  “Freqüentemente sucede que alguns Espíritos deixam  suas posições de protetores para desempenhar diversas  missões. Mas, nesse caso, outros os substituem.”
  495. Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu  protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos?  “Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis  e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-se à influência dos Espíritos inferiores. Mas, não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este  o chame.  “É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo  seu encanto e doçura, devera converter os mais incrédulos.  Não vos parece grandemente consoladora a idéia de terdes  sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos  sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos  liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de  Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por  amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão.  Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos  cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem  não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente,  ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.  “Ah! se conhecêsseis bem esta verdade! Quanto vos  ajudaria nos momentos de crise! Quanto vos livraria dos  maus Espíritos! Mas, oh! quantas vezes, no dia solene, não  se verá esse anjo constrangido a vos observar: ‘Não te aconselhei isto? Entretanto, não o fizeste. Não te mostrei o abismo? Contudo, nele te precipitaste! Não fiz ecoar na tua consciência a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os  conselhos da mentira!’ Oh! interrogai os vossos anjos  guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos. Não penseis em  lhes ocultar nada, pois que eles têm o olhar de Deus e não  podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos  na vida presente. Assim fazendo, encurtareis vossas provas e mais felizes tornareis as vossas existências. Vamos,  homens, coragem! De uma vez por todas, lançai para longe  todos os preconceitos e idéias preconcebidas. Entrai na nova  senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai!  Tendes guias, segui-os, que a meta não vos pode faltar,  porquanto essa meta é o próprio Deus.  “Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e  de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos  as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e, não obstante  viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas  ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não  podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos  impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos  deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo  de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai  pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre,  quando ele lhe despreza os conselhos.  “Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao  contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis  assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações  de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam  médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas  que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes;  homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais  que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos  impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber,  senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para  fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à  bem-aventurança, à felicidade eterna?”SÃO LUÍS, SANTO AGOSTINHO.
  496. O Espírito, que abandona o seu protegido, que deixa  de lhe fazer bem, pode fazer-lhe mal?  “Os bons Espíritos nunca fazem mal. Deixam que o  façam aqueles que lhes tomam o lugar. Costumais então  lançar à conta da sorte as desgraças que vos acabrunham,  quando só as sofreis por culpa vossa.”
  497. Pode um Espírito protetor deixar o seu protegido à mercê  de outro Espírito que lhe queira fazer mal?  “Os maus Espíritos se unem para neutralizar a ação  dos bons. Mas, se o quiser, o protegido dará toda a força ao  seu protetor. Pode acontecer que o bom Espírito encontre  alhures uma boa vontade a ser auxiliada. Aplica-se então  em auxiliá-la, aguardando que seu protegido lhe volte.”
  498. Será por não poder lutar contra Espíritos malévolos que  um Espírito protetor deixa que seu protegido se  transvie na vida?  “Não é porque não possa, mas porque não quer. E não  quer, porque das provas sai o seu protegido mais instruído  e perfeito. Assiste-o sempre com seus conselhos, dando-os  por meio dos bons pensamentos que lhe inspira, porém que  quase nunca são atendidos. A fraqueza, o descuido ou o  orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de  lhes não opordes resistência.”
  499. O Espírito protetor está constantemente com o seu protegido? Não haverá alguma circunstância em que, sem  abandoná-lo, ele o perca de vista?  “Há circunstâncias em que não é necessário esteja o  Espírito protetor junto do seu protegido.”
  500. Momentos haverá em que o Espírito deixe de precisar,  de então por diante, do seu protetor?  “Sim, quando ele atinge o ponto de poder guiar-se a si  mesmo, como sucede ao estudante, para o qual um momento chega em que não mais precisa de mestre. Isso,  porém, não se dá na Terra.”
  501. Por que é oculta a ação dos Espíritos sobre a nossa  existência e por que, quando nos protegem, não o  fazem de modo ostensivo?  “Se vos fosse dado contar sempre com a ação deles,  não obraríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não progrediria. Para que este possa adiantar-se, precisa de experiência, adquirindo-a freqüentemente à sua custa. É necessário que exercite suas forças, sem o que, seria como a  criança a quem não consentem que ande sozinha. A ação  dos Espíritos que vos querem bem é sempre regulada de  maneira que não vos tolha o livre-arbítrio, porquanto, se  não tivésseis responsabilidade, não avançaríeis na senda  que vos há de conduzir a Deus. Não vendo quem o ampara,  o homem se confia às suas próprias forças. Sobre ele, entretanto, vela o seu guia e, de tempos a tempos, lhe brada,  advertindo-o do perigo.”
  502. O Espírito protetor, que consegue trazer ao bom  caminho o seu protegido, lucra algum bem para si?  “Constitui isso um mérito que lhe é levado em conta,  seja para seu progresso, seja para sua felicidade. Sente-se  ditoso quando vê bem-sucedidos os seus esforços, o que  representa, para ele, um triunfo, como triunfo é, para um  preceptor, os bons êxitos do seu educando.”
  502a) — É responsável pelo mau resultado de seus  esforços?  “Não, pois que fez o que de si dependia.”
  503. Sofre o Espírito protetor quando vê que seu protegido  segue mau caminho, não obstante os avisos que dele  recebe? Não há aí uma causa de turbação da sua  felicidade?  “Compungem-no os erros do seu protegido, a quem lastima. Tal aflição, porém, não tem analogia com as angústias  da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para  o mal e que o que não se faz hoje, amanhã se fará.”
  504. Poderemos sempre saber o nome do Espírito nosso  protetor, ou anjo-de-guarda?  “Como quereis saber nomes para vós inexistentes?  Supondes que Espíritos só há os que conheceis?”
  504a) — Como então o podemos invocar, se o não  conhecemos?  “Dai-lhe o nome que quiserdes, o de Espírito superior  que vos inspire simpatia ou veneração. O vosso protetor  acudirá ao apelo que com esse nome lhe dirigirdes, visto  que todos os bons Espíritos são irmãos e se assistem  mutuamente.”
  505. Os protetores, que dão nomes conhecidos, sempre são,  realmente, os Espíritos das personalidades que tiveram esses nomes?  “Não. Muitas vezes, os que os dão são Espíritos simpáticos aos que de tais nomes usaram na Terra e, a mando  destes, respondem ao vosso chamamento. Fazeis questão  de nomes; eles tomam um que vos inspire confiança. Quando não podeis desempenhar pessoalmente determinada missão, não costumais mandar que outro, por quem respondeis  como por vós mesmos, obre em vosso nome?”
  506. Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso  protetor?  “Decerto, pois não é raro que o tenhais conhecido  antes de encarnardes.”
  507. Pertencem todos os Espíritos protetores à classe dos  Espíritos elevados? Podem contar-se entre os de classe média? Um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito protetor de seu filho?  “Pode, mas a proteção pressupõe certo grau de elevação e um poder ou uma virtude a mais, concedidos por  Deus. O pai, que protege seu filho, também pode ser assistido por um Espírito mais elevado.”
  508. Os Espíritos que se achavam em boas condições ao  deixarem a Terra, sempre podem proteger os que lhes  são caros e que lhes sobrevivem?  “Mais ou menos restrito é o poder de que desfrutam. A  situação em que se encontram nem sempre lhes permite  inteira liberdade de ação.”
  509. Quando em estado de selvageria ou de inferioridade  moral, têm os homens, igualmente, seus Espíritos protetores? E, assim sendo, esses Espíritos são de ordem  tão elevada quanto a dos Espíritos protetores de  homens muito adiantados?  “Todo homem tem um Espírito que por ele vela, mas  as missões são relativas ao fim que visam. Não dais a uma  criança, que está aprendendo a ler, um professor de filosofia. O progresso do Espírito familiar guarda relação com o  do Espírito protegido. Tendo um Espírito que vela por vós,  podeis tornar-vos, a vosso turno, o protetor de outro que  vos seja inferior e os progressos que este realize, com o auxílio que lhe dispensardes, contribuirão para o vosso adiantamento. Deus não exige do Espírito mais do que comportem a  sua natureza e o grau de elevação a que já chegou.”
  510. Quando o pai, que vela pelo filho, reencarna, continua  a velar por ele?  “Isso é mais difícil. Contudo, de certo modo o faz, pedindo, num instante de desprendimento, a um Espírito  simpático que o assista nessa missão. Demais, os Espíritos  só aceitam missões que possam desempenhar até ao fim.  “Encarnado, mormente em mundo onde a existência é  material, o Espírito se acha muito sujeito ao corpo para  poder dedicar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para  poder assisti-lo pessoalmente. Tanto assim que os que ainda se não elevaram bastante são também assistidos por outros, que lhes estão acima, de tal sorte que, se por qualquer  circunstância um vem a faltar, outro lhe supre a falta.”
  511. A cada indivíduo achar-se-á ligado, além do Espírito  protetor, um mau Espírito, com o fim de impeli-lo ao  erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem  e o mal?  “Ligado, não é o termo. É certo que os maus Espíritos  procuram desviar do bom caminho o homem, quando se  lhes depara ocasião. Sempre, porém, que um deles se liga a  um indivíduo, fá-lo por si mesmo, porque conta ser atendido. Há então luta entre o bom e o mau, vencendo aquele  por quem o homem se deixe influenciar.”
  512. Podemos ter muitos Espíritos protetores?  “Todo homem conta sempre Espíritos, mais ou menos  elevados, que com ele simpatizam, que lhe dedicam afeto e  por ele se interessam, como também tem junto de si outros  que o assistem no mal.”
  513. Os Espíritos que conosco simpatizam atuam em cumprimento de missão?  “Não raro, desempenham missão temporária; porém,  as mais das vezes, são apenas atraídos pela identidade de  pensamentos e sentimentos, assim para o bem como para  o mal.”
  513a) — Parece lícito inferir-se daí que os Espíritos a quem  somos simpáticos podem ser bons ou maus, não?  “Sim, qualquer que seja o seu caráter, o homem sempre encontra Espíritos que com ele simpatizem.”
  514. Os Espíritos familiares são os mesmos a quem chamamos Espíritos simpáticos ou Espíritos protetores?  “Há gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os  nomes que quiserdes. O Espírito familiar é antes o amigo  da casa.”
  515. Que se há de pensar dessas pessoas que se ligam a  certos indivíduos para levá-los à perdição, ou para guiá-los pelo bom caminho?  “Efetivamente, certas pessoas exercem sobre outras  uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando  isso se dá no sentido do mal, são maus Espíritos, de que  outros Espíritos também maus se servem para subjugá-las.  Deus permite que tal coisa ocorra para vos experimentar.”
  516. Poderiam os nossos bom e mau gênios encarnar, a fim  de mais de perto nos acompanharem na vida?  “Isso às vezes se dá. Porém, o que mais freqüentemente se verifica é encarregarem dessa missão outros Espíritos  encarnados que lhes são simpáticos.”
  517. Haverá Espíritos que se liguem a uma família inteira  para protegê-la?  “Alguns Espíritos se ligam aos membros de uma determinada família, que vivem juntos e unidos pela afeição;  mas, não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das  raças.”
  518. Assim como são atraídos, pela simpatia, para certos  indivíduos, são-no igualmente os Espíritos, por motivos particulares, para as reuniões de indivíduos?  “Os Espíritos preferem estar no meio dos que se lhes  assemelham. Acham-se aí mais à vontade e mais certos de  serem ouvidos. É pelas suas tendências que o homem atrai  os Espíritos e isso quer esteja só, quer faça parte de um  todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade, ou um povo.  Portanto, as sociedades, as cidades e os povos são, de acordo  com as paixões e o caráter neles predominantes, assistidos  por Espíritos mais ou menos elevados. Os Espíritos imperfeitos se afastam dos que os repelem. Segue-se que o aperfeiçoamento moral das coletividades, como o dos indivíduos,  tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que  estimulam e alimentam nelas o sentimento do bem, como  outros lhes podem insuflar as paixões grosseiras.”
  519. As aglomerações de indivíduos, como as sociedades,  as cidades, as nações, têm Espíritos protetores  especiais?  “Têm, pela razão de que esses agregados são individualidades coletivas que, caminhando para um objetivo  comum, precisam de uma direção superior.”
  520. Os Espíritos protetores das coletividades são de natureza mais elevada do que os que se ligam aos  indivíduos?  “Tudo é relativo ao grau de adiantamento, quer se trate de coletividades, quer de indivíduos.”
  521. Podem certos Espíritos auxiliar o progresso das artes,  protegendo os que às artes se dedicam?  “Há Espíritos protetores especiais e que assistem os  que os invocam, quando dignos dessa assistência. Que que-  res, porém, que façam com os que julgam ser o que não  são? Não lhes cabe fazer que os cegos vejam, nem que os  surdos ouçam.”
  522. O pressentimento é sempre um aviso do Espírito protetor?  “É o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos  quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja  feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, tem o Espírito  conhecimento das fases principais de sua existência, isto  é, do gênero das provas a que se submete. Tendo estas  caráter assinalado, ele conserva, no seu foro íntimo, uma  espécie de impressão de tais provas e esta impressão, que é  a voz do instinto, fazendo-se ouvir quando lhe chega o momento de sofrê-las, se torna pressentimento.”
  523. Acontecendo que os pressentimentos e a voz do instinto são sempre algum tanto vagos, que devemos fazer,  na incerteza em que ficamos?  “Quando te achares na incerteza, invoca o teu bom  Espírito, ou ora a Deus, soberano senhor de todos, e ele te  enviará um de seus mensageiros, um de nós.”
  524. Os avisos dos Espíritos protetores objetivam unicamente o nosso procedimento moral, ou também o proceder  que devamos adotar nos assuntos da vida particular?  “Tudo. Eles se esforçam para que vivais o melhor possível. Mas, quase sempre tapais os ouvidos aos avisos salutares e vos tornais desgraçados por culpa vossa.”
  525. Exercem os Espíritos alguma influência nos acontecimentos da vida?  “Certamente, pois que vos aconselham.”
  525a) — Exercem essa influência por outra forma que não  apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação  direta sobre o cumprimento das coisas?  “Sim, mas nunca atuam fora das leis da Natureza.”
  526. Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o objetivo de que se  dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que  morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre  da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada,  para que o destino daquele homem se cumprisse?  “É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria,  mas para cumprimento das leis da Natureza, não para as  derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo  que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para suportar o peso de  um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal  maneira, os Espíritos lhe inspirariam a idéia de subir a  escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso,  resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que  para isso fosse mister a produção de um milagre.”
  527. Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria  em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore.  Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os  Espíritos que provocaram a produção do raio e que o  dirigiram para o homem?  “Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre  aquela árvore em tal momento, porque estava nas leis da  Natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para  a árvore, por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi  inspirada a idéia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre  a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser  atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.”
  528. No caso de uma pessoa mal-intencionada disparar sobre outra um projetil que apenas lhe passe perto sem a  atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso  haja desviado o projetil?  “Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse  modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a idéia de se desviar,  ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a  fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma,  o projetil segue a linha que tem de percorrer.”
  529. Que se deve pensar das balas encantadas, de que falam algumas lendas e que fatalmente atingem o alvo?  “Pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e  não se contenta com as maravilhas da Natureza.”
  529a) — Podem os Espíritos que dirigem os acontecimentos  terrenos ter obstada sua ação por Espíritos que queiram o  contrário?  “O que Deus quer se executa. Se houver demora na  execução, ou lhe surjam obstáculos, é porque ele assim o  quis.”
  530. Não podem os Espíritos levianos e zombeteiros criar  pequenos embaraços à realização dos nossos projetos  e transtornar as nossas previsões? Serão eles, numa  palavra, os causadores do que chamamos pequenas  misérias da vida humana?  “Eles se comprazem em vos causar aborrecimentos que  representam para vós provas destinadas a exercitar a vossa paciência. Cansam-se, porém, quando vêem que nada  conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado,  imputar-lhes todas as decepções que experimentais e de  que sois os principais culpados pela vossa irreflexão. Fica  certo de que, se a tua louça se quebra, é mais por desazo  teu do que por culpa dos Espíritos.”
  530a) — Destes, os que provocam contrariedades obram  impelidos por animosidade pessoal, ou assim procedem contra qualquer, sem motivo determinado, por pura malícia?  “Por uma e outra coisa. Às vezes os que assim vos molestam são inimigos que granjeastes nesta ou em precedente existência. Doutras vezes, nenhum motivo há.”
  531. Extingue-se-lhes com a vida corpórea a malevolência  dos seres que nos fizeram mal na Terra?  “Muitas vezes reconhecem a injustiça com que procederam e o mal que causaram. Mas, também, não é raro que  continuem a perseguir-vos, cheios de animosidade, se Deus  o permitir, por ainda vos experimentar.”
  531a) — Pode-se pôr termo a isso? Por que meio?  “Podeis. Orando por eles e lhes retribuindo o mal com  o bem, acabarão compreendendo a injustiça do proceder  deles. Demais, se souberdes colocar-vos acima de suas maquinações, deixar-vos-ão, por verificarem que nada lucram.”
  532. Têm os Espíritos o poder de afastar de certas pessoas  os males e de favorecê-las com a prosperidade?  “De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-vos paciência e resignação.  “Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas  vezes poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los.  A inteligência, Deus vo-la outorgou para que dela vos sirvais  e é principalmente por meio da vossa inteligência que os  Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos idéias propícias ao  vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-se a si mesmos. Esse o sentido destas palavras: Buscai  e achareis, batei e se vos abrirá.  “Sabei ainda que nem sempre é um mal o que vos parece sê-lo. Freqüentemente, do que considerais um mal sairá  um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso,  porque só atentais no momento presente ou na vossa  própria pessoa.”
  533. Podem os Espíritos fazer que obtenham riquezas os  que lhes pedem que assim aconteça?  “Algumas vezes, como prova. Quase sempre, porém,  recusam, como se recusa à criança a satisfação de um  pedido inconsiderado.”
  533a) — São os bons ou os maus Espíritos que concedem  esses favores?  “Uns e outros. Depende da intenção. As mais das vezes, entretanto, os que os concedem são os Espíritos que  vos querem arrastar para o mal e que encontram meio fácil  de o conseguirem, facilitando-vos os gozos que a riqueza  proporciona.”
  534. Será por influência de algum Espírito que, fatalmente,  a realização dos nossos projetos parece encontrar  obstáculos?  “Algumas vezes é isso efeito da ação dos Espíritos; muito  mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e  na execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos a posição e o caráter do indivíduo. Se vos obstinais em  ir por um caminho que não deveis seguir, os Espíritos nenhuma culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos  constituís em vossos maus gênios.”
  535. Quando algo de venturoso nos sucede é ao Espírito  nosso protetor que devemos agradecê-lo?  “Agradecei primeiramente a Deus, sem cuja permissão  nada se faz; depois, aos bons Espíritos que foram os  agentes da sua vontade.”
  535a) — Que sucederia se nos esquecêssemos de  agradecer?  “O que sucede aos ingratos.”
  535b) — No entanto, pessoas há que não pedem nem agradecem e às quais tudo sai bem!  “Assim é, de fato, mas importa ver o fim. Pagarão bem  caro essa felicidade de que não são merecedoras, pois quanto  mais houverem recebido, tanto maiores contas terão que  prestar.”
  536. São devidos a causas fortuitas, ou, ao contrário, têm  todos um fim providencial, os grandes fenômenos da  Natureza, os que se consideram como perturbação dos  elementos?  “Tudo tem uma razão de ser e nada acontece sem a  permissão de Deus.”
  536a) — Objetivam sempre o homem esses fenômenos?  “Às vezes têm, como imediata razão de ser, o homem.  Na maioria dos casos, entretanto, têm por único motivo o  restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças  físicas da Natureza.”
  536b) — Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus  seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo  que os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os  agentes da vontade de Deus, perguntamos se alguns dentre  eles não exercerão certa influência sobre os elementos para  os agitar, acalmar ou dirigir?  “Mas, evidentemente. Nem poderia ser de outro modo.  Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra  agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.”
  537. A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em  idéias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam  esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é totalmente destituída de  fundamento?  “Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está  muito aquém da verdade.”
  537a) — Poderá então haver Espíritos que habitem o interior da Terra e presidam aos fenômenos geológicos?  “Tais Espíritos não habitam positivamente a Terra.  Presidem aos fenômenos e os dirigem de acordo com as  atribuições que têm. Dia virá em que recebereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor.”
  538. Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza?  Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?  “Que foram ou que o serão.”
  538a) — Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou  às inferiores da hierarquia espírita?  “Isso é conforme seja mais ou menos material, mais  ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais  são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como  entre os homens.”
  539. A produção de certos fenômenos, das tempestades, por  exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los?  “Reúnem-se em massas inumeráveis.”
  540. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza operam com conhecimento de causa, usando do  livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido  impulso?  “Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a  pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas  que não há aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia  geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. Pois bem, do  mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes  que tenham plena consciência de seus atos e estejam no  gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos,  de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois,  poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo.  Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito  ainda não pode apreender em seu conjunto!”
  541. Durante uma batalha, há Espíritos assistindo e  amparando cada um dos exércitos?  “Sim, e que lhes estimulam a coragem.”
  542. Estando, numa guerra, a justiça sempre de um dos lados, como pode haver Espíritos que tomem o partido  dos que se batem por uma causa injusta?  “Bem sabeis haver Espíritos que só se comprazem na  discórdia e na destruição. Para esses, a guerra é a guerra.  A justiça da causa pouco os preocupa.”
  543. Podem alguns Espíritos influenciar o general na  concepção de seus planos de campanha?  “Sem dúvida alguma. Podem influenciá-lo nesse sentido, como com relação a todas as concepções.”
  544. Poderiam maus Espíritos suscitar-lhe planos errôneos  com o fim de levá-lo à derrota?  “Podem; mas, não tem ele o livre-arbítrio? Se não tiver  critério bastante para distinguir uma idéia falsa, sofrerá as  conseqüências e melhor faria se obedecesse, em vez de  comandar.”
  545. Pode, alguma vez, o general ser guiado por uma espécie de dupla vista, por uma visão intuitiva, que lhe  mostre de antemão o resultado de seus planos?  “Isso se dá amiúde com o homem de gênio. É o que ele  chama inspiração e o que faz que obre com uma espécie de  certeza. Essa inspiração lhe vem dos Espíritos que o dirigem, os quais se aproveitam das faculdades de que o vêem  dotado.”
  546. No tumulto dos combates, que se passa com os Espíritos dos que sucumbem? Continuam, após a morte, a  interessar-se pela batalha?  “Alguns continuam a interessar-se, outros se afastam.”
  547. Após a morte, os Espíritos, que como vivos se guerreavam, continuam a considerar-se inimigos e se conservam encarniçados uns contra os outros?  “Nessas ocasiões, o Espírito nunca está calmo. Pode  acontecer que nos primeiros instantes depois da morte ainda odeie o seu inimigo e mesmo o persiga. Quando, porém,  se lhe restabelece a serenidade nas idéias, vê que nenhum  fundamento há mais para sua animosidade. Contudo, não  é impossível que dela guarde vestígios mais ou menos  fortes, conforme o seu caráter.”
  547a) — Continua a ouvir o rumor da batalha?  “Perfeitamente.”
  548. O Espírito que, como espectador, assiste calmamente  a um combate observa o ato de separar-se a alma do  corpo? Como é que esse fenômeno se lhe apresenta à  observação?  “Raras são as mortes verdadeiramente instantâneas.  Na maioria dos casos, o Espírito, cujo corpo acaba de ser  mortalmente ferido, não tem consciência imediata desse  fato. Somente quando ele começa a reconhecer a nova condição em que se acha, é que os assistentes podem distingui-lo, a mover-se ao lado do cadáver. Parece isso tão natural, que nenhum efeito desagradável lhe causa a vista do  corpo morto. Tendo-se a vida toda concentrado no Espírito,  só ele prende a atenção dos outros. É com ele que estes  conversam, ou a ele é que fazem determinações.”
  549. Algo de verdade haverá nos pactos com os maus  Espíritos?  “Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que  simpatizam com os maus Espíritos. Por exemplo: queres  atormentar o teu vizinho e não sabes como hás de fazer.  Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só  querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também  os sirvas em seus maus desígnios. Mas, não se segue que o  teu vizinho não possa livrar-se deles por meio de uma conjuração oposta e pela ação da sua vontade. Aquele que intenta praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar  essa intenção, chama em seu auxílio maus Espíritos, aos  quais fica então obrigado a servir, porque dele também precisam esses Espíritos, para o mal que queiram fazer. Nisto  apenas é que consiste o pacto.”
  550. Qual o sentido das lendas fantásticas em que figuram  indivíduos que teriam vendido suas almas a Satanás  para obterem certos favores?  “Todas as fábulas encerram um ensinamento e um sentido moral. O vosso erro consiste em tomá-las ao pé da  letra. Isso a que te referes é uma alegoria, que se pode explicar desta maneira: aquele que chama em seu auxílio os  Espíritos, para deles obter riquezas, ou qualquer outro favor, rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que  recebeu e às provas que lhe cumpre suportar neste mundo.  Sofrerá na vida futura as conseqüências desse ato. Não quer  isto dizer que sua alma fique para sempre condenada à  desgraça. Mas, desde que, em lugar de se desprender da  matéria, nela cada vez se enterra mais, não terá, no mundo  dos Espíritos, a satisfação de que haja gozado na Terra, até  que tenha resgatado a sua falta, por meio de novas provas,  talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor dos  gozos materiais, na dependência dos Espíritos impuros.  Estabelece-se assim, tacitamente, entre estes e o delinqüente, um pacto que o leva à sua perda, mas que lhe será sempre fácil romper, se o quiser firmemente, granjeando a  assistência dos bons Espíritos.”
  551. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?  “Não; Deus não o permitiria.”
  552. Que se deve pensar da crença no poder, que certas  pessoas teriam, de enfeitiçar?  “Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos maus. Não creias, porém,  num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação  de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis  da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência  desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.”
  553. Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do  concurso dos Espíritos?  “O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé.  No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra  sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem  talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas  coisas materiais.”
  553a) — Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado,  eles próprios, fórmulas cabalísticas?  “Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio  dos quais se fazem os chamados conjuros. Mas, ficai certos  de que são Espíritos que de vós outros escarnecem e  zombam da vossa credulidade.”
  554. Não pode aquele que, com ou sem razão, confia no que  chama a virtude de um talismã, atrair um Espírito, por  efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que  atua é o pensamento, não passando o talismã de um  sinal que apenas lhe auxilia a concentração?  “É verdade; mas, da pureza da intenção e da elevação  dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é  atraído. Ora, muito raramente aquele que seja bastante simplório para acreditar na virtude de um talismã deixará de  colimar um fim mais material do que moral. Qualquer, porém, que seja o caso, essa crença denuncia uma inferioridade e uma fraqueza de idéias que favorecem a ação dos  Espíritos imperfeitos e escarninhos.”
  555. Que sentido se deve dar ao qualificativo de feiticeiro?  “Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas que,  quando de boa-fé, gozam de certas faculdades, como sejam  a força magnética ou a dupla vista. Então, como fazem coisas geralmente incompreensíveis, são tidas por dotadas de  um poder sobrenatural. Os vossos sábios não têm passado  muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos ignorantes?”
  556. Têm algumas pessoas, verdadeiramente, o poder de  curar pelo simples contacto?  “A força magnética pode chegar até aí, quando secundada pela pureza dos sentimentos e por um ardente desejo  de fazer o bem, porque então os bons Espíritos lhe vêm em  auxílio. Cumpre, porém, desconfiar da maneira pela qual  contam as coisas pessoas muito crédulas e muito entusiastas, sempre dispostas a considerar maravilhoso o que  há de mais simples e mais natural. Importa desconfiar também das narrativas interesseiras, que costumam fazer os  que exploram, em seu proveito, a credulidade alheia.”
  557. Podem a bênção e a maldição atrair o bem e o mal  para aquele sobre quem são lançadas?  “Deus não escuta a maldição injusta e culpado perante ele se torna o que a profere. Como temos os dois gênios  opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela objeto. Demais, o  que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados  os bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da  senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito,  senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão  aquele que a merece.”
  558. Alguma outra coisa incumbe aos Espíritos fazer, que  não seja melhorarem-se pessoalmente?  “Concorrem para a harmonia do Universo, executando  as vontades de Deus, cujos ministros eles são. A vida espírita é uma ocupação contínua, mas que nada tem de penosa, como a vida na Terra, porque não há a fadiga corporal,  nem as angústias das necessidades.”
  559. Também desempenham função útil no Universo os  Espíritos inferiores e imperfeitos?  “Todos têm deveres a cumprir. Para a construção de  um edifício, não concorre tanto o último dos serventes  de pedreiro, como o arquiteto?”
  560. Tem atribuições especiais cada Espírito?  “Todos temos que habitar em toda parte e adquirir o  conhecimento de todas as coisas, presidindo sucessivamente  ao que se efetua em todos os pontos do Universo. Mas,  como diz o Eclesiastes, há tempo para tudo. Assim, tal Espírito cumpre hoje neste mundo o seu destino, tal outro  cumprirá ou já cumpriu o seu, em época diversa, na terra,  na água, no ar, etc.”
  561. São permanentes para cada um e estão nas atribuições exclusivas de certas classes as funções que os  Espíritos desempenham na ordem das coisas?  “Todos têm que percorrer os diferentes graus da escala, para se aperfeiçoarem. Deus, que é justo, não poderia  ter dado a uns a ciência sem trabalho, destinando outros a  só a adquirirem com esforço.”
  562. Já não tendo o que adquirir, os Espíritos da ordem mais  elevada se acham em repouso absoluto, ou também  lhes tocam ocupações?  “Que quererias que fizessem na eternidade? A  ociosidade eterna seria um eterno suplício.”
  562a) — De que natureza são as suas ocupações?  “Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las  ao Universo inteiro e velar por que sejam cumpridas.”
  563. São incessantes as ocupações dos Espíritos?  “Incessantes, sim, atendendo-se a que sempre ativos  são os seus pensamentos, porquanto vivem pelo pensamen-  to. Importa, porém, não identifiqueis as ocupações dos Espíritos com as ocupações materiais dos homens. Essa mesma atividade lhes constitui um gozo, pela consciência que  têm de ser úteis.”
  563a) — Concebe-se isto com relação aos bons Espíritos.  Dar-se-á, entretanto, o mesmo com os Espíritos inferiores?  “A estes cabem ocupações apropriadas à sua natureza. Confiais, porventura, ao obreiro manual e ao ignorante  trabalhos que só o homem instruído pode executar?”
  564. Haverá Espíritos que se conservem ociosos, que em  coisa alguma útil se ocupem?  “Há, mas esse estado é temporário e dependendo do  desenvolvimento de suas inteligências. Há, certamente,  como há homens que só para si mesmos vivem. Pesa-lhes,  porém, essa ociosidade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhes faz necessária a atividade e felizes se sentirão  por poderem tornar-se úteis. Referimo-nos aos Espíritos  que hão chegado ao ponto de terem consciência de si mesmos e do seu livre-arbítrio; porquanto, em sua origem, todos são quais crianças que acabam de nascer e que obram  mais por instinto que por vontade expressa.”
  565. Atentam os Espíritos em nossos trabalhos de arte e  por eles se interessam?  “Atentam no que prove a elevação dos Espíritos e seus  progressos.”
  566. Um Espírito, que haja cultivado na Terra uma especialidade artística, que tenha sido, por exemplo, pintor, ou  arquiteto, se interessa de preferência pelos trabalhos que  constituíram objeto de sua predileção durante a vida?  “Tudo se confunde num objetivo geral. Se for um Espírito bom, esses trabalhos o interessarão na medida do ensejo que lhe proporcionem de auxiliar as almas a se elevarem para Deus. Demais, esqueceis que um Espírito que  cultivou certa arte, na existência em que o conhecestes,  pode ter cultivado outra em anterior existência, pois que  lhe cumpre saber tudo para ser perfeito. Assim, conforme o  grau do seu adiantamento, pode suceder que nada seja para  ele uma especialidade. Foi o que eu quis significar, dizendo  que tudo se confunde num objetivo geral. Notai ainda o  seguinte: o que, no vosso mundo atrasado, considerais sublime, não passa de infantilidade, comparado ao que há em  mundos mais adiantados. Como pretenderíeis que os Espíritos que habitam esses mundos, onde existem artes que  desconheceis, admirem o que, aos seus olhos, corresponde  a trabalhos de colegiais? Por isso disse eu: atentam no que  demonstre progresso.”
  566a) — Concebemos que seja assim, em se tratando de  Espíritos muito adiantados. Referimo-nos, porém, a Espíritos mais vulgares, que ainda se não elevaram acima das  idéias terrenas.  “Com relação a esses, o caso é diferente. Mais restrito  é o ponto de vista donde observam as coisas. Podem,  portanto, admirar o que vos cause admiração.”
  567. Costumam os Espíritos imiscuir-se em nossos  prazeres e ocupações?  “Os Espíritos vulgares, como dizes, costumam. Esses  vos rodeiam constantemente e com freqüência tomam par-  te muito ativa no que fazeis, de conformidade com suas  naturezas. Cumpre assim aconteça, porque, para serem os  homens impelidos pelas diversas veredas da vida, necessário é que se lhes excitem ou moderem as paixões.”
  568. Os Espíritos, que têm missões a cumprir, as cumprem  na erraticidade, ou encarnados?  “Podem tê-las num e noutro estado. Para certos Espíritos errantes, é uma grande ocupação.”
  569. Em que consistem as missões de que podem ser encarregados os Espíritos errantes?  “São tão variadas que impossível fora descrevê-las.  Muitas há mesmo que não podeis compreender. Os Espíritos executam as vontades de Deus e não vos é dado  penetrar-lhe todos os desígnios.”
  570. Os Espíritos percebem sempre os desígnios que lhes  compete executar?  “Não. Muitos há que são instrumentos cegos. Outros,  porém, sabem muito bem com que fim atuam.”
  571. Só os Espíritos elevados desempenham missões?  “A importância das missões corresponde às capacidades e à elevação do Espírito. O estafeta que leva um telegrama ao seu destinatário também desempenha uma perfeita  missão, se bem que diversa da de um general.”
  572. A missão de um Espírito lhe é imposta, ou depende da  sua vontade?  “Ele a pede e ditoso se considera se a obtém.”
  572a) — Pode uma igual missão ser pedida por muitos  Espíritos?  “Sim, é freqüente apresentarem-se muitos candidatos,  mas nem todos são aceitos.”
  573. Em que consiste a missão dos Espíritos encarnados?  “Em instruir os homens, em lhes auxiliar o progresso;  em lhes melhorar as instituições, por meios diretos e materiais. As missões, porém, são mais ou menos gerais e im-  portantes. O que cultiva a terra desempenha tão nobre missão, como o que governa, ou o que instrui. Tudo em a Natureza se encadeia. Ao mesmo tempo que o Espírito se depura pela encarnação, concorre, dessa forma, para a  execução dos desígnios da Providência. Cada um tem neste  mundo a sua missão, porque todos podem ter alguma  utilidade.”
  574. Qual pode ser, na Terra, a missão das criaturas  voluntariamente inúteis?  “Há efetivamente pessoas que só para si mesmas vivem e que não sabem tornar-se úteis ao que quer que seja.  São pobres seres dignos de compaixão, porquanto expiarão  duramente sua voluntária inutilidade, começando-lhes muitas vezes, já neste mundo, o castigo, pelo aborrecimento e  pelo desgosto que a vida lhes causa.”
  574a) — Pois que lhes era facultada a escolha, por que preferiram uma existência que nenhum proveito lhes traria?  “Entre os Espíritos também há preguiçosos que  recuam diante de uma vida de labor. Deus consente que assim  procedam. Mais tarde compreenderão, à própria  custa, os inconvenientes da inutilidade a que se votaram e  serão os primeiros a pedir que se lhes conceda recuperar o  tempo perdido. Pode também acontecer que tenham escolhido  uma vida útil e que hajam recuado diante da execução da  obra, deixando-se levar pelas sugestões dos Espíritos que  os induzem a permanecer na ociosidade.”
  575. As ocupações comuns mais nos parecem deveres do  que missões propriamente ditas. A missão, de acordo  com a idéia a que esta palavra está associada, tem um  caráter menos exclusivo, de importância sobretudo  menos pessoal. Deste ponto de vista, como se pode  reconhecer que um homem tem realmente na Terra uma  determinada missão?  “Pelas grandes coisas que opera, pelos progressos a  cuja realização conduz seus semelhantes.”
  576. Foram predestinados a isso, antes de nascerem, os  homens que trazem uma importante missão e dela têm  conhecimento?  “Algumas vezes, assim é. Quase sempre, porém, o ignoram. Baixando à Terra, colimam um vago objetivo. Depois do nascimento e de acordo com as circunstâncias é  que suas missões se lhes desenham às vistas. Deus os impele para a senda onde devam executar-lhe os desígnios.”
  577. Quando um homem faz alguma coisa útil fá-la sempre  em virtude da missão em que foi anteriormente investido e a que vem predestinado, ou pode suceder que  haja recebido missão não prevista?  “Nem tudo o que o homem faz resulta de missão a que  tenha sido predestinado. Amiudadas vezes é o instrumento  de que se serve um Espírito para fazer que se execute uma  coisa que julga útil. Por exemplo, entende um Espírito ser  útil que se escreva um livro, que ele próprio escreveria se  estivesse encarnado. Procura então o escritor mais apto a  lhe compreender e executar o pensamento. Transmite-lhe  a idéia do livro e o dirige na execução. Ora, esse escritor  não veio à Terra com a missão de publicar tal obra. O  mesmo ocorre com diversos trabalhos artísticos e muitas  descobertas. Devemos acrescentar que, durante o sono corporal, o Espírito encarnado se comunica diretamente com o  Espírito errante, entendendo-se os dois acerca da execução.”
  578. Poderá o Espírito, por própria culpa, falir na sua missão?  “Sim, se não for um Espírito superior.”
  578a) — Que conseqüências lhe advirão da sua falência?  “Terá que retomar a tarefa; essa a sua punição. Também sofrerá as conseqüências do mal que haja causado.”
  579. Pois se é de Deus que o Espírito recebe a sua missão,  como se há de compreender que Deus confie missão  importante e de interesse geral a um Espírito capaz  de falir?  “Não sabe Deus se o seu general obterá a vitória ou se  será vencido? Sabe-o, crede, e seus planos, quando importantes, não se apóiam nos que hajam de abandonar em meio  a obra. Toda a questão, para vós, está no conhecimento que  Deus tem do futuro, mas que não vos é concedido.”
  580. O Espírito, que encarna para desempenhar determinada missão, tem apreensões idênticas às de outro  que o faz por provação?  “Não, porque traz a experiência adquirida.”
  581. Certamente desempenham missão os homens que servem de faróis ao gênero humano, que o iluminam com  a luz do gênio. Entre eles, porém, alguns há que se  enganam, que, de par com grandes verdades, propagam grandes erros. Como se deve considerar a missão  desses homens?  “Como falseadas por eles próprios. Estão abaixo da  tarefa que tomaram sobre os ombros. Contudo, mister se  faz levar em conta as circunstâncias. Os homens de gênio  têm que falar de acordo com as épocas em que vivem e,  assim, um ensinamento que pareceu errôneo ou pueril,  numa época adiantada, pode ter sido o que convinha no  século em que foi divulgado.”
  582. Pode-se considerar como missão a paternidade?  “É, sem contestação possível, uma verdadeira missão.  É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais  do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto  ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim  de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a  tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que  o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de  formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por  culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura,  por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que  ele avançasse na estrada do bem.”
  583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um  filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos  cuidados que lhe dispensaram?  “Não; porém, quanto piores forem as propensões do  filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito  dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”
  583a) — Se um filho se torna homem de bem, não obstante  a negligência ou os maus exemplos de seus pais, tiram estes  daí algum proveito?  “Deus é justo.”
  584. De que natureza será a missão do conquistador que  apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar esse objetivo, não vacila ante nenhuma das  calamidades que vai espalhando?  “As mais das vezes não passa de um instrumento de  que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios,  representando essas calamidades um meio de que ele se  utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente.”
  584a) — Nenhuma parte tendo na produção do bem que  dessas calamidades passageiras possa resultar, pois que  visava um fim todo pessoal, aquele que delas se constitui  instrumento tirará, não obstante, proveito desse bem?  “Cada um é recompensado de acordo com as suas  obras, com o bem que intentou fazer e com a retidão de  suas intenções.”
  585. Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou  melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a  dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana  forma uma quarta classe. Qual destas divisões é  preferível?  “Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto  de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos.  Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.”
  586. Têm as plantas consciência de que existem?  “Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”
  587. Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam?  “Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm percepções. Conseguintemente, não têm  a sensação da dor.”
  588. Independe da vontade delas a força que as atrai umas  para as outras?  “Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica  da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam  a isso opor-se.”
  589. Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por  exemplo, executam movimentos que denotam grande  sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade, conforme se observa na segunda, cujos lóbulos  apanham a mosca que sobre ela pousa para sugá-la,  parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas da faculdade de pensar? Têm vontade e formam  uma classe intermediária entre a Natureza vegetal e a  Natureza animal? Constituem a transição de uma  para outra?  “Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que  uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se  prendem umas às outras. As plantas não pensam; por conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem  os zoófitos pensam: têm apenas um instinto cego e natural.”
  590. Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de conservação, que as induza a procurar o que lhes  possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo?  “Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo isso da extensão que se dê ao significado desta palavra.  É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas  operações químicas, observais que dois corpos se reúnem,  é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles  afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”
  591. Nos mundos superiores, as plantas são de natureza  mais perfeita, como os outros seres?  “Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre  plantas, como os animais sempre animais e os homens  sempre homens.”
  592. Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso? “A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e  outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro.  O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas  vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é  como os animais e menos bem-dotado do que muitos destes. A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a  inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói,  como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só  ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais  mais do que os brutos! não sabeis distinguir-vos deles?  Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.”
  593. Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?  “Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria  dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos  obram denotando acentuada vontade? É que têm  inteligência, porém limitada.”
  594. Têm os animais alguma linguagem?  “Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e  palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si,  têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que  imaginais. Mas, essa mesma linguagem de que dispõem é  restrita às necessidades, como restritas também são as  idéias que podem ter.”
  594a) — Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses  parece que nenhuma linguagem usam, não?  “Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes  da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida de  relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de  exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que  os peixes não se entendem entre si? O homem não goza do  privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é  instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e idéias,  ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas  as concepções da sua inteligência.”
  595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos  seus atos?  “Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à  do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os  mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita  aos atos da vida material.”
  596. Donde procede a aptidão que certos animais denotam  para imitar a linguagem do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no macaco, por  exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia  com a humana?  “Origina-se de uma particular conformação dos órgãos  vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita  os gestos; algumas aves imitam a voz.”
  597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes  faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum  princípio independente da matéria?  “Há e que sobrevive ao corpo.”
  597a) — Será esse princípio uma alma semelhante à  do homem?  “É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto  do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do  homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”
  598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua  individualidade e a consciência de si mesma?  “Conserva sua individualidade; quanto à consciência  do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado  latente.”
  599. À alma dos animais é dado escolher a espécie de  animal em que encarne?  “Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”
  600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do  animal vem a achar-se, depois da morte, num estado  de erraticidade, como a do homem?  “Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais  se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O  Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre  vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A  consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classifi-  cado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar  em relação com outras criaturas.”
  601. Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei  progressiva?  “Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os  homens são mais adiantados, os animais também o são,  dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”
  602. Os animais progridem, como o homem, por ato da  própria vontade, ou pela força das coisas?  “Pela força das coisas, razão por que não estão  sujeitos à expiação.”
  603. Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus?  “Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os  Espíritos eram deuses para o homem.”
  604. Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores  ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais  perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de  progresso que todas as suas obras revelam.  “Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda  não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais  díspares têm pontos de contacto que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço  da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente quando  essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento  e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas idéias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e  acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante  leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de  corresponder à sublime sabedoria do Criador.”
  604a) — A inteligência é então uma propriedade comum,  um ponto de contacto entre a alma dos animais e a  do homem?  “É, porém os animais só possuem a inteligência da  vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida  moral.”
  605. Considerando-se todos os pontos de contacto que existem entre o homem e os animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e  a alma espírita e que, se esta última não existisse, só  como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal  é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma  espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons  e os maus instintos do homem efeito da predominância de uma ou outra dessas almas?  “Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém,  tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos  órgãos. Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua  alma, participa da dos Espíritos.”
  605a) — De modo que, além de suas próprias imperfeições  de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem  que lutar contra a influência da matéria?  “Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O  homem não tem duas almas; a alma é sempre única em  cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a  do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o  corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma  animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao nível deles,  por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de  instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado  que a sua conservação requer.”
  606. Donde tiram os animais o princípio inteligente que  constitui a alma de natureza especial de que são dotados?  “Do elemento inteligente universal.”
  606a) — Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais?  “Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por  uma elaboração que a coloca acima da que existe no  animal.”
  607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na  sua origem, corresponde ao estado da infância na vida  corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se  ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa  primeira fase do seu desenvolvimento?  “Numa série de existências que precedem o período a  que chamais Humanidade.”
  607a) — Parece que, assim, se pode considerar a alma como  tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da  criação, não?  “Já não dissemos que tudo em a Natureza se encadeia  e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais  longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora,  se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho  preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o  princípio inteligente sofre uma transformação e se torna  Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos.  Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão  humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes  nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe  seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua  impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e  para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do  Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável  harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza.  Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e  criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da sua  bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.”
  607b) — Esse período de humanização principia na Terra?  “A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto,  não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um  Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na  Terra. Não é freqüente o caso; constitui antes uma exceção.”
  608. O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de  suas existências anteriores ao período de humanidade?  “Não, pois não é desse período que começa a sua vida  de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se  lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno. Essa a razão  por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”
  609. Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer: do  estado em que se achava no período a que se poderia  chamar ante-humano?  “Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode  ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por  brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se  efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade.  Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito  adquire mais perfeita consciência de si mesmo.”
  610. Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem da criação?  “Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais,  há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O  homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que podem conhecê-lo.”
  611. O terem os seres vivos uma origem comum no princípio  inteligente não é a consagração da doutrina da  metempsicose?  “Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no gérmen  informe que se contém na semente donde ela surge? Desde  que o princípio inteligente atinge o grau necessário para  ser Espírito e entrar no período da humanização, já não  guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma  dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal  só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à  matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a  metempsicose, como a entendem, não é verdadeira.”
  612. Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o  corpo de um homem?  “Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O  rio não remonta à sua nascente.”
  613. Embora de todo errônea, a idéia ligada à metempsicose não terá resultado do sentimento intuitivo que o  homem possui de suas diferentes existências?  “Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse  sentimento intuitivo. O homem, porém, o desnaturou, como  costuma fazer com a maioria de suas idéias intuitivas.”
  614. Que se deve entender por lei natural?  “A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira  para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou  deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”
  615. É eterna a lei de Deus?  “Eterna e imutável como o próprio Deus.”
  616. Será possível que Deus em certa época haja prescrito  aos homens o que noutra época lhes proibiu?  “Deus não se engana. Os homens é que são obrigados  a modificar suas leis, por imperfeitas. As de Deus, essas  são perfeitas. A harmonia que reina no universo material,  como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por  Deus desde toda a eternidade.”
  617. As leis divinas, que é o que compreendem no seu  âmbito? Concernem a alguma outra coisa, que não somente ao procedimento moral?  “Todas as da Natureza são leis divinas, pois que Deus  é o autor de tudo. O sábio estuda as leis da matéria, o  homem de bem estuda e pratica as da alma.”
  617a) — Dado é ao homem aprofundar umas e outras?  “É, mas uma única existência não lhe basta para isso.”
  618. São as mesmas, para todos os mundos, as leis  divinas?  “A razão está a dizer que devem ser apropriadas à natureza de cada mundo e adequadas ao grau de progresso  dos seres que os habitam.”
  619. A todos os homens facultou Deus os meios de  conhecerem sua lei?  “Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de bem e os que se decidem a  investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que  o progresso se efetue.”
  620. Antes de se unir ao corpo, a alma compreende melhor  a lei de Deus do que depois de encarnada?  “Compreende-a de acordo com o grau de perfeição que  tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao  corpo. Os maus instintos, porém, fazem ordinariamente que  o homem a esqueça.”
  621. Onde está escrita a lei de Deus?  “Na consciência.”
  621a) — Visto que o homem traz em sua consciência a lei de  Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada?  “Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe  fosse lembrada.”
  622. Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem  a sua lei?  “Indubitavelmente. Em todos os tempos houve homens  que tiveram essa missão. São Espíritos superiores, que  encarnam com o fim de fazer progredir a Humanidade.”
  623. Os que hão pretendido instruir os homens na lei de Deus  não se têm enganado algumas vezes, fazendo-os  transviar-se por meio de falsos princípios?  “Certamente hão dado causa a que os homens se transviassem aqueles que não eram inspirados por Deus e que,  por ambição, tomaram sobre si um encargo que lhes não  fora cometido. Todavia, como eram, afinal, homens de gênio, mesmo entre os erros que ensinaram, grandes  verdades muitas vezes se encontram.”
  624. Qual o caráter do verdadeiro profeta?  “O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado  por Deus. Podeis reconhecê-lo pelas suas palavras e pelos  seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do  mentiroso para ensinar a verdade.”
  625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao  homem, para lhe servir de guia e modelo?  “Jesus.”
  626. Só por Jesus foram reveladas as leis divinas e naturais? Antes do seu aparecimento, o conhecimento  dessas leis só por intuição os homens o tiveram?  “Já não dissemos que elas estão escritas por toda parte? Desde os séculos mais longínquos, todos os que meditaram sobre a sabedoria hão podido compreendê-las e  ensiná-las. Pelos ensinos, mesmo incompletos, que espalharam, prepararam o terreno para receber a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da natureza, possível  foi ao homem conhecê-las, logo que as quis procurar. Por  isso é que os preceitos que consagram foram, desde todos  os tempos, proclamados pelos homens de bem; e também  por isso é que elementos delas se encontram, se bem que  incompletos ou adulterados pela ignorância, na doutrina  moral de todos os povos saídos da barbárie.”
  627. Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de  Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão?  Terão que nos ensinar mais alguma coisa?  “Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os  tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se  torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que  aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos  são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando  os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da religião,  a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos  tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e  apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o  reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de  que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao  sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei  toda de amor e de caridade.”
  628. Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de  toda gente?  “Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade  é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a  pouco; do contrário, fica deslumbrado.  “Jamais permitiu Deus que o homem recebesse comunicações tão completas e instrutivas como as que hoje lhe  são dadas. Havia, como sabeis, na antiguidade alguns indivíduos possuidores do que eles próprios consideravam uma  ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que, aos  seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis  das leis que regem estes fenômenos, deveis compreender  que esses indivíduos apenas recebiam algumas verdades  esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria  dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não  há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição,  nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há  germens de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma  imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem  razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente  demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir grandemente para vossa instrução.”
  629. Que definição se pode dar da moral?  “A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus.  O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos,  porque então cumpre a lei de Deus.”
  630. Como se pode distinguir o bem do mal?  “O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal,  tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de  acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”
  631. Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é  bem do que é mal?  “Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe  deu a inteligência para distinguir um do outro.”
  632. Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o  bem quando em realidade pratica o mal?  “Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou  não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”
  633. A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade ou de solidariedade, é inaplicável ao proceder  pessoal do homem para consigo mesmo. Achará ele, na  lei natural, a regra desse proceder e um guia seguro?  “Quando comeis em excesso, verificais que isso vos faz  mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo de  que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A lei natural traça para o homem o  limite das suas necessidades. Se ele ultrapassa esse limite,  é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que  lhe diz — basta, evitaria a maior parte dos males, cuja  culpa lança à Natureza.”
  634. Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do  mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade  em melhores condições?  “Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e  ignorantes (
  635. Das diferentes posições sociais nascem necessidades  que não são idênticas para todos os homens. Não pa-  rece poder inferir-se daí que a lei natural não constitui  regra uniforme?  “Essas diferentes posições são da natureza das coisas  e conformes à lei do progresso. Isso não infirma a unidade  da lei natural, que se aplica a tudo.”
  636. São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?  “A lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal  depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem. Diferença só há quanto  ao grau da responsabilidade.”
  637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto,  se nutre de carne humana?  “Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem!  Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe  o que faz.”
  638. Parece, às vezes, que o mal é uma conseqüência da  força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em  que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até  mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há,  então, infração da lei de Deus?  “Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa  necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma  se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais  culpado é o homem, quando o pratica, porque melhor o  compreende.”
  639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o  colocam? Quais, nesse caso, os culpados?  “O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas  condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa  do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque,  cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas  também pelo mal a que tenha dado lugar.”
  640. Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do  mal praticado por outrem, é tão culpado quanto este?  “É como se o houvera praticado. Aproveitar do mal é  participar dele. Talvez não fosse capaz de praticá-lo; mas,  desde que, achando-o feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado, se pudera, ou se ousara.”
  641. Será tão repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo?  “Conforme. Há virtude em resistir-se voluntariamente  ao mal que se deseja praticar, sobretudo quando há possibilidade de satisfazer-se a esse desejo. Se apenas não o  pratica por falta de ocasião, é culpado quem o deseja.”
  642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição  futura, bastará que o homem não pratique o mal?  “Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças,  porquanto responderá por todo mal que haja resultado de  não haver praticado o bem.”
  643. Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem?  “Não há quem não possa fazer o bem. Somente o  egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se  esteja em relações com outros homens para que se tenha  ocasião de fazer o bem, e não há dia da existência que não  ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para  o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na  medida do possível, todas as vezes que o seu concurso  venha a ser necessário.”
  644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados  não representa a causa primária de muitos vícios e  crimes?  “Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se  à tentação para ter o mérito da resistência.”
  645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado  na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um  arrastamento quase irresistível?  “Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às  vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir  e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer  boa influência sobre os seus semelhantes.”
  646. Estará subordinado a determinadas condições o mérito do bem que se pratique? Por outra: será de  diferentes graus o mérito que resulta da prática do bem?  “O mérito do bem está na dificuldade em praticá-lo.  Nenhum merecimento há em fazê-lo sem esforço e quando  nada custe. Em melhor conta tem Deus o pobre que divide  com outro o seu único pedaço de pão, do que o rico que  apenas dá do que lhe sobra, disse-o Jesus, a propósito do  óbolo da viúva.”
  647. A lei de Deus se acha contida toda no preceito do amor  ao próximo, ensinado por Jesus?  “Certamente esse preceito encerra todos os deveres dos  homens uns para com os outros. Cumpre, porém, se lhes  mostre a aplicação que comporta, do contrário deixarão de  cumpri-lo, como o fazem presentemente. Demais, a lei natural abrange todas as circunstâncias da vida e esse preceito compreende só uma parte da lei. Aos homens são  necessárias regras precisas; os preceitos gerais e muito vagos  deixam grande número de portas abertas à interpretação.”
  648. Que pensais da divisão da lei natural em dez partes,  compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor  e caridade?  “Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés  e de natureza a abranger todas as circunstâncias da vida, o  que é essencial. Podes, pois, adotá-la, sem que, por isso,  tenha qualquer coisa de absoluta, como não o tem nenhum  dos outros sistemas de classificação, que todos dependem  do prisma pelo qual se considere o que quer que seja. A  última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao  homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que  resume todas as outras.”
  649. Em que consiste a adoração?  “Na elevação do pensamento a Deus. Deste, pela  adoração, aproxima o homem sua alma.”
  650. Origina-se de um sentimento inato a adoração, ou é  fruto de ensino?  “Sentimento inato, como o da existência de Deus. A  consciência da sua fraqueza leva o homem a curvar-se  diante daquele que o pode proteger.”
  651. Terá havido povos destituídos de todo sentimento de  adoração?  “Não, que nunca houve povos de ateus. Todos compreendem que acima de tudo há um Ente Supremo.”
  652. Poder-se-á considerar a lei natural como fonte  originária da adoração?  “A adoração está na lei natural, pois resulta de um  sentimento inato no homem. Por essa razão é que existe  entre todos os povos, se bem que sob formas diferentes.”
  653. Precisa de manifestações exteriores a adoração?  “A adoração verdadeira é do coração. Em todas as vossas ações, lembrai-vos sempre de que o Senhor tem sobre  vós o seu olhar.”
  653a) — Será útil a adoração exterior?  “Sim, se não consistir num vão simulacro. É sempre  útil dar um bom exemplo. Mas, os que somente por afetação e amor-próprio o fazem, desmentindo com o proceder a  aparente piedade, mau exemplo dão e não imaginam o mal  que causam.”
  654. Tem Deus preferência pelos que o adoram desta ou  daquela maneira?  “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração,  com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que  julgam honrá-lo com cerimônias que os não tornam  melhores para com os seus semelhantes.  “Todos os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele  atrai a si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer que  seja a forma sob que as exprimam.  “É hipócrita aquele cuja piedade se cifra nos atos exteriores. Mau exemplo dá todo aquele cuja adoração é  afetada e contradiz o seu procedimento.  “Declaro-vos que somente nos lábios e não na alma  tem religião aquele que professa adorar o Cristo, mas que é  orgulhoso, invejoso e cioso, duro e implacável para com  outrem, ou ambicioso dos bens deste mundo. Deus, que  tudo vê, dirá: o que conhece a verdade é cem vezes mais  culpado do mal que faz, do que o selvagem ignorante que  vive no deserto. E como tal será tratado no dia da justiça.  Se um cego, ao passar, vos derriba, perdoá-lo-eis; se for um  homem que enxerga perfeitamente bem, queixar-vos-eis e  com razão.  “Não pergunteis, pois, se alguma forma de adoração  há que mais convenha, porque equivaleria a perguntardes  se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que  noutro. Ainda uma vez vos digo: até ele não chegam os  cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”
  655. Merece censura aquele que pratica uma religião em que  não crê do fundo dalma, fazendo-o apenas pelo respeito humano e para não escandalizar os que pensam de  modo diverso?  “Nisto, como em muitas outras coisas, a intenção constitui a regra. Não procede mal aquele que, assim fazendo,  só tenha em vista respeitar as crenças de outrem. Procede  melhor do que um que as ridiculize, porque, então, falta à  caridade. Aquele, porém, que a pratique por interesse e por  ambição se torna desprezível aos olhos de Deus e dos homens. A Deus não podem agradar os que fingem humilhar-  -se diante dele tão-somente para granjear o aplauso dos  homens.”
  656. À adoração individual será preferível a adoração em  comum?  “Reunidos pela comunhão dos pensamentos e dos sentimentos, mais força têm os homens para atrair a si os bons  Espíritos. O mesmo se dá quando se reúnem para adorar a  Deus. Não creiais, todavia, que menos valiosa seja a adoração particular, pois que cada um pode adorar a Deus  pensando nele.”
  657. Têm, perante Deus, algum mérito os que se consagram  à vida contemplativa, uma vez que nenhum mal fazem  e só em Deus pensam?  “Não, porquanto, se é certo que não fazem o mal, também o é que não fazem o bem e são inúteis. Demais, não  fazer o bem já é um mal. Deus quer que o homem pense  nele, mas não quer que só nele pense, pois que lhe impôs  deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o tempo na  meditação e na contemplação nada faz de meritório aos  olhos de Deus, porque vive uma vida toda pessoal e inútil à  Humanidade e Deus lhe pedirá contas do bem que não  houver feito.”
  658. Agrada a Deus a prece?  “A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada  pelo coração, pois, para ele, a intenção é tudo. Assim, preferí-  vel lhe é a prece do íntimo à prece lida, por muito bela que  seja, se for lida mais com os lábios do que com o coração.  Agrada-lhe a prece, quando dita com fé, com fervor e sinceridade. Mas, não creiais que o toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que signifique, de sua parte, um  ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade.”
  659. Qual o caráter geral da prece?  “A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar  nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com  ele. A três coisas podemos propor-nos por meio da prece:  louvar, pedir, agradecer.”
  660. A prece torna melhor o homem?  “Sim, porquanto aquele que ora com fervor e confiança  se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe  envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que  jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.”
  660a) — Como é que certas pessoas, que oram muito, são,  não obstante, de mau-caráter, ciosas, invejosas, impertinentes, carentes de benevolência e de indulgência e até, algumas vezes, viciosas?  “O essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas  pessoas supõem que todo o mérito está na longura da prece e fecham os olhos para os seus próprios defeitos. Fazem  da prece uma ocupação, um emprego do tempo, nunca,  porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia, em tais casos, não é do remédio, sim da maneira por que o aplicam.”
  661. Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as  nossas faltas?  “Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só  o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor  prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.”
  662. Pode-se, com utilidade, orar por outrem?  “O Espírito de quem ora atua pela sua vontade de praticar o bem. Atrai a si, mediante a prece, os bons Espíritos  e estes se associam ao bem que deseje fazer.”
  663. Podem as preces, que por nós mesmos fizermos, mudar  a natureza das nossas provas e desviar-lhes o curso?  “As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas  há que têm de ser suportadas até ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de  vós os bons Espíritos e, dando-vos estes a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos parecem. Hemos  dito que a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque  fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes.  Demais, não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um, porquanto o que, do vosso ponto  de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece  um grande mal é quase sempre um grande bem na ordem  geral do Universo. Além disso, de quantos males não se  constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência  ou pelas suas faltas? Ele é punido naquilo em que pecou.  Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do  que supondes. Julgais, de ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre, enquanto que  vos assiste por meios tão naturais que vos parecem obra do  acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também, as mais  das vezes mesmo, ele vos sugere a idéia que vos fará sair da  dificuldade pelo vosso próprio esforço.”
  664. Será útil que oremos pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? E, neste caso, como lhes podem as nossas  preces proporcionar alívio e abreviar os sofrimentos?  Têm elas o poder de abrandar a justiça de Deus?  “A prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de  Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio, porque recebe assim um testemunho do interesse que inspira  àquele que por ela pede e também porque o desgraçado  sente sempre um refrigério, quando encontra almas caridosas que se compadecem de suas dores. Por outro lado,  mediante a prece, aquele que ora concita o desgraçado ao  arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para  ser feliz. Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena,  se, por sua parte, ele secunda a prece com a boa vontade. O  desejo de melhorar-se, despertado pela prece, atrai para  junto do Espírito sofredor Espíritos melhores, que o vão  esclarecer, consolar e dar-lhe esperanças. Jesus orava pelas ovelhas desgarradas, mostrando-vos, desse modo, que  culpados vos tornaríeis, se não fizésseis o mesmo pelos que  mais necessitam das vossas preces.”
  665. Que se deve pensar da opinião dos que rejeitam a prece em favor dos mortos, por não se achar prescrita no  Evangelho?  “Aos homens disse o Cristo: Amai-vos uns aos outros.  Esta recomendação contém a de empregar o homem todos  os meios possíveis para testemunhar aos outros homens  afeição, sem haver entrado em minúcias quanto à maneira  de atingir ele esse fim. Se é certo que nada pode fazer que o  Criador, imagem da justiça perfeita, deixe de aplicá-la a  todas as ações do Espírito, não menos certo é que a prece  que lhe dirigis por aquele que vos inspira afeição constitui,  para este, um testemunho de que dele vos lembrais, testemunho que forçosamente contribuirá para lhe suavizar os  sofrimentos e consolá-lo. Desde que ele manifeste o mais  ligeiro arrependimento, mas só então, é socorrido. Nunca,  porém, será deixado na ignorância de que uma alma simpática com ele se ocupou. Ao contrário, será deixado na  doce crença de que a intercessão dessa alma lhe foi útil.  Daí resulta necessariamente, de sua parte, um sentimento  de gratidão e afeto pelo que lhe deu essa prova de amizade  ou de piedade. Em conseqüência, crescerá num e noutro,  reciprocamente, o amor que o Cristo recomendava aos homens. Ambos, pois, se fizeram assim obedientes à lei de  amor e de união de todos os seres, lei divina, de que resultará a unidade, objetivo e finalidade do Espírito.”
  666. Pode-se orar aos Espíritos? “Pode-se orar aos bons Espíritos, como sendo os mensageiros de Deus e os executores de suas vontades. O poder deles, porém, está em relação com a superioridade que tenham alcançado e dimana sempre do Senhor de todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Eis por que as preces que se lhes dirigem só são eficazes, se bem aceitas por Deus.”
  667. Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta  é uma das mais antigas e espalhadas?  “A concepção de um Deus único não poderia existir no  homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas  idéias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser  imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-lhe o homem atributos da natureza corpórea,  isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que  parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era,  para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em  tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos,  porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser  impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em conseqüência, se elevaram à concepção de um Deus único.”
  668. Tendo-se produzido em todos os tempos e sendo conhecidos desde as primeiras idades do mundo, não  haverão os fenômenos espíritas contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses?  “Sem dúvida, porquanto, chamando deus a tudo o que  era sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espíritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações,  pelo seu gênio, ou por um poder oculto que o vulgo não  lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele  um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.”
  669. Remonta à mais alta antiguidade o uso dos sacrifícios  humanos. Como se explica que o homem tenha sido  levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?  “Primeiramente, porque não compreendia Deus como  sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria  sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que  neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em  segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos  olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os  levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens.  De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais,  se houverdes de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo-eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser, com relação a Deus, entre homens ignorantes.”
  669a) — De modo que os sacrifícios de animais precederam  os sacrifícios humanos?  “Sobre isso não pode haver a menor dúvida.”
  669b) — Então, de acordo com a explicação que vindes de  dar, não foi de um sentimento de crueldade que se  originaram os sacrifícios humanos?  “Não; originaram-se de uma idéia errônea quanto à maneira de agradar a Deus. Considerai o que se deu com  Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram a  abusar dessas práticas, imolando seus inimigos comuns,  até mesmo seus inimigos particulares. Deus, entretanto,  nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de  animais. Não há como imaginar-se que se lhe possa prestar culto, mediante a destruição inútil de suas criaturas.”
  670. Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis  a Deus os sacrifícios humanos praticados com piedosa  intenção?  “Não, nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo  ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos,  Deus atentava unicamente na idéia que presidia ao ato e  não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e  que reprovar tais sacrifícios, com que não podiam conformar-se as idéias de Espíritos esclarecidos. Digo — esclarecidos, porque os Espíritos tinham então a envolvê-los o véu  material; mas, por meio do livre-arbítrio, possível lhes era  vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam, se bem que nem por isso  deixassem de praticá-lo, para satisfazer às suas paixões.”
  671. Que devemos pensar das chamadas guerras santas?  O sentimento que impele os povos fanáticos, tendo em  vista agradar a Deus, a exterminarem o mais possível  os que não partilham de suas crenças, poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava  outrora a sacrificarem seus semelhantes?  “São impelidos pelos maus Espíritos e, fazendo a guerra  aos seus semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que  manda ame cada um o seu irmão, como a si mesmo. Todas  as religiões, ou, antes, todos os povos adoram um mesmo  Deus, qualquer que seja o nome que lhe dêem. Por que  então há de um fazer guerra a outro, sob o fundamento de  ser a religião deste diferente da sua, ou por não ter ainda  atingido o grau de progresso da dos povos cultos? Se são  desculpáveis os povos de não crerem na palavra daquele  que o Espírito de Deus animava e que Deus enviou, sobretudo os que não o viram e não lhe testemunharam os atos,  como pretenderdes que creiam nessa palavra de paz, quando lhes ides levá-la de espada em punho? Eles têm que ser  esclarecidos e devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer  a doutrina do Salvador, mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa maioria, não acreditais  nas comunicações que temos com certos mortais; como  quereríeis que estranhos acreditassem na vossa palavra,  quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”
  672. A oferenda feita a Deus, de frutos da terra, tinha a  seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos animais?  “Já vos respondi, declarando que Deus julga segundo  a intenção e que para ele pouca importância tinha o fato.  Mais agradável evidentemente era a Deus que lhe oferecessem frutos da terra, em vez do sangue das vítimas. Como  temos dito e sempre repetiremos, a prece proferida do fun-  do da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas  as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é  tudo, que o fato nada vale.”
  673. Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com fim útil, não se tornaria  meritório, ao passo que era abusivo quando para nada  servia, ou só aproveitava aos que de nada precisavam?  Não haveria qualquer coisa de verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos bens  que Deus nos concede na Terra?  “Deus abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor  meio de honrá-lo consiste em minorar os sofrimentos dos  pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que ele desaprove as cerimônias que praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que poderia  ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades  e não ao coração é um Espírito de vistas acanhadas. Dizei,  em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que  ao fundo.”
  674. A necessidade do trabalho é lei da Natureza?  “O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a  trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os  gozos.”
  675. Por trabalho só se devem entender as ocupações  materiais?  “Não; o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda  ocupação útil é trabalho.”
  676. Por que o trabalho se impõe ao homem?  “Por ser uma conseqüência da sua natureza corpórea.  É expiação e, ao mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento  da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é  que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente  fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho.”
  677. Por que provê a Natureza, por si mesma, a todas as  necessidades dos animais?  “Tudo em a Natureza trabalha. Como tu, trabalham os  animais, mas o trabalho deles, de acordo com a inteligência de que dispõem, se limita a cuidarem da própria conservação. Daí vem que do trabalho não lhes resulta progresso, ao passo que o do homem visa duplo fim: a  conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade de  pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima  de si mesmo. Quando digo que o trabalho dos animais se  cifra no cuidarem da própria conservação, refiro-me ao objetivo com que trabalham. Entretanto, provendo às suas  necessidades materiais, eles se constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador e, assim, o trabalho que executam também concorre para a realização do  objetivo final da Natureza, se bem quase nunca lhe  descubrais o resultado imediato.”
  678. Em os mundos mais aperfeiçoados, os homens se  acham submetidos à mesma necessidade de trabalhar?  “A natureza do trabalho está em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas,  menos material é o trabalho. Mas, não deduzais daí que o  homem se conserve inativo e inútil. A ociosidade seria um  suplício, em vez de ser um benefício.”
  679. Achar-se-á isento da lei do trabalho o homem que possua bens suficientes para lhe assegurarem a existência?  “Do trabalho material, talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se útil, conforme aos meios de que disponha,  nem de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o  que também é trabalho. Aquele a quem Deus facultou a  posse de bens suficientes a lhe garantirem a existência não  está, é certo, constrangido a alimentar-se com o suor do  seu rosto, mas tanto maior lhe é a obrigação de ser útil aos  seus semelhantes, quanto mais ocasiões de praticar o bem  lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.”
  680. Não há homens que se encontram impossibilitados de  trabalhar no que quer que seja e cuja existência é,  portanto, inútil?  “Deus é justo e, pois, só condena aquele que voluntariamente tornou inútil a sua existência, porquanto esse vive  a expensas do trabalho dos outros. Ele quer que cada um  seja útil, de acordo com as suas faculdades.”
  681. A lei da Natureza impõe aos filhos a obrigação de trabalharem para seus pais? “Certamente, do mesmo modo que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi por isso que Deus fez do amor filial e do amor paterno um sentimento natural. Foi paraque, por essa afeição recíproca, os membros de uma família se sentissem impelidos a ajudarem-se mutuamente, o que, aliás, com muita freqüência se esquece na vossa sociedade atual.”
  682. Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não é também uma lei da Natureza?  “Sem dúvida. O repouso serve para a reparação das  forças do corpo e também é necessário para dar um pouco  mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve  acima da matéria.”
  683. Qual o limite do trabalho?  “O das forças. Em suma, a esse respeito Deus deixa  inteiramente livre o homem.”
  684. Que se deve pensar dos que abusam de sua autoridade, impondo a seus inferiores excessivo trabalho?  “Isso é uma das piores ações. Todo aquele que tem o  poder de mandar é responsável pelo excesso de trabalho  que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo,  transgride a lei de Deus.”
  685. Tem o homem o direito de repousar na velhice?  “Sim, que a nada é obrigado, senão de acordo com as  suas forças.”
  685a) — Mas, que há de fazer o velho que precisa trabalhar  para viver e não pode?  “O forte deve trabalhar para o fraco. Não tendo este  família, a sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de  caridade.”
  686. É lei da Natureza a reprodução dos seres vivos?  “Evidentemente. Sem a reprodução, o mundo corporal  pereceria.”
  687. Indo sempre a população na progressão crescente que  vemos, chegará tempo em que seja excessiva na Terra?  “Não, Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio.  Ele coisa alguma inútil faz. O homem, que apenas vê um  canto do quadro da Natureza, não pode julgar da harmonia  do conjunto.”
  688. Há, neste momento, raças humanas que evidentemente decrescem. Virá momento em que terão desaparecido da Terra?  “Assim acontecerá, de fato. É que outras lhes terão  tomado o lugar, como outras um dia tomarão o da vossa.”
  689. Os homens atuais formam uma criação nova, ou são  descendentes aperfeiçoados dos seres primitivos?  “São os mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da perfeição. Assim, a atual raça humana, que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra e a substituir as raças  que se extinguem, terá sua fase de decrescimento e de  desaparição. Substituí-la-ão outras raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como os homens civilizados  de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos  tempos primitivos.”
  690. Do ponto de vista físico, são de criação especial os corpos da raça atual, ou procedem dos corpos primitivos,  mediante reprodução?  “A origem das raças se perde na noite dos tempos. Mas,  como pertencem todas à grande família humana, qualquer  que tenha sido o tronco de cada uma, elas puderam aliar-se  entre si e produzir tipos novos.”
  691. Qual, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e  dominante das raças primitivas?  “Desenvolvimento da força bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o contrário: o homem faz mais pela  inteligência do que pela força do corpo. Todavia, faz cem  vezes mais, porque soube tirar proveito das forças da Natureza, o que não conseguem os animais.”
  692. Será contrário à lei da Natureza o aperfeiçoamento das  raças animais e vegetais pela Ciência? Seria mais conforme a essa lei deixar que as coisas seguissem seu  curso normal?  “Tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio  homem é um instrumento de que Deus se serve para atingir  seus fins. Sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder às vistas de Deus.”
  692a) — Mas, geralmente, os esforços que o homem emprega para conseguir a melhoria das raças nascem de um  sentimento pessoal e não objetivam senão o acréscimo de  seus gozos. Isto não lhe diminui o mérito?  “Que importa seja nulo o seu merecimento, desde que  o progresso se realize? Cabe-lhe tornar meritório, pela intenção, o seu trabalho. Demais, mediante esse trabalho,  ele exercita e desenvolve a inteligência e sob este aspecto é  que maior proveito tira.”
  693. São contrários à lei da Natureza as leis e os costumes  humanos que têm por fim ou por efeito criar obstáculos  à reprodução?  “Tudo o que embaraça a Natureza em sua marcha é  contrário à lei geral.”
  693a) — Entretanto, há espécies de seres vivos, animais e  plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e das quais o próprio homem acabaria por ser vítima.  Pratica ele ato repreensível, impedindo essa reprodução?  “Deus concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos,  um poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode, pois,  regular a reprodução, de acordo com as necessidades. Não  deve opor-se-lhe sem necessidade. A ação inteligente do  homem é um contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é ainda isso o  que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. Mas, os mesmos animais também concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto o instinto de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à  própria conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso, das espécies animais e vegetais de que  se alimentam.”
  694. Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em  obstar à reprodução, para satisfação da sensualidade?  “Isso prova a predominância do corpo sobre a alma e  quanto o homem é material.”
  695. Será contrário à lei da Natureza o casamento, isto é, a  união permanente de dois seres?  “É um progresso na marcha da Humanidade.”
  696. Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição  do casamento?  “Seria uma regressão à vida dos animais.”
  697. Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a  indissolubilidade absoluta do casamento?  “É uma lei humana muito contrária à da Natureza.  Mas os homens podem modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.”
  698. O celibato voluntário representa um estado de perfeição meritório aos olhos de Deus?  “Não, e os que assim vivem, por egoísmo, desagradam  a Deus e enganam o mundo.”
  699. Da parte de certas pessoas, o celibato não será um  sacrifício que fazem com o fim de se votarem, de modo  mais completo, ao serviço da Humanidade?  “Isso é muito diferente. Eu disse: por egoísmo. Todo  sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem.  Quanto maior o sacrifício, tanto maior o mérito.”
  700. A igualdade numérica, que mais ou menos existe entre  os sexos, constitui indício da proporção em que devam  unir-se?  “Sim, porquanto tudo, em a Natureza, tem um fim.”
  701. Qual das duas, a poligamia ou a monogamia, é mais  conforme à lei da Natureza?  “A poligamia é lei humana cuja abolição marca um progresso social. O casamento, segundo as vistas de Deus,  tem que se fundar na afeição dos seres que se unem. Na  poligamia não há afeição real: há apenas sensualidade.”
  Se a poligamia fosse conforme à lei da Natureza, devera ter  possibilidade de tornar-se universal, o que seria materialmente  impossível, dada a igualdade numérica dos sexos.  Deve ser considerada como um uso ou legislação especial  apropriada a certos costumes e que o aperfeiçoamento social fez  que desaparecesse pouco a pouco.  702. É lei da Natureza o instinto de conservação?  “Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros.”
  703. Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o  instinto de conservação?  “Porque todos têm que concorrer para cumprimento  dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes  deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária  ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”
  704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe  facultou, em todos os tempos, os meios de o conseguir?  “Certo, e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem  a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo.  Essa a razão por que faz que a Terra produza de modo a  proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só  o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.”
  705. Por que nem sempre a terra produz bastante para  fornecer ao homem o necessário?  “É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é  excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza  do que só é resultado da sua imperícia ou da sua  imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se  com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que  ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele  emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver,  porque não cria para si necessidades factícias. Desde que  haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a  fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de  nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar  desprovido de tudo, quando chegam os dias de penúria?  Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o  homem, que não sabe regrar o seu viver.”
  706. Por bens da Terra unicamente se devem entender os  produtos do solo?  “O solo é a fonte primacial donde dimanam todos os  outros recursos, pois que, em definitivo, estes recursos são  simples transformações dos produtos do solo. Por bens da  Terra se deve, pois, entender tudo de que o homem pode  gozar neste mundo.”
  707. É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de  subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A  que se deve atribuir isso?  “Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o  que lhes cumpre. Depois e as mais das vezes, devem-no a si  mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe  para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com  indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples  meios de que se utiliza a Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.”
  708. Não há situações em as quais os meios de subsistência  de maneira alguma dependem da vontade do homem,  sendo-lhe a privação do de que mais imperiosamente necessita uma conseqüência da força mesma das coisas?  “É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar  exposto. Seu mérito então consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio  lhe faculta de sair da dificuldade. Se a morte vier colhê-lo,  cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a  hora da verdadeira libertação soou e que o desespero no  derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de  toda a sua resignação.”
  709. Terão cometido crime os que, em certas situações críticas, se viram na contingência de sacrificar seus seme-  lhantes, para matar a fome? Se houve crime, não teve  este a atenuá-lo a necessidade de viver, que resulta do  instinto de conservação?  “Já respondi, quando disse que há mais merecimento  em sofrer todas as provações da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há homicídio e crime de lesa-natureza,  falta que é duplamente punida.”
  710. Nos mundos de mais apurada organização, têm os  seres vivos necessidade de alimentar-se?  “Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua  natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciosos  para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles  não poderiam digerir os vossos alimentos.”
  711. O uso dos bens da Terra é um direito de todos os  homens?  “Esse direito é conseqüente da necessidade de viver.  Deus não imporia um dever sem dar ao homem o meio de  cumpri-lo.”
  712. Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens  materiais?  “Para instigar o homem ao cumprimento da sua  missão e para experimentá-lo por meio da tentação.”
  712a) — Qual o objetivo dessa tentação?  “Desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos  excessos.”
  713. Traçou a Natureza limites aos gozos?  “Traçou, para vos indicar o limite do necessário. Mas,  pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a  vós mesmos.”
  714. Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte dos gozos?  “Pobre criatura! mais digna é de lástima que de inveja,  pois bem perto está da morte!”
  714a) — Perto da morte física, ou da morte moral?  “De ambas.”
  715. Como pode o homem conhecer o limite do necessário?  “Aquele que é ponderado o conhece por intuição. Muitos só chegam a conhecê-lo por experiência e à sua própria  custa.”
  716. Mediante a organização que nos deu, não traçou a  Natureza o limite das nossas necessidades?  “Sem dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da  organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das  necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição  e lhe criaram necessidades que não são reais.”
  717. Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da  Terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?  “Olvidam a lei de Deus e terão que responder pelas  privações que houverem causado aos outros.”
  718. A lei de conservação obriga o homem a prover às  necessidades do corpo?  “Sim, porque, sem força e saúde, impossível é o trabalho.”
  719. Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?  “É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o  abuso, por ser contrário à conservação. Ele não condena a  procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa  de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.”
  720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente  voluntária?  “Fazei o bem aos vossos semelhantes e mais mérito  tereis.”
  720a) — Haverá privações voluntárias que sejam meritórias?  “Há: a privação dos gozos inúteis, porque desprende  da matéria o homem e lhe eleva a alma. Meritório é resistir  à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas  inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar  aos que carecem do bastante. Se a privação não passar de  simulacro, será uma irrisão.”
  721. É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que desde a mais remota antiguidade teve praticantes no seio de diversos povos?  “Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de  fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que  entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar  para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a  caridade cristã.”
  722. Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?  “Permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe  não prejudique a saúde. Alguns legisladores, porém, com  um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos  alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas  leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus.”
  723. A alimentação animal é, com relação ao homem,  contrária à lei da Natureza?  “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a  carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação  lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e  sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem  que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”
  724. Será meritório abster-se o homem da alimentação  animal, ou de outra qualquer, por expiação?  “Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas aparentemente se privam de alguma  coisa.”
  725. Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo  do homem ou dos animais?  “A que propósito, semelhante questão? Ainda uma vez:  inquiri sempre vós mesmos se é útil aquilo de que porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o  que for nocivo lhe será sempre desagradável. Porque, ficai  sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam  para ele a alma. Obedecendo-lhe à lei e não a violando é  que podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria terrestre.”
  726. Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se  os suportarmos devidamente, dar-se-á que também nos  elevam os que nós mesmos nos criamos?  “Os sofrimentos naturais são os únicos que elevam,  porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários de nada  servem, quando não concorrem para o bem de outrem. Supões que se adiantam no caminho do progresso os que abreviam a vida, mediante rigores sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas  seitas? Por que de preferência não trabalham pelo bem de  seus semelhantes? Vistam o indigente; consolem o que chora; trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para  alívio dos infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém voluntariamente,  apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer pelos outros  é caridade: tais os preceitos do Cristo.”
  727. Uma vez que não devemos criar sofrimentos voluntários,  que nenhuma utilidade tenham para outrem, deveremos cuidar de preservar-nos dos que prevejamos ou  nos ameacem?  “Contra os perigos e os sofrimentos é que o instinto de  conservação foi dado a todos os seres. Fustigai o vosso espírito e não o vosso corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai  o vosso egoísmo, que se assemelha a uma serpente a vos  roer o coração, e fareis muito mais pelo vosso adiantamento  do que infligindo-vos rigores que já não são deste século.”
  728. É lei da Natureza a destruição?  “Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma  transformação, que tem por fim a renovação e melhoria  dos seres vivos.”
  728a) — O instinto de destruição teria sido dado aos seres  vivos por desígnios providenciais?  “As criaturas são instrumentos de que Deus se serve  para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os  seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que  obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos  despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse  invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser  pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que  não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.”
  729. Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?  “A fim de que a destruição não se dê antes de tempo.  Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do  princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser  experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.”
  730. Uma vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males desta, sendo, pois, mais de  desejar do que de temer, por que lhe tem o homem,  instintivamente, tal horror, que ela lhe é sempre motivo  de apreensão?  “Já dissemos que o homem deve procurar prolongar a  vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus  lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta  nas provas. A não ser assim, ele muito freqüentemente se  entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a repelir  a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo  seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para  que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas,  ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do  que ao seu Criador.”
  731. Por que, ao lado dos meios de conservação, colocou a  Natureza os agentes de destruição?  “É o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para  manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”
  732. Será idêntica, em todos os mundos, a necessidade de  destruição?  “Guarda proporções com o estado mais ou menos  material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se  acham mais depurados. Muito diversas são as condições de  existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.”
  733. Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição?  “Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como  podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”
  734. Em seu estado atual, tem o homem direito ilimitado de  destruição sobre os animais?  “Tal direito se acha regulado pela necessidade, que ele  tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança. O abuso  jamais constituiu direito.”
  735. Que se deve pensar da destruição, quando ultrapassa  os limites que as necessidades e a segurança traçam?  Da caça, por exemplo, quando não objetiva senão o  prazer de destruir sem utilidade?  “Predominância da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais só destroem  para satisfação de suas necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade. Terá  que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que cede aos maus instintos.”
  736. Especial merecimento terão os povos que levam ao excesso o escrúpulo, quanto à destruição dos animais?  “Esse excesso, no tocante a um sentimento louvável  em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica  neutralizado por abusos de muitas outras espécies. Entre  tais povos, há mais temor supersticioso do que verdadeira  bondade.”
  737. Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de  flagelos destruidores?  “Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração  moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem  um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se  veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais;  daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo  que vos causam. Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de  uma melhor ordem de coisas e para que se realize em  alguns anos o que teria exigido muitos séculos.”
  738. Para conseguir a melhora da Humanidade, não podia  Deus empregar outros meios que não os flagelos  destruidores?  “Pode e os emprega todos os dias, pois que deu a cada  um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do  mal. O homem, porém não se aproveita desses meios.  Necessário, portanto, se torna que seja castigado no seu  orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.”
  738a) — Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de  bem como o perverso. Será justo isso?  “Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo;  entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora,  conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é.  Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na  eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias  ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro.  Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam  o mundo real (85). Esses os filhos de Deus e o objeto de  toda a sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com  que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra,  ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que  com os uniformes deles.”
  738b) — Mas, nem por isso as vítimas desses flagelos  deixam de o ser.  “Se considerásseis a vida qual ela é e quão pouca coisa  representa com relação ao infinito, menos importância lhe  daríeis. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem suportá-los  sem murmurar.”
  739. Têm os flagelos destruidores utilidade, do ponto de vista  físico, não obstante os males que ocasionam?  “Têm. Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.”
  740. Não serão os flagelos, igualmente, provas morais para  o homem, por porem-no a braços com as mais aflitivas  necessidades?  “Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de  exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e  resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.”
  741. Dado é ao homem conjurar os flagelos que o afligem?  “Em parte, é; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem.  À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os  vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar  as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da  Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou  menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a  não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos  males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua  negligência.”
  742. Que é o que impele o homem à guerra?  “Predominância da natureza animal sobre a natureza  espiritual e transbordamento das paixões. No estado de  barbaria, os povos um só direito conhecem — o do mais  forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um  estado normal. À medida que o homem progride, menos  freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas,  fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.”
  743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?  “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e  praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos  serão irmãos.”
  744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a  guerra?  “A liberdade e o progresso.”
  744a) — Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o  advento da liberdade, como pode freqüentemente ter por  objetivo e resultado a escravização?  “Escravização temporária, para esmagar os povos, a  fim de fazê-los progredir mais depressa.”
  745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para  proveito seu?  “Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão  necessárias para expiar todos os assassínios de que haja  sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja  morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”
  746. É crime aos olhos de Deus o assassínio?  “Grande crime, pois que aquele que tira a vida ao seu  semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de  missão. Aí é que está o mal.”
  747. É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os  casos de assassínio?  “Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”
  748. Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?  “Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o  agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de  seu agressor, deve fazê-lo.”
  749. Tem o homem culpa dos assassínios que pratica  durante a guerra?  “Não, quando constrangido pela força; mas é culpado  das crueldades que cometa, sendo-lhe também levado em  conta o sentimento de humanidade com que proceda.”
  750. Qual o mais condenável aos olhos de Deus, o parricídio  ou o infanticídio?  “Ambos o são igualmente, porque todo crime é um  crime.”
  751. Como se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o infanticídio seja  um costume e esteja consagrado pela legislação?  “O desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode  ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem  se melhorar: apenas sabe.”
  752. Poder-se-á ligar o sentimento de crueldade ao instinto  de destruição?  “É o instinto de destruição no que tem de pior,  porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma  necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela  resulta sempre de uma natureza má.”
  753. Por que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos primitivos?  “Nos povos primitivos, como lhes chamas, a matéria  prepondera sobre o Espírito. Eles se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal  cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os  povos de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o  império de Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir  ou enfraquecer essa influência.”
  754. A crueldade não derivará da carência de senso moral?  “Dize — da falta de desenvolvimento do senso moral;  não digas da carência, porquanto o senso moral existe, como  princípio, em todos os homens. É esse senso moral que dos  seres cruéis fará mais tarde seres bons e humanos. Ele,  pois, existe no selvagem, mas como o princípio do perfume  no gérmen da flor que ainda não desabrochou.”
  756. A sociedade dos homens de bem se verá algum dia  expurgada dos seres malfazejos?  “A Humanidade progride. Esses homens, em quem o  instinto do mal domina e que se acham deslocados entre  pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau  grão se separa do bom, quando este é joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros. Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e  o mal. Tens disso um exemplo nas plantas e nos animais  que o homem há conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo  neles qualidades novas. Pois bem, só ao cabo de muitas  gerações o desenvolvimento se torna completo. É a imagem  das diversas existências do homem.”
  757. Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima  defesa?  “Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno  dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais  moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo  quanto os combates que outrora se consideravam como o  juízo de Deus.”
  758. Poder-se-á considerar o duelo como um assassínio por  parte daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza, tem a quase certeza de que sucumbirá?  “É um suicídio.”
  758a) — E quando as probabilidades são as mesmas para  ambos os duelistas, haverá assassínio ou suicídio?  “Um e outro.”
  759. Que valor tem o que se chama ponto de honra, em  matéria de duelo?  “Orgulho e vaidade: dupla chaga da Humanidade.”
  759a) — Mas, não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa fora covardia?  “Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada  século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando  os homens forem melhores e estiverem mais adiantados  em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra  está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem  se deixando matar, que repararão agravos.”
  760. Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena  de morte?  “Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão  assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será  completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os  homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma  época ainda muito distante de vós.”
  761. A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando  elimina da sociedade um membro perigoso?  ‘Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não  matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.”
  762. A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade em  épocas menos adiantadas?  “Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À  proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente  o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.”
  763. Será um indício de progresso da civilização a restrição  dos casos em que se aplica a pena de morte?  “Podes duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito,  quando lês a narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra  da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado e  até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do  sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não  cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas,  terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras  juiz, fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo,  numa época, parece bárbaro em outra. Só as leis divinas  são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo  com aquelas.”
  764. Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada  perecerá. Estas palavras não consagram a pena de  talião e, assim, a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?  “Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito  dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a  justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis  essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo  em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aque-  le que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a  achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito  sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos  disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos  ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como  houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”
  765. Que se deve pensar da pena de morte imposta em nome  de Deus?  “É tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da  justiça. Os que assim procedem mostram quão longe estão  de compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A  pena de morte é um crime, quando aplicada em nome de  Deus; e os que a impõem se sobrecarregam de outros  tantos assassínios.”
  766. A vida social está em a Natureza?  “Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras  faculdades necessárias à vida de relação.”
  767. É contrário à lei da Natureza o insulamento absoluto?  “Sem dúvida, pois que por instinto os homens buscam  a sociedade e todos devem concorrer para progresso,  auxiliando-se mutuamente.”
  768. Procurando a sociedade, não fará o homem mais do  que obedecer a um sentimento pessoal, ou há nesse  sentimento algum providencial objetivo de ordem mais  geral?  “O homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso  possível, por não dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o  contacto com os outros homens. No insulamento, ele se  embrutece e estiola.”
  769. Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos os  gostos estão na Natureza, por que será condenável o  do insulamento absoluto, desde que cause satisfação  ao homem?  “Satisfação egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na embriaguez. Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem  se condena a não ser útil a ninguém.”
  770. Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contacto do mundo?  “Duplo egoísmo.”
  770a) — Mas, não será meritório esse retraimento, se tiver  por fim uma expiação, impondo-se aquele que o busca uma  privação penosa?  “Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a  melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de  caridade.”
  771. Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem  ao mister de socorrer os desgraçados?  “Esses se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito  de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem o  bem, obedecendo à lei do trabalho.”
  771a) — E dos que buscam no retiro a tranqüilidade que  certos trabalhos reclamam?  “Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não  se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.”
  772. Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas  seitas, desde a mais remota antiguidade?  “Perguntai, antes, a vós mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus a concedeu ao homem. Deus  condena o abuso e não o uso das faculdades que lhe outorgou. Entretanto, o silêncio é útil, pois no silêncio pões em  prática o recolhimento; teu espírito se torna mais livre e  pode entrar em comunicação conosco. Mas o voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida obedecem a boa intenção os  que consideram essas privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não compreendem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.”
  773. Por que é que, entre os animais, os pais e os filhos  deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais  precisam de cuidados?  “Os animais vivem vida material e não vida moral. A  ternura da mãe pelos filhos tem por princípio o instinto de  conservação dos seres que ela deu à luz. Logo que esses  seres podem cuidar de si mesmos, está ela com a sua tarefa  concluída; nada mais lhe exige a Natureza. Por isso é que  os abandona, a fim de se ocupar com os recém-vindos.”
  774. Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de  certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não  serem os laços de família, entre os homens, mais do  que resultado dos costumes sociais e não efeito de uma  lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?  “Diverso do dos animais é o destino do homem. Por  que, então, quererem identificá-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a  necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários  ao progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da  Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.”
  775. Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?  “Uma recrudescência do egoísmo.”
  776. Serão coisas idênticas o estado de natureza e a lei  natural?  “Não, o estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo que  a lei natural contribui para o progresso da Humanidade.”
  777. Tendo o homem, no estado de natureza, menos necessidades, isento se acha das tribulações que para si  mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento. Diante disso, que se deve pensar da opinião dos  que consideram aquele estado como o da mais perfeita  felicidade na Terra?  “Que queres! é a felicidade do bruto. Há pessoas que não  compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais. As  crianças também são mais felizes do que os homens feitos.”
  778. Pode o homem retrogradar para o estado de natureza?  “Não, o homem tem que progredir incessantemente e  não pode volver ao estado de infância. Desde que progride,  é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar  à sua primitiva condição fora negar a lei do progresso.”
  779. A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo,  ou o progresso é apenas fruto de um ensinamento?  “O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente.  Mas, nem todos progridem simultaneamente e do mesmo  modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o  progresso dos outros, por meio do contacto social.”
  780. O progresso moral acompanha sempre o progresso  intelectual?  “Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente.”
  780a) — Como pode o progresso intelectual engendrar o  progresso moral?  “Fazendo compreensíveis o bem e o mal. O homem,  desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.”
  780b) — Como é, nesse caso, que, muitas vezes, sucede  serem os povos mais instruídos os mais pervertidos também?  “O progresso completo constitui o objetivo. Os povos,  porém, como os indivíduos, só passo a passo o atingem.  Enquanto não se lhes haja desenvolvido o senso moral, pode  mesmo acontecer que se sirvam da inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são duas forças que só  com o tempo chegam a equilibrar-se.”
  781. Tem o homem o poder de paralisar a marcha do  progresso?  “Não, mas tem, às vezes, o de embaraçá-la.”
  781a) — Que se deve pensar dos que tentam deter a  marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde?  “Pobres seres, que Deus castigará! Serão levados de  roldão pela torrente que procuram deter.”
  782. Não há homens que de boa-fé obstam ao progresso,  acreditando favorecê-lo, porque, do ponto de vista em  que se colocam, o vêem onde ele não existe?  “Assemelham-se a pequeninas pedras que, colocadas  debaixo da roda de uma grande viatura, não a impedem de  avançar.”
  783. Segue sempre marcha progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade?  “Há o progresso regular e lento, que resulta da força  das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto devera, Deus o sujeita, de tempos a tempos,  a um abalo físico ou moral que o transforma.”
  784. Bastante grande é a perversidade do homem. Não  parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele,  em vez de avançar, caminha aos recuos?  “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o  homem se adianta, pois que melhor compreende o que é  mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister  que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a  necessidade do bem e das reformas.”
  785. Qual o maior obstáculo ao progresso?  “O orgulho e o egoísmo. Refiro-me ao progresso moral,  porquanto o intelectual se efetua sempre. À primeira vista,  parece mesmo que o progresso intelectual reduplica a atividade daqueles vícios, desenvolvendo a ambição e o gosto das  riquezas, que, a seu turno, incitam o homem a empreender  pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. Assim é que tudo  se prende, no mundo moral, como no mundo físico, e que  do próprio mal pode nascer o bem. Curta, porém, é a duração desse estado de coisas, que mudará à proporção que o  homem compreender melhor que, além da que o gozo dos  bens terrenos proporciona, uma felicidade existe maior e  infinitamente mais duradoura.”
  786. Mostra-nos a História que muitos povos, depois de  abalos que os revolveram profundamente, recaíram na  barbaria. Onde, neste caso, o progresso?  “Quando tua casa ameaça ruína, mandas demoli-la e  constróis outra mais sólida e mais cômoda. Mas, enquanto  esta não se apronta, há perturbação e confusão na tua  morada.  “Compreende mais o seguinte: eras pobre e habitavas  um casebre; tornando-te rico, deixaste-o, para habitar um  palácio. Então, um pobre diabo, como eras antes, vem tomar o lugar que ocupavas e fica muito contente, porque  estava sem ter onde se abrigar. Pois bem! aprende que os  Espíritos que, encarnados, constituem o povo degenerado  não são os que o constituíam ao tempo do seu esplendor.  Os de então, tendo-se adiantado, passaram para habitações mais perfeitas e progrediram, enquanto os outros,  menos adiantados, tomaram o lugar que ficara vago e que  também, a seu turno, terão um dia que deixar.”
  787. Não há raças rebeldes, por sua natureza, ao progresso?  “Há, mas vão aniquilando-se corporalmente, todos os  dias.”
  787a) — Qual será a sorte futura das almas que animam  essas raças?  “Chegarão, como todas as demais, à perfeição,  passando por outras existências. Deus a ninguém deserda.”
  787b) — Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham sido selvagens e antropófagos?  “Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o  que és.”
  788. Os povos são individualidades coletivas que como os  indivíduos, passam pela infância, pela idade da madureza e pela decrepitude. Esta verdade, que a História comprova, não será de molde a fazer supor que os  povos mais adiantados deste século terão seu declínio  e sua extinção, como os da antiguidade?  “Os povos, que apenas vivem a vida do corpo, aqueles  cuja grandeza unicamente assenta na força e na extensão  territorial, nascem, crescem e morrem, porque a força de  um povo se exaure, como a de um homem. Aqueles, cujas  leis egoísticas obstam ao progresso das luzes e da caridade,  morrem, porque a luz mata as trevas e a caridade mata o  egoísmo. Mas, para os povos, como para os indivíduos, há  a vida da alma. Aqueles, cujas leis se harmonizam com as  leis eternas do Criador, viverão e servirão de farol aos  outros povos.”
  789. O progresso fará que todos os povos da Terra se achem  um dia reunidos, formando uma só nação?  “Uma nação única, não; seria impossível, visto que da  diversidade dos climas se originam costumes e necessidades diferentes, que constituem as nacionalidades, tornando indispensáveis sempre leis apropriadas a esses costu-  mes e necessidades. A caridade, porém, desconhece latitudes e não distingue a cor dos homens. Quando, por toda  parte, a lei de Deus servir de base à lei humana, os povos  praticarão entre si a caridade, como os indivíduos. Então,  viverão felizes e em paz, porque nenhum cuidará de causar  dano ao seu vizinho, nem de viver a expensas dele.”
  790. É um progresso a civilização ou, como o entendem  alguns filósofos, uma decadência da Humanidade?  “Progresso incompleto. O homem não passa subitamente da infância à madureza.”
  790a) — Será racional condenar-se a civilização?  “Condenai antes os que dela abusam e não a obra de  Deus.”
  791. Apurar-se-á algum dia a civilização, de modo a fazer  que desapareçam os males que haja produzido?  “Sim, quando o moral estiver tão desenvolvido quanto  a inteligência. O fruto não pode surgir antes da flor.”
  792. Por que não efetua a civilização, imediatamente, todo o  bem que poderia produzir?  “Porque os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.”
  792a) — Não será também porque, criando novas necessidades, suscita paixões novas?  “É, e ainda porque não progridem simultaneamente  todas as faculdades do Espírito. Tempo é preciso para tudo.  De uma civilização incompleta não podeis esperar frutos  perfeitos.”
  793. Por que indícios se pode reconhecer uma civilização  completa?  “Reconhecê-la-eis pelo desenvolvimento moral. Credes  que estais muito adiantados, porque tendes feito grandes  descobertas e obtido maravilhosas invenções; porque vos  alojais e vestis melhor do que os selvagens. Todavia, não  tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos civilizados,  senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização.”
  794. Poderia a sociedade reger-se unicamente pelas leis  naturais, sem o concurso das leis humanas?  “Poderia, se todos as compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade,  porém, tem suas exigências. São-lhe necessárias leis  especiais.”
  795. Qual a causa da instabilidade das leis humanas?  “Nas épocas de barbaria, são os mais fortes que fazem  as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os homens  foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se  tornou a modificação delas. Quanto mais se aproximam da  vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas,  isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão  sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural.”
  796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis  penais não constitui uma necessidade?  “Uma sociedade depravada certamente precisa de leis  severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o  mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”
  797. Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis?  “Isso ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do  progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!”
  798. O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo  partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?  “Certamente que se tornará crença geral e marcará nova  era na história da humanidade, porque está na natureza e  chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra a convicção,  porquanto não há como dissimular a existência de pessoas  interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a  ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados  a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.”
  799. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o  progresso?  “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da  sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se  encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida  futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu  futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir  como irmãos.”
  800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga  triunfar da negligência dos homens e do seu apego às  coisas materiais?  “Conhece bem pouco os homens quem imagine que  uma causa qualquer os possa transformar como que por  encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo,  gradual e progressivamente, se pode operar. Para cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo  de alto a baixo. Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito que fosse e já o haveria  forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.”
  801. Por que não ensinaram os Espíritos, em todos os  tempos, o que ensinam hoje?  “Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e  não dais ao recém-nascido um alimento que ele não possa  digerir. Cada coisa tem seu tempo. Eles ensinaram muitas  coisas que os homens não compreenderam ou adulteraram, mas que podem compreender agora. Com seus ensinos, embora incompletos, prepararam o terreno para receber a semente que vai frutificar.”
  802. Visto que o Espiritismo tem que marcar um progresso  da Humanidade, por que não apressam os Espíritos  esse progresso, por meio de manifestações tão generalizadas e patentes, que a convicção penetre até nos  mais incrédulos?  “Desejaríeis milagres; mas, Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e, no entanto, ainda há  homens que o negam. Conseguiu, porventura, o próprio  Cristo convencer os seus contemporâneos, mediante os prodígios que operou? Não conheceis presentemente alguns  que negam os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que dizem que não acreditariam, mesmo  que vissem? Não; não é por meio de prodígios que Deus  quer encaminhar os homens. Em sua bondade, ele lhes  deixa o mérito de se convencerem pela razão.”
  803. Perante Deus, são iguais todos os homens?  “Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez suas  leis para todos. Dizeis freqüentemente: ‘O Sol luz para  todos’ e enunciais assim uma verdade maior e mais geral  do que pensais.”
  804. Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a  todos os homens?  “Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um  destes vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente,  tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença  entre eles está na diversidade dos graus da experiência  alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o  livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas. Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa  concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no  limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais.  O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem  seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que os habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram  criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o  exemplo.”
  805. Passando de um mundo superior a outro inferior, conserva o Espírito, integralmente, as faculdades adquiridas?  “Sim, já temos dito que o Espírito que progrediu não  retrocede. Poderá escolher, no estado de Espírito livre, um  invólucro mais grosseiro, ou posição mais precária do que  as que já teve, porém tudo isso para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir."
  806. É lei da natureza a desigualdade das condições sociais?  “Não; é obra do homem e não de Deus.”
  806a) — Algum dia essa desigualdade desaparecerá?  “Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que  dia a dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando  o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará  apenas a desigualdade do merecimento. Dia virá em que os  membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de  considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o  Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social.”
  807. Que se deve pensar dos que abusam da superioridade  de suas posições sociais, para, em proveito próprio,  oprimir os fracos?  “Merecem anátema! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de sofrer  tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.”
  808. A desigualdade das riquezas não se originará da das  faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais  meios de adquirir bens do que outros?  “Sim e não. Da velhacaria e do roubo, que dizes?”
  808a) — Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de  paixões más.  “Que sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza  e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se não  se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo,  porém, sem falar da origem, que pode ser má, acreditas que  a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam  sentimentos louváveis? Isso o que Deus julga e eu te asseguro que o seu juízo é mais severo que o dos homens.”
  809. Aos que, mais tarde, herdam uma riqueza inicialmente  mal adquirida, alguma responsabilidade cabe por esse  fato?  “É fora de dúvida que não são responsáveis pelo mal  que outros hajam feito, sobretudo se o ignoram, como é  possível que aconteça. Mas, fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter às mãos de um homem, para lhe  proporcionar ensejo de reparar uma injustiça. Feliz dele, se  assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que  cometeu a injustiça, a ambos será a reparação levada em  conta, porquanto, não raro, é este último quem a provoca.”
  810. Sem quebra da legalidade, quem quer que seja pode  dispor de seus bens de modo mais ou menos eqüitativo. Aquele que assim proceder será responsável,  depois da morte, pelas disposições que haja tomado?  “Toda ação produz seus frutos; doces são os das boas  ações, amargos sempre os das outras. Sempre, entendei-o  bem.”
  811. Será possível e já terá existido a igualdade absoluta  das riquezas?  “Não; nem é possível. A isso se opõe a diversidade das  faculdades e dos caracteres.”
  811a) — Há, no entanto, homens que julgam ser esse o  remédio aos males da sociedade. Que pensais a respeito?  “São sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de  inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham  seria a curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatei  o egoísmo, que é a vossa chaga social, e não corrais atrás  de quimeras.”
  812. Por não ser possível a igualdade das riquezas, o  mesmo se dará com o bem-estar?  “Não, mas o bem-estar é relativo e todos poderiam dele  gozar, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro bem-estar consiste em cada um empregar o seu  tempo como lhe apraza e não na execução de trabalhos  pelos quais nenhum gosto sente. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em  tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.”
  812a) — Será possível que todos se entendam?  “Os homens se entenderão quando praticarem a lei de  justiça.”
  813. Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria.  Nenhuma responsabilidade caberá disso à sociedade?  “Mas, certamente. Já dissemos que a sociedade é  muitas vezes a principal culpada de semelhante coisa. De-  mais, não tem ela que velar pela educação moral dos seus  membros? Quase sempre, é a má-educação que lhes falseia o critério, ao invés de sufocar-lhes as tendências perniciosas.”
  814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a  outros, a miséria?  “Para experimentá-los de modos diferentes. Além  disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos  próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com  freqüência.”
  815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a  da desgraça ou a da riqueza?  “São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as  queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os  excessos.”
  816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não  dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem?  “Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se  egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante  para si unicamente.”
  817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os  mesmos direitos?  “Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e  do mal e a faculdade de progredir?”
  818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em  certos países?  “Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu  o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso  da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente  pouco adiantados, a força faz o direito.”
  819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é  a mulher?  “Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por  ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos  leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a  suportar as provas de uma vida cheia de amargor.”
  820. A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente  sob a dependência do homem?  “Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não  para o escravizarem.”
  821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza  terão importância tão grande quanto as deferidas ao  homem?  “Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras  noções da vida.”
  822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens  ser iguais também perante as leis humanas?  “O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos  outros o que não quereríeis que vos fizessem.”
  822a) — Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do  homem e da mulher?  “Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada  um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o  homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a  sua aptidão. A lei humana, para ser eqüitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo  privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A  emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os  sexos, além disso, só existem na organização física. Visto  que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse  aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”
  823. Donde nasce o desejo que o homem sente de perpetuar  sua memória por meio de monumentos fúnebres?  “Último ato de orgulho.”
  823a) — Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres não  é antes devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto,  que lhe querem honrar a memória, do que ao próprio defunto?  “Orgulho dos parentes, desejosos de se glorificarem a  si mesmos. Oh! sim, nem sempre é pelo morto que se fazem  todas essas demonstrações. Elas são feitas por amor-próprio e para o mundo, bem como por ostentação de riqueza.  Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido  dure menos no coração do pobre, que não lhe pode colocar  sobre o túmulo senão uma singela flor? Supões que o mármore salva do esquecimento aquele que na Terra foi inútil?”
  824. Reprovais então, de modo absoluto, a pompa dos  funerais?  “Não; quando se tenha em vista honrar a memória de  um homem de bem, é justo e de bom exemplo.”
  825. Haverá no mundo posições em que o homem possa  jactar-se de gozar de absoluta liberdade?  “Não, porque todos precisais uns dos outros, assim os  pequenos como os grandes.”
  826. Em que condições poderia o homem gozar de absoluta  liberdade?  “Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam  dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhes  cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza  de liberdade absoluta.”
  827. A obrigação de respeitar os direitos alheios tira ao  homem o de pertencer-se a si mesmo?  “De modo algum, porquanto este é um direito que lhe  vem da natureza.”
  828. Como se podem conciliar as opiniões liberais de certos  homens com o despotismo que costumam exercer no  seu lar e sobre os seus subordinados?  “Eles têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo. Quando não representam calculadamente uma comédia, sustentando princípios liberais, compreendem como as coisas devem ser, mas  não as fazem assim.”
  828a) — Ser-lhes-ão, na outra vida, levados em conta os  princípios que professaram neste mundo?  “Quanto mais inteligência tem o homem para  compreender um princípio, tanto menos escusável é de o  não aplicar a si mesmo. Em verdade vos digo que o homem  simples, porém sincero, está mais adiantado no caminho  de Deus, do que um que pretenda parecer o que não é.”
  829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?  “É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de  um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da  força. Desaparece com o progresso, como gradativamente  desaparecerão todos os abusos.”
  830. Quando a escravidão faz parte dos costumes de um  povo, são censuráveis os que dela aproveitam, embora  só o façam conformando-se com um uso que lhes parece natural?  “O mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se  torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do mal  é relativa aos meios de que o homem disponha para  compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas,  aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a  escravidão introduzido nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse  dela como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida  pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o  escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa  mais ele tem.”
  831. A desigualdade natural das aptidões não coloca  certas raças humanas sob a dependência das raças  mais inteligentes?  “Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideram certas raças humanas como  animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de  carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim  procedem. Insensatos! nada vêem senão a matéria. Mais ou  menos puro não é o sangue, porém o Espírito.”
  832. Há, no entanto, homens que tratam seus escravos com  humanidade; que não deixam lhes falte nada e acredi-  tam que a liberdade os exporia a maiores privações.  Que dizeis disso?  “Digo que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam aos seus bois e cavalos, para  que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos, mas, nem por isso  deixam de dispor deles como de uma mercadoria, privando-os do direito de se pertencerem a si mesmos.”
  833. Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze ele de absoluta liberdade?  “No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade,  pois que não há como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter o  vôo, porém, não aniquilá-lo.”
  834. É responsável o homem pelo seu pensamento?  “Perante Deus, é. Somente a Deus sendo possível  conhecê-lo, ele o condena ou absolve, segundo a sua justiça.”
  835. Será a liberdade de consciência uma conseqüência da  de pensar?  “A consciência é um pensamento íntimo, que pertence  ao homem, como todos os outros pensamentos.”
  836. Tem o homem direito de pôr embaraços à liberdade de  consciência?  “Falece-lhe tanto esse direito, quanto com referência à  liberdade de pensar, por isso que só a Deus cabe o de julgar  a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis,  regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas  leis da natureza, regula as relações entre ele e o homem.”
  837. Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à  liberdade de consciência?  “Constranger os homens a procederem em desacordo  com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A liberdade  de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.”
  838. Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando  notoriamente falsa?  “Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem. Condenáveis são as crenças que  conduzam ao mal.”
  839. Será repreensível aquele que escandalize com a sua  crença um outro que não pensa como ele?  “Isso é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade  de pensamento.”
  840. Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices  a crenças capazes de causar perturbações à sociedade?  “Podem reprimir-se os atos, mas a crença íntima é  inacessível.”
  841. Para respeitar a liberdade de consciência, dever-se-á  deixar que se propaguem doutrinas perniciosas, ou  poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade,  procurar trazer ao caminho da verdade os que se  transviaram obedecendo a falsos princípios?  “Certamente que podeis e até deveis; mas, ensinai, a  exemplo de Jesus, servindo-vos da brandura e da persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença daquele  a quem desejaríeis convencer. Se alguma coisa se pode  impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar com violência.  A convicção não se impõe.”
  842. Por que indícios se poderá reconhecer, entre todas as  doutrinas que alimentam a pretensão de ser a expressão única da verdade, a que tem o direito de se  apresentar como tal?  “Será aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática da lei de amor na sua maior  pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que  reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer  uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode  deixar de ser falsa e perniciosa.”
  843. Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?  “Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a  de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.”
  844. Do livre-arbítrio goza o homem desde o seu nascimento?  “Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo.  Nas primeiras fases da vida, quase nula é a liberdade, que  se desenvolve e muda de objeto com o desenvolvimento das  faculdades. Estando seus pensamentos em concordância  com o que a sua idade reclama, a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”
  845. Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o homem já traz  consigo ao nascer?  “As predisposições instintivas são as do Espírito antes  de encarnar. Conforme seja este mais ou menos adiantado,  elas podem arrastá-lo à prática de atos repreensíveis, no  que será secundado pelos Espíritos que simpatizam com  essas disposições. Não há, porém, arrastamento irresistível,  uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de  que querer é poder.”
  846. Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o  organismo? E, se essa influência existe, não será  exercida com prejuízo do livre-arbítrio?  “É inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria, que pode embaraçar-lhe as manifestações. Daí vem que,  nos mundos onde os corpos são menos materiais do que na  Terra, as faculdades se desdobram mais livremente. Porém,  o instrumento não dá a faculdade. Além disso, cumpre se  distingam as faculdades morais das intelectuais. Tendo um  homem o instinto do assassínio, seu próprio Espírito é,  indubitavelmente, quem possui esse instinto e quem lho  dá; não são seus órgãos que lho dão. Semelhante ao bruto, e  ainda pior do que este, se torna aquele que nulifica o seu  pensamento, para só se ocupar com a matéria, pois que não  cuida mais de se premunir contra o mal. Nisto é que incorre em falta, porquanto assim procede por vontade sua.”
  847. A aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?  “Já não é senhor do seu pensamento aquele cuja inteligência se ache turbada por uma causa qualquer e, desde  então, já não tem liberdade. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para o Espírito que, porventura,  tenha sido, noutra existência, fútil e orgulhoso, ou tenha  feito mau uso de suas faculdades. Pode esse Espírito, em  tal caso, renascer no corpo de um idiota, como o déspota  no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Espírito, porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que  tem perfeita consciência. Está aí a ação da matéria.”
  848. Servirá de escusa aos atos reprováveis o ser devida à  embriaguez a aberração das faculdades intelectuais?  “Não, porque foi voluntariamente que o ébrio se privou  da sua razão, para satisfazer a paixões brutais. Em vez de  uma falta, comete duas.”
  849. Qual a faculdade predominante no homem em estado  de selvageria: o instinto, ou o livre-arbítrio?  “O instinto, o que não o impede de agir com inteira  liberdade, no tocante a certas coisas. Mas, aplica, como a  criança, essa liberdade às suas necessidades e ela se am-  plia com a inteligência. Conseguintemente, tu, que és mais  esclarecido do que um selvagem, também és mais responsável pelo que fazes do que um selvagem o é pelos seus atos.”
  850. A posição social não constitui às vezes, para o homem,  obstáculo à inteira liberdade de seus atos?  “É fora de dúvida que o mundo tem suas exigências.  Deus é justo e tudo leva em conta. Deixa-vos, entretanto, a  responsabilidade de nenhum esforço empregardes para  vencer os obstáculos.”
  851. Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida,  conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Quer  dizer: todos os acontecimentos são predeterminados?  E, neste caso, que vem a ser do livre-arbítrio?  “A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer.  Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie de destino, que  é a conseqüência mesma da posição em que vem a achar-se  colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às  provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o  livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de  ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquear, um bom Espírito  pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de  maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é,  inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá abalar e amedrontar. Nem por isso,  entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de se  conservar livre de quaisquer peias.”
  852. Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem. Não  lhes estará no destino o infortúnio?  “São, talvez, provas que lhes caiba sofrer e que elas  escolheram. Porém, ainda aqui lançais à conta do destino o  que as mais das vezes é apenas conseqüência de vossas  próprias faltas. Trata de ter pura a consciência em meio dos  males que te afligem e já bastante consolado te sentirás.”
  853. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para  cair em outro. Parece que não podiam escapar da  morte. Não há nisso fatalidade?  “Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante  da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou  doutra, a ele não podeis furtar-vos.”
  853a) — Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace,  se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos?  “Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito  também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência.”
  854. Do fato de ser infalível a hora da morte, poder-se-á  deduzir que sejam inúteis as precauções que tomemos  para evitá-la?  “Não, visto que as precauções que tomais vos são  sugeridas com o fito de evitardes a morte que vos ameaça.  São um dos meios empregados para que ela não se dê.”
  855. Com que fim nos faz a Providência correr perigos que  nenhuma conseqüência devem ter?  “O fato de ser a tua vida posta em perigo constitui um  aviso que tu mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal  e te tornares melhor. Se escapas desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que correste, cogitas, mais ou  menos seriamente, de te melhorares, conforme seja mais  ou menos forte sobre ti a influência dos Espíritos bons.  Sobrevindo o mau Espírito (digo mau, subentendendo o mal  que ainda existe nele), entras a pensar que do mesmo modo  escaparás a outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiem. Por meio dos perigos que correis,  Deus vos lembra a vossa fraqueza e a fragilidade da vossa  existência. Se examinardes a causa e a natureza do perigo,  verificareis que, quase sempre, suas conseqüências teriam  sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no  cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o  Espírito a cair em si e a se emendar.”
  856. Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será  sua morte?  “Sabe que o gênero de vida que escolheu o expõe mais  a morrer desta do que daquela maneira. Sabe igualmente  quais as lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se  Deus o permitir, não sucumbirá.”
  857. Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?  “Muito amiúde tem o homem o pressentimento do seu  fim, como pode ter o de que ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela  necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe  ter que cumprir.”
  858. Por que razão os que pressentem a morte a temem  geralmente menos do que os outros?  “Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele  que a pressente pensa mais como Espírito do que como  homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a.”
  859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso  da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não pode  ser evitada, quando tem de ocorrer?  “São de ordinário coisas muito insignificantes, de sorte que vos podemos prevenir deles e fazer que os eviteis  algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos materiais. Isso, porém, nenhuma  importância tem na vida que escolhestes. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis  aparecer e desaparecer deste mundo.”
  859a) — Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e  que os Espíritos não possam conjurar, embora o queiram?  “Há, mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua escolha. Não creias, entretanto,  que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam  dizer. Um acontecimento qualquer pode ser a conseqüência  de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal sorte  que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não se  teria dado. Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é  senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só  as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir  no moral, Deus os prevê, porque são úteis à tua depuração  e à tua instrução.”
  860. Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer  que se não dêem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?  “Pode-o, se essa aparente mudança na ordem dos  fatos tiver cabimento na seqüência da vida que ele  escolheu. Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre,  pois que isso constitui o objetivo único da vida, facultado  lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer  para a produção de um mal maior.”
  861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que  comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?  “Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá  ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se  o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua  parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera  sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se sou-  besse previamente que, como homem, teria que cometer  um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai,  porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e  que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre  da vontade e do livre-arbítrio.  “Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais da vida e os atos da vida moral.  A fatalidade, que algumas vezes há, só existe com relação  àqueles sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e  que independem da vossa vontade. Quanto aos atos da vida  moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por  conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”
  862. Pessoas existem que nunca logram bom êxito em coisa  alguma, que parecem perseguidas por um mau gênio  em todos os seus empreendimentos. Não se pode  chamar a isso fatalidade?  “Será uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome,  mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que  essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação.  Entretanto, não creias seja absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com suas inteligências e aptidões.  Grandes probabilidades tem de se afogar quem pretender  atravessar a nado um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá  relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que  estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amor-próprio e a sua ambição, que o desviam  da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o  que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de culpar-se a si mesmo,  prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que  seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se  a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria lugar  no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no  lugar que lhe compete.”
  863. Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião  geral, quanto à escolha de suas ocupações? O que se  chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio?  “São os homens e não Deus quem faz os costumes  sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre-arbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de  semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes  razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo  devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e  que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício  que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o  homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como  fazem alguns em quem há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser  apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto  acerto em descer voluntariamente e sem murmurar, desde  que não possa manter-se no alto da escala.”
  864. Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é  contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois que  tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?  “De ordinário, é que essas pessoas sabem conduzir-se  melhor nas suas empresas. Mas, também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu destino  e muitas vezes pagam mais tarde esse bom êxito, mediante  revezes cruéis, que a prudência as teria feito evitar.”
  865. Como se explica que a boa sorte favoreça a algumas  pessoas em circunstâncias com as quais nada têm que  ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo?  “Alguns Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma tentação.  Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É  uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.”
  866. Então, a fatalidade que parece presidir aos destinos  materiais de nossa vida também é resultante do nosso  livre-arbítrio?  “Tu mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude  ela for e melhor a suportares, tanto mais te elevarás. Os  que passam a vida na abundância e na ventura humana  são Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários.  Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao  dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua  maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas  grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é  sempre agitada, sempre perturbada, quando mais não seja,  pela ausência da dor.”
  867. Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?  “Antiga superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas pessoas fazem a  tolice de tomar ao pé da letra.”
  868. Pode o futuro ser revelado ao homem?  “Em princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos  raros e excepcionais permite Deus que seja revelado.”
  869. Com que fim o futuro se conserva oculto ao homem?  “Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria do  presente e não obraria com a liberdade com que o faz, porque o dominaria a idéia de que, se uma coisa tem que acontecer, inútil será ocupar-se com ela, ou então procuraria  obstar a que acontecesse. Não quis Deus que assim fosse, a  fim de que cada um concorra para a realização das coisas,  até daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos que hão de  sobrevir no curso da tua existência.”
  870. Mas, se convém que o futuro permaneça oculto, por  que permite Deus que seja revelado algumas vezes?  “Permite-o, quando o conhecimento prévio do futuro  facilite a execução de uma coisa, em vez de a estorvar, obrigando o homem a agir diversamente do modo por que agiria, se lhe não fosse feita a revelação. Não raro, também é  uma prova. A perspectiva de um acontecimento pode sugerir pensamentos mais ou menos bons. Se um homem vem  a saber, por exemplo, que vai receber uma herança, com  que não conta, pode dar-se que a revelação desse fato desperte nele o sentimento da cobiça, pela perspectiva de se  lhe tornarem possíveis maiores gozos terrenos, pela ânsia  de possuir mais depressa a herança, desejando talvez, para  que tal se dê, a morte daquele de quem herdará. Ou, então,  essa perspectiva lhe inspirará bons sentimentos e pensamentos generosos. Se a predição não se cumpre, aí está  outra prova, consistente na maneira por que suportará a  decepção. Nem por isso, entretanto, lhe caberá menos o mérito ou o demérito dos pensamentos bons ou maus que a  crença na ocorrência daquele fato lhe fez nascer no íntimo.”
  871. Pois que Deus tudo sabe, não ignora se um homem sucumbirá ou não em determinada prova. Assim sendo,  qual a necessidade dessa prova, uma vez que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem?  “Isso equivale a perguntar por que não criou Deus o homem perfeito e acabado (119); por que passa o homem pela  infância, antes de chegar à condição de adulto (379). A prova  não tem por fim dar a Deus esclarecimentos sobre o homem,  pois que Deus sabe perfeitamente o que ele vale, mas dar ao  homem toda a responsabilidade de sua ação, uma vez que  tem a liberdade de fazer ou não fazer. Dotado da faculdade de  escolher entre o bem e o mal, a prova tem por efeito  pô-lo em luta com as tentações do mal e conferir-lhe  todo o mérito da resistência. Ora, conquanto saiba de antemão se ele se sairá bem ou não, Deus não o pode, em sua  justiça, punir, nem recompensar, por um ato ainda não  praticado.”
  872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O  homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica  não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por  prova e por expiação, escolher uma existência em que seja  arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado,  quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe  para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha  da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos  nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação  combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando  se basear no estudo aprofundado da natureza moral do  homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a  inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.  Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o  Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisto, como temos dito, que consiste sobretudo o  seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas  provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a  vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e  dos bons Espíritos. (337)  Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por  praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal  ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o  elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem  diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de  ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao  bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande  cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não  cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que,  por instinto, não renuncia, malgrado à opinião de alguns  sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar.  A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a  decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida,  qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse a ordem  das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De  que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar  invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria  para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem,  nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus,  soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas  cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam.  Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto  o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para  melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais  nem menos.  Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na  posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí  desempenha, em conseqüência do gênero de vida que seu  Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele  sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e  todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes. Aí,  porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende  ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que  ele próprio cria pelos seus atos, sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que  sugiram. (459)  Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se  apresentam, por serem estes conseqüência da escolha que  o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de  haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto  ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes  o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral.  No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso  que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da  existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a  esta o fio.  Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos, que, então, proviriam, ou da  sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade  lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe  fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe  pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se  mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite  no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe  diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois  lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é  muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal,  como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale  ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo  a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a  assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a Oração dominical,  quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à  tentação, mas livra-nos do mal.”
  873. O sentimento da justiça está em a natureza, ou é  resultado de idéias adquiridas?  “Está de tal modo em a natureza, que vos revoltais à  simples idéia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá.  Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, freqüentemente, em homens simples e incultos se vos deparam  noções mais exatas da justiça do que nos que possuem  grande cabedal de saber.”
  874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica  que os homens a entendam de modos tão diferentes,  considerando uns justo o que a outros parece injusto?  “É porque a esse sentimento se misturam paixões que  o alteram, como sucede à maior parte dos outros senti-  mentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas  por um prisma falso.”
  875. Como se pode definir a justiça?  “A justiça consiste em cada um respeitar os direitos  dos demais.”
  875a) — Que é o que determina esses direitos?  “Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os  homens formulado leis apropriadas a seus costumes e  caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média.  Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela  época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito  que os homens prescrevem. Demais, este direito regula  apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na  vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da  alçada do tribunal da consciência.”
  876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra,  qual a base da justiça, segundo a lei natural?  “Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que  quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu  Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um  deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como  deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele  procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro  do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”
  877. Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais?  “Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos  de seus semelhantes. Aquele que respeitar esses  direitos procederá sempre com justiça. Em o vosso mundo,  porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça,  cada um usa de represálias. Essa a causa da perturbação e  da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida  social outorga direitos e impõe deveres recíprocos.”
  878. Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do  seu direito, que é o que lhe fará conhecer o limite desse  direito?  “O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e  reciprocamente.”
  878a) — Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais  aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos  superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes?  “Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição  mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o  de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos seus  olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e  saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o  mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam  seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”
  879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?  “O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto  praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os  quais não há verdadeira justiça.”
  880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do  homem?  “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar  contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer  que possa comprometer-lhe a existência corporal.”
  881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens  que lhe permitam repousar quando não mais possa  trabalhar?  “Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha,  por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há  mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.”
  882. Tem o homem o direito de defender os bens que haja  conseguido juntar pelo seu trabalho?  “Não disse Deus: ‘Não roubarás?’ E Jesus não disse:  ‘Dai a César o que é de César?’  O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender,  porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quanto o de trabalhar e de viver.  883. É natural o desejo de possuir?  “Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.”
  882a) — Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir,  uma vez que aquele que tem de que viver a ninguém é pesado?  “Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões.  Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao  contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os  seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus  abençoa o seu trabalho.”
  884. Qual o caráter da legítima propriedade?  “Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem  prejuízo de outrem.”
  885. Será ilimitado o direito de propriedade?  “É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma propriedade. Mas, como havemos dito,  a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa  a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o  progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça.  O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no  século seguinte.”
  886. Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como  a entendia Jesus?  “Benevolência para com todos, indulgência para as  imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”
  887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às  nossas tendências naturais e a inimizade não provirá  de uma falta de simpatia entre os Espíritos?  “Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor  terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de  dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o  mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos  seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca, se  procura tomar vingança.”
  888. Que se deve pensar da esmola?  “Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada  física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se  baseie na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do  fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a  existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar  a vida à mercê do acaso e da boa vontade de alguns.”
  888a) — Dar-se-á reproveis a esmola?  “Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a  maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem,  que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao  encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda  a mão.  “A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola;  está tanto no ato, como na maneira por que é praticado.  Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o  for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o  recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.  “Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a  ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus: ‘Ignore a  vossa mão esquerda o que a direita der.’ Por essa forma, ele  vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.  “Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da  beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede.  O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que  muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem  verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.  “Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina,  mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei  de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a  lei de amor para a matéria inorgânica.  “Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que  sejam o grau de seu adiantamento, sua situação como  reencarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para  com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede,  pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz  dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa  pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas.  Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes.  Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí  os ignorantes e moralizai os viciados. Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para  com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à  lei de Deus.”SÃO VICENTE DE PAULO
  889. Não há homens que se vêem condenados a mendigar  por culpa sua?  “Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes  houvera ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído  nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.”
  890. Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento  instintivo, comum aos homens e aos animais?  “Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus  filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém,  esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessários se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma  abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e  acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há  nele coisa diversa do que há no amor do animal.”
  891. Estando em a Natureza o amor materno, como é que  há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a  infância destes?  “Às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou  mãe perversa, ou mau filho, noutra existência (392). Em  todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada  por um mau Espírito que procura criar embaraços ao filho,  a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas, essa  violação das leis da Natureza não ficará impune e o Espíri-  to do filho será recompensado pelos obstáculos de que haja  triunfado.”
  892. Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm  estes desculpa para o fato de lhes não dispensarem a  ternura de que os fariam objeto, em caso contrário?  “Não, porque isso representa um encargo que lhes é  confiado e a missão deles consiste em se esforçarem por  encaminhar os filhos para o bem (582-583). Demais, esses  desgostos são, amiúde, a conseqüência do mau feitio que  os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço.  Colhem o que semearam.”
  893. Qual a mais meritória de todas as virtudes?  “Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas  indicam progresso na senda do bem. Há virtude sempre  que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus  pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais  desinteressada caridade.”
  894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem  que precisem vencer quaisquer sentimentos que lhes  sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se  vêem na contingência de lutar contra a natureza que  lhes é própria e a vencem?  “Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso  realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é  que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas  ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um  hábito. Devidas lhes são as honras que se costuma tributar  a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.  “Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos  vos espantam pelo contraste com o que tendes à vista e  tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o  vosso, constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do  bem é espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se  dará na Terra, quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade na sua  verdadeira acepção.”
  895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais  ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?  “O interesse pessoal. Freqüentemente, as qualidades  morais são como, num objeto de cobre, a douradura que  não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de  bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo  fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda  tão rara na Terra que, quando se patenteia, todos o admiram como se fora um fenômeno.  “O apego às coisas materiais constitui sinal notório de  inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara  de um ponto mais elevado o futuro.”
  896. Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus haveres sem utilidade real,  por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm  algum merecimento essas pessoas?  “Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo.  A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada  num cofre forte, também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito de que uns e outros  terão de prestar contas, porque terão de responder por todo  o bem que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram  aos que dele não precisavam.”
  897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem, sem visar  a qualquer recompensa na Terra, mas esperando que  lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha  a ser melhor a sua situação? E essa preocupação lhe  prejudicará o progresso?  “O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com  desinteresse.”
  897a) — Contudo, todos alimentam o desejo muito natural  de progredir, para forrar-se à penosa condição desta vida.  Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse  objetivo. Será, então, um mal pensarmos que, praticando o  bem, podemos esperar coisa melhor do que temos na Terra?  “Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem idéia  preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao  seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais  depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz o bem  por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.”
  897b) — Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se  entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a idéia de  que nos seja levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos, vencermos  as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos bons Espíritos e de nos  elevarmos?  “Não, não. Quando dizemos — fazer o bem, queremos  significar — ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele  que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações  render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se,  para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual  devem todos tender.”
  898. Sendo a vida corpórea apenas uma estada temporária  neste mundo e devendo o futuro constituir objeto da  nossa principal preocupação, será útil nos esforcemos  por adquirir conhecimentos científicos que só digam  respeito às coisas e às necessidades materiais?  “Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de auxiliar os vossos irmãos; depois, o vosso Espírito  subirá mais depressa, se já houver progredido em inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis numa  hora o que na Terra vos exigiria anos de aprendizado. Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos contribuem para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e porque, cumprindo que o progresso  se efetue em todos os sentidos, todas as idéias adquiridas  ajudam o desenvolvimento do Espírito.”
  899. Qual o mais culpado de dois homens ricos que empregam exclusivamente em gozos pessoais suas riquezas,  tendo um nascido na opulência e desconhecido  sempre a necessidade, devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui?  “Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o  que é sofrer. A dor, a que nenhum alívio procura dar, ele a  conhece; porém, como freqüentemente sucede, já dela se  não lembra.”
  900. Aquele que incessantemente acumula haveres, sem  fazer o bem a quem quer que seja, achará desculpa,  que valha, na circunstância de acumular com o fito de  maior soma legar aos seus herdeiros?  “É um compromisso com a consciência má.”
  901. Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo para consigo mesmo; enquanto recua  ante o mais ligeiro sacrifício para prestar um serviço  ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o  que despenda para satisfazer aos seus gostos ou às  suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante para isso.  Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior  situação no mundo dos Espíritos?  “O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O  outro já recebeu parte do seu castigo.”
  902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos  anime o desejo de fazer o bem?  “Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando  puro. Mas, será sempre bastante desinteressado esse desejo? Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não  será de fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que  cogita aquele, em quem tal desejo se manifesta?”
  903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos  alheios?  “Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e  divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para  tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe  de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a  indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o  mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos  defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de  vos tornardes superiores a ele. Se lhe censurais o ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes e  modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com  pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa  palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar  estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”
  904. Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da  sociedade e as expõe em público?  “Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa produzir escândalo, não faz mais do que proporcionar a si mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros  que constituem antes mau do que bom exemplo. O Espírito  aprecia isso, mas pode vir a ser punido por essa espécie de  prazer que encontra em revelar o mal.”
  904a) — Como, em tal caso, julgar da pureza das intenções  e da sinceridade do escritor?  “Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas  coisas, aproveitai-as. Se proceder mal, é uma questão de  consciência que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais,  se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade,  apóie o que disser nos exemplos que dê.”
  905. Alguns autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que auxiliam o progresso da Humanidade, das  quais, porém, nenhum proveito tiraram eles. Ser-lhes-á  levado em conta, como Espíritos, o bem a que suas  obras hajam dado lugar?  “A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o  trabalho. De que vos serve a semente, se não a fazeis dar  frutos que vos alimentem? Grave é a culpa desses homens,  porque dispunham de inteligência para compreender. Não  praticando as máximas que ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.”
  906. Será passível de censura o homem, por ter consciência  do bem que faz e por confessá-lo a si mesmo?  “Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do  bem igualmente deve tê-la, a fim de saber se andou bem ou  mal. Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus  e, sobretudo, na da lei de justiça, amor e caridade, é que  poderá dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más,  que as poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode,  portanto, censurar que reconheça haver triunfado dos maus  pendores e que se sinta satisfeito, desde que de tal não se  envaideça, porque então cairia noutra falta.”
  907. Será substancialmente mau o princípio originário das  paixões, embora esteja na natureza?  “Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a  vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto  no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo  à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é  que causa o mal.”
  908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões  deixam de ser boas para se tornarem más?  “As paixões são como um corcel, que só tem utilidade  quando governado e que se torna perigoso desde que passe  a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em  resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para  outrem.”
  909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer  as suas más inclinações?  “Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! quão poucos  dentre vós fazem esforços!”
  910. Pode o homem achar nos Espíritos eficaz assistência  para triunfar de suas paixões?  “Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os bons Espíritos lhe virão certamente em auxílio, porquanto é essa a missão deles.”
  911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a  vontade seja impotente para dominá-las?  “Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade  só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas  ficam que não seja como ‘querem’. Quando o homem crê  que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se  compraz nelas, em conseqüência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura  reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito  sobre a matéria.”
  912. Qual o meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza corpórea?  “Praticar a abnegação.”
  913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?  “Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo  mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos  há egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis  a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois,  todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a  verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser, desde esta  vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar  o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o  egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade.  Ele neutraliza todas as outras qualidades.”
  914. Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo?  “À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende da educação.”
  915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre um obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra?  “É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal,  porém ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade mesma. Ora, depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de suas outras impurezas. Não  existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais homens assim do que  supondes. Apenas, não os conheceis, porque a virtude foge  à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não  haverá dez? havendo dez, por que não haverá mil e assim  por diante?”
  916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização,  que, até, parece, o excita e mantém. Como poderá a  causa destruir o efeito?  “Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era  preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se houverem despojado do egoísmo que os  domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum,  auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento  mútuo da solidariedade. Então, o forte será o amparo e não  o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem  falte o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de preparar.”
  917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo?  “De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais  difícil de desenraizar-se porque deriva da influência da  matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo  de sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua  educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a  vida moral for predominando sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando, bem compreendido, se houver  identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo  transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O  egoísmo assenta na importância da personalidade. Ora,  o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de  tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de  certo modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo.  “O choque, que o homem experimenta, do egoísmo dos  outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a  ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva de  base às instituições sociais, às relações legais de povo a  povo e de homem a homem o princípio da caridade e da  fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, as-  sim veja que outros nela pensaram. Todos experimentarão  a influência moralizadora do exemplo e do contacto. Em  face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é  verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à  sua personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem. Principalmente para  os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se  acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia da  justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que  se há de ver, todo aquele que em si somente houver  pensado.”FÉNELON
  918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o  progresso real que lhe elevará o Espírito na hierarquia  espírita?  “O Espírito prova a sua elevação, quando todos os atos  de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e  quando antecipadamente compreende a vida espiritual.”
  919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se  melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?  “Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti  mesmo.”
  919a) — Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?  “Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do  dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao  que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em  mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando  a Deus e ao seu anjo-de-guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me,  Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas,  interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo  procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes  alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se  obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai  ainda mais: ‘Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo  no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?’  “Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa  consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.  “O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do  progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio  para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas  tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos.  Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por  outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na podereis ter  por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não  usa de duas medidas na aplicação de sua justiça. Procurai  também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e  não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto  esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus  muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a  fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o  faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como  do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no  seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas  perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes  será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi  bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio  o despertar na outra vida.  “Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se  gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui  esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que  vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem!  que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas  enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o  homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns  esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que  estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto  desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a  não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi  que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado  de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos  Espíritos.”SANTO AGOSTINHO
  920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?  “Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou  expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus  males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.”
  921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a  Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso  se não verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa?  “O homem é quase sempre o obreiro da sua própria  infelicidade. Praticando a lei de Deus, a muitos males se  forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande  quanto o comporte a sua existência grosseira.”
  922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um.  O que basta para a felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os homens?  “Com relação à vida material, é a posse do necessário.  Com relação à vida moral, a consciência tranqüila e a fé no  futuro.”
  923. O que para um é supérfluo não representará, para  outro, o necessário, e reciprocamente, de acordo com  as posições respectivas?  “Sim, conformemente às vossas idéias materiais, aos  vossos preconceitos, à vossa ambição e às vossas ridículas  extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha  cinqüenta mil libras de renda, vendo-se reduzido a só ter  dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua  posição, ter cavalos, lacaios, satisfazer a todas as paixões,  etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente,  achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos  há, morrendo de fome e frio, sem um abrigo onde repousem  a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha  sempre para baixo e não para cima, a não ser para  elevar sua alma ao infinito.”
  924. Há males que independem da maneira de proceder do  homem e que atingem mesmo os mais justos. Nenhum  meio terá ele de os evitar?  “Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer  progredir. Sempre, porém, lhe é dado haurir consolação na  própria consciência, que lhe proporciona a esperança de  melhor futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.”
  925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a  certos homens que não parecem tê-los merecido?  “Isso significa um favor aos olhos dos que apenas vêem  o presente. Mas, fica sabendo, a riqueza é, de ordinário,  prova mais perigosa do que a miséria.”
  926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas aflições?  “Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A muitos desenganos se poupa  nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha  sem inveja para o que esteja acima de si. O que menos  necessidades tem, esse o mais rico.  “Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do  mundo. Sabeis, porventura, o que lhes está reservado? Se  os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao núme-  ro dos egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes permite que o mau  prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é  infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em  conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas  palavras de Jesus: Bem-aventurados os que sofrem, pois  que serão consolados.”
  927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável, porém o mesmo não se dá  com o necessário. Ora, não será real a infelicidade  daqueles a quem falta o necessário?  “Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre  da falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia,  pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então,  só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por  outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe  houver dado causa.”
  928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a nossa vocação neste  mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não  seguirmos essa vocação?  “Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por  orgulho ou avareza, desviam seus filhos da senda que a  Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por  efeito desse desvio. Responderão por ele.”
  928a) — Acharíeis então justo que o filho de um homem  altamente colocado na sociedade fabricasse tamancos, por  exemplo, desde que para isso tivesse aptidão?  “Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas exigências. Por que haveria de  fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado, como dizes, se pode fazer outra coisa? Poderá sempre  tornar-se útil na medida de suas faculdades, desde que  não as aplique às avessas. Assim, por exemplo, em vez de  mau advogado, talvez desse bom mecânico, etc.”
  929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora  no seu derredor reine a abundância, só têm diante de  si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar?  Devem deixar-se morrer de fome?  “Nunca ninguém deve ter a idéia de deixar-se morrer  de fome. O homem acharia sempre meio de se alimentar, se  o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o trabalho. Costuma-se dizer: ‘Não há ofício desprezível; o seu  estado não é o que desonra o homem.’ Isso, porém, cada  um diz para os outros e não para si.”
  930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais,  pelos quais se deixa o homem dominar, ele sempre  acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse  meio de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas,  entre os que não têm preconceitos ou os põem de lado, não  há pessoas que se vêem na impossibilidade de prover às  suas necessidades, em conseqüência de moléstias  ou outras causas independentes da vontade delas?  “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo  ninguém deve morrer de fome.”
  931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as  classes sofredoras do que as felizes?  “Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a  felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao  teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e  de Espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela  lhe será o paraíso terrestre.”
  932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus  sobrepuja a dos bons?  “Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem,  preponderarão.”
  933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de  seus sofrimentos materiais, também o será de seus  sofrimentos morais?  “Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas  vezes independem da vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme,  todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma.  “A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes  dois vermes roedores! Para aquele que a inveja e o ciúme  atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente, como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem  até durante o sono, se levantam os objetos de sua cobiça,  do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem  ardendo em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra verdadeiro inferno?”
  934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para  nós legítima causa de dor, tanto mais legítima quanto é  irreparável e independente da nossa vontade?  “Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre:  representa uma prova, ou expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos  com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de outros mais diretos e mais  acessíveis aos vossos sentidos.”
  935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram  profanação as comunicações com o além-túmulo?  “Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e  convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato  de que os Espíritos que vos consagram afeição acodem com  prazer ao vosso chamado. Sentem-se felizes por vos  lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria  profanação, se isso fosse feito levianamente.”
  936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam?  “O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos  que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor incessante e  desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva, ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus  e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que  o choram e talvez à sua reunião com estes.”
  937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da  ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade não  são também uma fonte de amarguras?  “São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis;  serão muito mais infelizes do que vós. A ingratidão é filha  do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos  os que hão feito mais bem do que vós, que valeram muito  mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão.  Lembrai-vos de que o próprio Jesus foi, quando no mundo,  injuriado e menosprezado, tratado de velhaco e impostor, e  não vos admireis de que o mesmo vos suceda. Seja o bem  que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não  atenteis no que dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa perseverança  na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos  forem ingratos serão tanto mais punidos, quanto maior lhes  tenha sido a ingratidão.”
  938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade?  “Fora um erro, porquanto o homem de coração, como  dizes, se sente sempre feliz pelo bem que faz. Sabe que, se  esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra  e que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua  ingratidão.”
  938a) — Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração.  Ora, daí não poderá nascer-lhe a idéia de que seria mais  feliz, se fosse menos sensível?  “Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade  essa! Saiba, pois, que os amigos ingratos que o abandonam  não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito  deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido.  Mais tarde achará outros, que saberão compreendê-lo  melhor. Lastimai os que usam para convosco de um procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes  apresentará o reverso da medalha. Não vos aflijais, porém,  com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.”
  939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a  unir-se, como é que, entre os encarnados, freqüentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero  amor se vê acolhido com indiferença e, até, com  repulsão? Como é, além disso, que a mais viva afeição  de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo  em ódio?  “Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira? Depois, quantos não são os  que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam  pelas aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas  amadas, não tardam a reconhecer que só experimentaram  um encantamento material! Não basta uma pessoa estar  enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas  qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio  parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam os que  as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de  bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre  não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o  corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito  vê a realidade.  “Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma,  acontecendo com freqüência tomar-se uma pela outra.  Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura;  efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde  que a ilusão se desfaça.”
  940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto  mais amargos quanto envenenam toda a existência, a  falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos?  “Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais das vezes, a causa principal. Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis. Julgas,  porventura, que Deus te constranja a permanecer junto dos  que te desagradam? Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do  que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as  conseqüências dos vossos prejuízos.”
  940a) — Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima  inocente?  “Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que lhe tiverem  sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as  causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”
  941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa  de perplexidade. Donde lhes vêm esse temor, tendo elas  diante de si o futuro?  “Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas,  que queres! se procuram persuadi-las, quando crianças, de  que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem  para o inferno, visto que também lhes disseram que o que  está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum  juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem atéias, ou  materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida  presente, nada mais há. Quanto aos que persistiram nas  suas crenças da infância, esses temem aquele fogo eterno  que os queimará sem os consumir.  “Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com  a fé, tem ele a certeza do futuro. A esperança fá-lo contar  com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe  dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir,  nenhum ser encontrará cujo olhar lhe seja de temer.”
  942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses  conselhos para ser-se feliz na Terra; que neles vejam o  que chamam lugares comuns, sediças verdades; e que  digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste  em saber cada um suportar a sua desgraça?  “Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e continuando a apanhar indigestões.”
  943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos  plausíveis, se apodera de certos indivíduos?  “Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da  saciedade.  “Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e  de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada  tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe  suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e  mais durável que o espera.”
  944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?  “Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa transgressão desta lei.”
  944a) — Não é sempre voluntário o suicídio?  “O louco que se mata não sabe o que faz.”
  945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o  desgosto da vida?  “Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência  não lhes teria sido tão pesada.”
  946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às  misérias e às decepções deste mundo?  “Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar  as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não  aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações da  vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam  sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém,  daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para  me servir da linguagem deles, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais  tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”
  946a) — Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato  de desespero sofrerão as conseqüências de tal proceder?  “Oh! esses, ai deles!  Responderão como por um  assassínio.”
  947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com  a maior penúria, se deixa morrer de fome?  “É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que  teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a  quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja  totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do  atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce  do orgulho. Quero dizer: se for quais homens em quem o  orgulho anula os recursos da inteligência, que corariam de  dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem  morrer de fome a renunciar ao que chamam sua posição  social! Não haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em  lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um  mundo fútil e egoísta, que só tem boa vontade para com  aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim  precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a isso nenhum apreço dá.”
  948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele que procura escapar à vergonha  de uma ação má?  “O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de  uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o  mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as conseqüências. Deus,  que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de  sua justiça.”
  949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim  obstar a que a vergonha caia sobre os filhos, ou sobre  a família?  “O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa  que o faz, Deus lhe leva isso em conta, pois que é uma  expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe ate-  nua a falta; entretanto, nem por isso deixa de haver falta.  Demais, eliminai da vossa sociedade os abusos e os  preconceitos e deixará de haver desses suicídios.”
  950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de  chegar mais depressa a uma vida melhor?  “Outra loucura! Que faça o bem e mais certo estará de  lá chegar, pois, matando-se, retarda a sua entrada num  mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar,  para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma  idéia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a ninguém  o santuário dos eleitos.”
  951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando  aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil  aos seus semelhantes?  “Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o  sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus se opõe  a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado, se  tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um  pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”
  952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões  que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a  que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado  em verdadeiras necessidades físicas?  “É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o  homem é duplamente culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.”
  952a) — Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si  mesmo a vida por desespero?  “É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o  seu suicídio. Naquele que o faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa  tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso  que as penas são proporcionadas sempre à consciência que  o culpado tem das faltas que comete.”
  953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável  e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente  sua morte?  “É sempre culpado aquele que não aguarda o termo  que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá  estar certo de que, malgrado às aparências, esse termo  tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha  no último momento?”
  953a) — Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o  suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em  que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de  alguns instantes.  “É sempre uma falta de resignação e de submissão à  vontade do Criador.”
  953b) — Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato?  “Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.”
  954. Será condenável uma imprudência que compromete a  vida sem necessidade?  “Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou  consciência perfeita da prática do mal.”
  955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as conseqüências de um suicídio as mulheres que, em certos  países, se queimam voluntariamente sobre os corpos  dos maridos?  “Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à  força do que por vontade. Julgam cumprir um dever e esse  não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham. Esses usos bárbaros e estúpidos  desaparecem com o advento da civilização.”
  956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo  conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram  caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes?  “Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao que era objeto de suas  afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o insulto  que lhe fazem com o duvidarem da sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que  as que pensaram abreviar e não terão, para compensá-las,  a satisfação que esperavam.”
  957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as  conseqüências do suicídio?  “Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não  há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma  conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que  aquela cujo curso interromperam.”
  958. Por que tem o homem, instintivamente, horror ao nada?  “Porque o nada não existe.”
  959. Donde nasce, para o homem, o sentimento instintivo  da vida futura?  “Já temos dito: antes de encarnar, o Espírito conhecia  todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do  que sabe e do que viu no estado espiritual.”
  960. Donde se origina a crença, com que deparamos entre  todos os povos, na existência de penas e recompensas  porvindouras?  “É sempre a mesma coisa: pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo Espírito nele encarnado. Porque, sabei-o bem, não é debalde que uma voz interior vos  fala. O vosso erro consiste em não lhe prestardes bastante  atenção. Melhores vos tornaríeis, se nisso pensásseis  muito, e muitas vezes.”
  961. Qual o sentimento que domina a maioria dos homens no  momento da morte: a dúvida, o temor, ou a esperança?  “A dúvida, nos cépticos empedernidos; o temor, nos  culpados; a esperança, nos homens de bem.”
  962. Como pode haver cépticos, uma vez que a alma traz ao  homem o sentimento das coisas espirituais?  “Eles são em número muito menor do que se julga.  Muitos se fazem de espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de  ser tão fanfarrões.”
  963. Com cada homem, pessoalmente, Deus se ocupa? Não  é ele muito grande e nós muito pequeninos para que  cada indivíduo em particular tenha, a seus olhos,  alguma importância?  “Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais  pequeninos que sejam. Nada, para a sua bondade, é destituído de valor.”
  964. Mas, será necessário que Deus atente em cada um dos  nossos atos, para nos recompensar ou punir? Esses  atos não são, na sua maioria, insignificantes para ele?  “Deus tem suas leis a regerem todas as vossas ações.  Se as violais, vossa é a culpa. Indubitavelmente, quando  um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere  contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste  guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a conseqüência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infração da lei.  Assim em tudo.”
  965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da  alma depois da morte?  “Não podem ser materiais, di-lo o bom-senso, pois que  a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e  esses gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os  que experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez  liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe  embota as sensações.”
  966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o  homem, às vezes, tão grosseira e absurda idéia?  “Inteligência que ainda se não desenvolveu bastante.  Compreende a criança as coisas como o adulto? Isso, ao  demais, depende também do que se lhe ensinou: aí é que  há necessidade de uma reforma.  “Muitíssimo incompleta é a vossa linguagem, para exprimir o que está fora de vós. Teve-se então que recorrer a  comparações e tomastes como realidade as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida, po-  rém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o  que a sua linguagem não pode exprimir.”
  967. Em que consiste a felicidade dos bons Espíritos?  “Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio,  nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das  paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor  que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem.  Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros Espíritos gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são  infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade  de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os  que já estão bastante adiantados compreendem a ventura  dos que os precederam e aspiram a alcançá-la. Mas, esta  aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de  ciúme. Sabem que deles depende o consegui-la e para a  conseguirem trabalham, porém com a calma da consciência tranqüila e ditosos se consideram por não terem que  sofrer o que sofrem os maus.”
  968. Citais, entre as condições da felicidade dos bons Espíritos, a ausência das necessidades materiais. Mas, a  satisfação dessas necessidades não representa para  o homem uma fonte de gozos?  “Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a  essas necessidades, passas por uma tortura.”
  969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos  puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados  em lhe entoar louvores?  “É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm  das perfeições de Deus, porque o vêem e compreendem,  mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da  letra. Tudo em a Natureza, desde o grão de areia, canta,  isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus.  Não creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma  bem-aventurança estúpida e monótona. Fora, além disso,  a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria  uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações  da vida corpórea: já é um gozo. Depois, como dissemos,  conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua ocupação, que ao mesmo tempo  é um gozo.”
  970. Em que consistem os sofrimentos dos Espíritos  inferiores?  “São tão variados como as causas que os determinam  e proporcionados ao grau de inferioridade, como os gozos o  são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: Invejarem o que lhes falta para ser felizes e não obterem; verem a  felicidade e não na poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva,  desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos;  remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os  gozos e não os podem satisfazer: eis o que os tortura.”
  971. É sempre boa a influência que os Espíritos exercem  uns sobre os outros?  “Sempre boa, está claro, da parte dos bons Espíritos.  Os Espíritos perversos, esses procuram desviar da senda  do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que  eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.”
  971a) — Assim, a morte não nos livra da tentação?  “Não, mas a ação dos maus Espíritos é sempre menor  sobre os outros Espíritos do que sobre os homens, porque  lhes falta o auxílio das paixões materiais.”
  972. Como procedem os maus Espíritos para tentar os  outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões?  “As paixões não existem materialmente, mas existem  no pensamento dos Espíritos atrasados. Os maus dão  pasto a esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos  lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões  e de tudo o que as possa excitar.”
  972a) — Mas, de que servem essas paixões, se já não têm  objeto real?  “Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias  em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe  causam inveja e de que não pode gozar.”
  973. Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus  se vêem sujeitos?  “Não há descrição possível das torturas morais que  constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as  sofre teria dificuldade em vos dar delas uma idéia. Indubi-  tavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem  que estão condenados sem remissão.”
  974. Donde procede a doutrina do fogo eterno?  “Imagem, semelhante a tantas outras, tomada como  realidade.”
  974a) — Mas, o temor desse fogo não produzirá bom  resultado?  “Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam.  Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a repe-  lir, causareis uma impressão que não será duradoura, nem  salutar.”
  975. Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do  justo?  “Sim, e isso lhes é um suplício, porque compreendem  que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o  Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal,  pois que cada existência, se for bem empregada, abrevia  um tanto a duração desse suplício. É então que procede à  escolha das provas por meio das quais possa expiar suas  faltas. Porque, ficai sabendo, o Espírito sofre por todo o  mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo  o bem que houvera podido fazer e não fez e por todo o mal  que decorra de não haver feito o bem.  “Para o Espírito errante, já não há véus. Ele se acha  como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da  felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto  foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua  realidade.”
  976. O espetáculo dos sofrimentos dos Espíritos inferiores  não constitui, para os bons, uma causa de aflição e,  nesse caso, que fica sendo a felicidade deles, se é  assim turbada?  “Não constitui motivo de aflição, pois que sabem que o  mal terá fim. Auxiliam os outros a se melhorarem e lhes  estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que  lhes proporciona gozo quando são bem-sucedidos.”
  976a) — Isto se concebe da parte de Espíritos estranhos ou  indiferentes. Mas o espetáculo das tristezas e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na Terra não lhes perturba a  felicidade?  “Se não vissem esses sofrimentos, é que eles vos seriam  estranhos depois da morte. Ora, a religião vos diz que as  almas vos vêem. Mas, eles consideram de outro ponto de  vista os vossos sofrimentos. Sabem que estes são úteis ao  vosso progresso, se os suportardes com resignação. Afligem-se, portanto, muito mais com a falta de ânimo que vos  retarda, do que com os sofrimentos considerados em si  mesmos, todos passageiros.”
  977. Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus  pensamentos e sendo conhecidos todos os atos da vida,  dever-se-á deduzir que o culpado está perpetuamente  em presença de sua vítima?  “Não pode ser de outro modo, di-lo o bom-senso.”
  977a) — Serão um castigo para o culpado essa divulgação  de todos os nossos atos reprováveis e a presença constante  dos que deles foram vítimas?  “Maior do que se pensa, mas tão-somente até que o  culpado tenha expiado suas faltas, quer como Espírito, quer  como homem, em novas existências corpóreas.”
  978. A lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade, mesmo  depois de se haver purificado?  “Não, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das  provas a que se submetera para esse fim.”
  979. Não serão, para a alma, causa de penosa apreensão,  que lhe altera a felicidade, as provas por que ainda  tenha de passar para acabar a sua purificação?  “Para a alma ainda maculada, são. Daí vem que ela  não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando esteja  completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou,  nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja de  sofrer.”
  980. O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma  ordem constitui para eles uma fonte de felicidade?  “Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para  o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam,  no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade  de sentimentos, consistindo nisto a felicidade espiritual,  do mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e experimentais certo prazer quando vos achais reunidos. Na afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm eles um manancial  de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem  hipócritas.”
  981. Com relação ao estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em vida, teme a morte e outro que  a encara com indiferença e mesmo com alegria?  “Muito grande pode ser a diferença. Entretanto, apaga-se com freqüência em face das causas determinantes des-  se temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode  o homem ser propelido por sentimentos muito diversos e  são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É  evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte, unicamente porque vê nela o termo de suas tribulações, há  uma espécie de queixa contra a Providência e contra as  provas que lhe cumpre suportar.”
  982. Será necessário que professemos o Espiritismo e  creiamos nas manifestações espíritas, para termos  assegurada a nossa sorte na vida futura?  “Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados  todos os que não crêem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte  futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o  caminho que a ele conduza.”
  983. Não experimenta sofrimentos materiais o Espírito que  expia suas faltas em nova existência? Será então exato dizer-se que, depois da morte, só há para a alma  sofrimentos morais?  “É bem verdade que, quando a alma está reencarnada,  as tribulações da vida são-lhe um sofrimento; mas, só o  corpo sofre materialmente.  “Falando de alguém que morreu, costumais dizer que  deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade. Como  Espírito, está isento de dores físicas; porém, tais sejam as  faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado  em nova existência. O mau rico terá que pedir esmola e se  verá a braços com todas as privações oriundas da miséria;  o orgulhoso, com todas as humilhações: o que abusa de  sua autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados se verá forçado a obedecer a um superior mais  ríspido do que ele o foi. Todas as penas e tribulações da  vida são expiação das faltas de outra existência, quando  não a conseqüência das da vida atual. Logo que daqui  houverdes saído, compreendê-lo-eis. (273, 393 e 399)  “O homem que se considera feliz na Terra, porque pode  satisfazer às suas paixões, é o que menos esforços emprega  para se melhorar. Muitas vezes começa a sua expiação já  nessa mesma vida de efêmera felicidade, mas certamente  expiará noutra existência tão material quanto aquela.”
  984. As vicissitudes da vida são sempre a punição das  faltas atuais?  “Não; já dissemos: são provas impostas por Deus, ou  que vós mesmos escolhestes como Espíritos, antes de  encarnardes, para expiação das faltas cometidas em outra  existência, porque jamais fica impune a infração das leis de  Deus e, sobretudo, da lei de justiça. Se não for punida nes-  ta existência, sê-lo-á necessariamente noutra. Eis por que  um, que vos parece justo, muitas vezes sofre. É a punição  do seu passado.”
  985.Constitui recompensa a reencarnação da alma em um  mundo menos grosseiro?  “É a conseqüência de sua depuração, porquanto, à  medida que se vão depurando, os Espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas  as impurezas, para eternamente gozarem da felicidade dos  Espíritos puros, no seio de Deus.”
  986. Pode o Espírito, que progrediu em sua existência  terrena, reencarnar alguma vez no mesmo mundo?  “Sim; desde que não tenha logrado concluir a sua missão,  pode ele próprio pedir lhe seja dado completá-la em nova existência. Mas, então, já não está sujeito a uma expiação.”
  987. Que sucede ao homem que, não fazendo o mal, também  nada faz para libertar-se da influência da matéria?  “Pois que nenhum passo dá para a perfeição, tem que  recomeçar uma existência de natureza idêntica à precedente.  Fica estacionário, podendo assim prolongar os sofrimentos  da expiação.”
  988. Há pessoas cuja vida se escoa em perfeita calma; que,  nada precisando fazer por si mesmas, se conservam  isentas de cuidados. Provará essa existência ditosa  que elas nada têm que expiar de existência anterior?  “Conheces muitas dessas pessoas? Enganas-te, se pensas que as há em grande número. Não raro, a calma é apenas aparente. Talvez elas tenham escolhido tal existência,  mas, quando a deixam, percebem que não lhes serviu para  progredirem. Então, como o preguiçoso, lamentam o tempo  perdido. Sabei que o Espírito não pode adquirir conhecimentos e elevar-se senão exercendo a sua atividade. Se  adormece na indolência, não se adianta. Assemelha-se a  um que (segundo os vossos usos) precisa trabalhar e que  vai passear ou deitar-se, com a intenção de nada fazer. Sabei  também que cada um terá que dar contas da inutilidade voluntária da sua existência, inutilidade sempre fatal à felicidade futura. Para cada um, o total dessa felicidade futura  corresponde à soma do bem que tenha feito, estando o da  infelicidade na proporção do mal que haja praticado e  daqueles a quem haja desgraçado.”
  989. Pessoas há que, se bem não sejam positivamente más,  tornam infelizes, pelos seus caracteres, todos os que  as cercam. Que conseqüências lhes advirão disso?  “Inquestionavelmente, essas pessoas não são boas. Expiarão suas faltas, tendo sempre diante da vista aqueles a  quem infelicitaram, valendo-lhes isso por uma exprobração.  Depois, noutra existência, sofrerão o que fizeram sofrer.”
  990. O arrependimento se dá no estado corporal ou no estado espiritual?  “No estado espiritual; mas, também pode ocorrer no  estado corporal, quando bem compreendeis a diferença entre  o bem e o mal.”
  991. Qual a conseqüência do arrependimento no estado  espiritual?  “Desejar o arrependido uma nova encarnação para se  purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o  privam de ser feliz e por isso aspira a uma nova existência  em que possa expiar suas faltas.”
  992. Que conseqüência produz o arrependimento no estado  corporal?  “Fazer que, já na vida atual, o Espírito progrida, se  tiver tempo de reparar suas faltas. Quando a consciência o  exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode  sempre melhorar-se.”
  993. Não há homens que só têm o instinto do mal e são  inacessíveis ao arrependimento?  “Já te disse que todo Espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do  mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas  vezes, pois preciso é que todos progridam e atinjam a meta.  A diferença está somente em que uns gastam mais tempo  do que outros, porque assim o querem. Aquele, que só tem  o instinto do bem, já se purificou, visto que talvez tenha  tido o do mal em anterior existência.”
  994. O homem perverso, que não reconheceu suas faltas  durante a vida, sempre as reconhece depois da morte?  “Sempre as reconhece e, então, mais sofre, porque sente  em si todo o mal que praticou, ou de que foi voluntariamente  causa. Contudo, o arrependimento nem sempre é imediato.  Há Espíritos que se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os sofrimentos por que passam. Porém,  cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram e  o arrependimento virá. Para esclarecê-los trabalham os bons  Espíritos e também vós podeis trabalhar.”
  995. Haverá Espíritos que, sem serem maus, se conservem  indiferentes à sua sorte?  “Há Espíritos que de coisa alguma útil se ocupam. Estão na expectativa. Mas, nesse caso, sofrem proporcionalmente. Devendo em tudo haver progresso, neles o progresso se manifesta pela dor.”
  995a) — Não desejam esses Espíritos abreviar seus  sofrimentos?  “Desejam-no, sem dúvida, mas falta-lhes energia bastante para quererem o que os pode aliviar. Quantos indivíduos se contam, entre vós, que preferem morrer de miséria  a trabalhar?”
  996. Pois que os Espíritos vêem o mal que lhes resulta de  suas imperfeições, como se explica que haja os que  agravam suas situações e prolongam o estado de inferioridade em que se encontram, fazendo o mal como  Espíritos, afastando do bom caminho os homens?  “Assim procedem os de tardio arrependimento. Pode  também acontecer que, depois de se haver arrependido, o  Espírito se deixe arrastar de novo para o caminho do mal,  por outros Espíritos ainda mais atrasados.”
  997. Vêem-se Espíritos, de notória inferioridade, acessíveis  aos bons sentimentos e sensíveis às preces que por  eles se fazem. Como se explica que outros Espíritos,  que devêramos supor mais esclarecidos, revelem um  endurecimento e um cinismo, dos quais coisa alguma  consegue triunfar?  “A prece só tem efeito sobre o Espírito que se arrepende. Com relação aos que, impelidos pelo orgulho, se revoltam contra Deus e persistem nos seus desvarios, chegando  mesmo a exagerá-los, como o fazem alguns desgraçados  Espíritos, a prece nada pode e nada poderá, senão no dia  em que um clarão de arrependimento se produza neles.”
  998. A expiação se cumpre no estado corporal ou no estado  espiritual?  “A expiação se cumpre durante a existência corporal,  mediante as provas a que o Espírito se acha submetido e,  na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao  estado de inferioridade do Espírito.”
  999. Basta o arrependimento durante a vida para que as  faltas do Espírito se apaguem e ele ache graça diante  de Deus?  “O arrependimento concorre para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o seu passado.”
  999a) — Se, diante disto, um criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso, expiar o seu passado, nenhuma  necessidade tem de se arrepender, que é o que daí lhe  resultaria?  “Tornar-se mais longa e mais penosa a sua expiação,  desde que ele se torne obstinado no mal.”
  1000. Já desde esta vida poderemos ir resgatando as  nossas faltas?  “Sim, reparando-as. Mas, não creiais que as resgateis  mediante algumas privações pueris, ou distribuindo em esmolas o que possuirdes, depois que morrerdes, quando de  nada mais precisais. Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de  bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se  esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o  suplício da carne suportado durante anos, com objetivo  exclusivamente pessoal. (726)  “Só por meio do bem se repara o mal e a reparação  nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no  seu orgulho, nem nos seus interesses materiais.  “De que serve, para sua justificação, que restitua,  depois de morrer, os bens mal adquiridos, quando se lhe  tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito?  “De que lhe serve privar-se de alguns gozos fúteis, de  algumas superfluidades, se permanece integral o dano que  causou a outrem?  “De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de  Deus se, perante os homens, conserva o seu orgulho?”
  1001. Nenhum mérito haverá em assegurarmos, para  depois de nossa morte, emprego útil aos bens que  possuímos?  “Nenhum mérito não é o termo. Isso sempre é melhor  do que nada. A desgraça, porém, é que aquele, que só depois  de morto dá, é quase sempre mais egoísta do que generoso.  Quer ter o fruto do bem, sem o trabalho de praticá-lo.  Duplo proveito tira aquele que, em vida, se priva de alguma  coisa: o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os que  lhe devem a felicidade. Mas, lá está o egoísmo a dizer-lhe:  O que dás tiras aos teus gozos; e, como o egoísmo fala mais  alto do que o desinteresse e a caridade, o homem guarda o  que possui, pretextando suas necessidades pessoais e as  exigências da sua posição! Ah! lastimai aquele que desconhece o prazer de dar; acha-se verdadeiramente privado de  um dos mais puros e suaves gozos. Submetendo-o à prova da  riqueza, tão escorregadia e perigosa para o seu futuro, houve  Deus por bem conceder-lhe, como compensação, a ventura  da generosidade, de que já neste mundo pode gozar.”
  1002. Que deve fazer aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se?  “O arrependimento lhe apressa a reabilitação, mas não  o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro, que jamais  se lhe tranca?”
  1003. É arbitrária ou sujeita a uma lei qualquer a duração  dos sofrimentos do culpado, na vida futura?  “Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a sua sabedoria e a sua  bondade se revelam.”
  1004. Em que se baseia a duração dos sofrimentos do  culpado?  “No tempo necessário a que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcionado ao grau de  purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se.  À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”SÃO LUÍS
  1005. Ao Espírito sofredor, o tempo se afigura tão ou menos  longo do que quando estava vivo?  “Parece-lhe mais longo: para ele não existe o sono. Só  para os Espíritos que já chegaram a certo grau de purifica-  ção, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.”
  1006. Poderão durar eternamente os sofrimentos do Espírito?  “Poderiam, se ele pudesse ser eternamente mau, isto  é, se jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria eternamente. Mas, Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou  a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que  progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade de cada um. Mais ou menos tardia pode ser  a vontade, do mesmo modo que há crianças mais ou menos  precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da  irresistível necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa duração aos esforços do Espírito.  Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz ele mau  uso, sofre as conseqüências.”SÃO LUÍS
  1007. Haverá Espíritos que nunca se arrependem?  “Há os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.”SÃO LUÍS
  1008. Depende sempre da vontade do Espírito a duração  das penas? Algumas não haverá que lhe sejam impostas por tempo determinado?  “Sim, ao Espírito podem ser impostas penas por determinado tempo; mas, Deus, que só quer o bem de suas criaturas, acolhe sempre o arrependimento e infrutífero jamais  fica o desejo que o Espírito manifeste de se melhorar.”SÃO LUÍS
  1009. Assim, as penas impostas jamais o são por toda a  eternidade?  “Interrogai o vosso bom-senso, a vossa razão e  perguntai-lhes se uma condenação perpétua, motivada por  alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade  de Deus. Que é, com efeito, a duração da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade? Eternidade!  Compreendeis bem esta palavra? Sofrimentos, torturas  sem-fim, sem esperanças, por causa de algumas faltas! O  vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os antigos  tenham considerado o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se  achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens.  Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como  virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia, o  esquecimento das ofensas. Poderia ele carecer das qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às suas criaturas? Não haverá contradição em se lhe atribuir a bondade  infinita e a vingança também infinita? Dizeis que, acima de  tudo, ele é justo e que o homem não lhe compreende a  justiça. Mas, a justiça não exclui a bondade e ele não seria  bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria  das suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma  obrigação para seus filhos, se lhes não desse meio de  compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas  dependa dos esforços do culpado não está toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a  verdade desta sentença: ‘A cada um segundo as suas obras.’” SANTO AGOSTINHO  “Aplicai-vos, por todos os meios ao vosso alcance, em  combater, em aniquilar a idéia da eternidade das penas,  idéia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, gérmen  fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença  que invadiram as massas humanas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se. O Espírito, prestes a  esclarecer-se, ou mesmo apenas desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua razão a repele e, então,  raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o  revolta e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta  que hão desabado sobre vós e aos quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil será a tarefa que vos apontamos, quanto  é certo que todas as autoridades em quem se apóiam os  defensores de tal crença evitaram todas pronunciar-se formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja  resolveram essa grave questão. Muito embora, segundo os  Evangelistas e tomadas ao pé da letra as palavras  emblemáticas do Cristo, ele tenha ameaçado os culpados  com um fogo que se não extingue, com um fogo eterno,  absolutamente nada se encontra nas suas palavras capaz  de provar que os haja condenado eternamente.  “Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que, longe de vos banir para  todo o sempre de sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos pas-  sos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e  está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da  família.” LAMENNAIS  “Guerras de palavras! guerras de palavras! Ainda não  basta o sangue que tendes feito correr! Será ainda preciso  que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre palavras:  eternidade das penas, eternidade dos castigos. Ignorais  então que o que hoje entendeis por eternidade não é o que  os antigos entendiam e designavam por esse termo? Consulte o teólogo as fontes e lá descobrirá, como todos vós,  que o texto hebreu não atribuía esta significação ao vocábulo que os gregos, os latinos e os modernos traduziram  por penas sem-fim, irremissíveis. Eternidade dos castigos  corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto existir o  mal entre os homens, os castigos subsistirão. Importa que  os textos sagrados se interpretem no sentido relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta. Chegue o  dia em que todos os homens, pelo arrependimento, se revistam da túnica da inocência e desde esse dia deixará de  haver gemidos e ranger de dentes. Limitada tendes, é certo,  a vossa razão humana, porém, tal como a tendes, ela é  uma dádiva de Deus e, com o auxílio dessa razão, nenhum  homem de boa-fé haverá que de outra forma compreenda a  eternidade dos castigos. Pois que! Fora necessário admitir-se  por eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter  criado o mal eterno; do contrário, forçoso seria tirar-se-lhe o  mais magnífico dos seus atributos: o soberano poder, porquanto não é soberanamente poderoso aquele que cria um  elemento destruidor de suas obras. Humanidade! Humani-  dade! não mergulhes mais os teus tristes olhares nas profundezas da Terra, procurando aí os castigos. Chora, espera, expia e refugia-te na idéia de um Deus intrinsecamente  bom, absolutamente poderoso, essencialmente justo.”  PLATÃO  “Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça,  o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem! digo-vos,  em verdade, que mentis a estes princípios fundamentais,  comprometendo a idéia de Deus, com o lhe exagerardes a  severidade. Duplamente a comprometeis, deixando que no  Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela  mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça,  do que atribuís ao ser infinito. Destruís mesmo a idéia do  inferno, tornando-o ridículo e inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo  das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média! Pois que! Quando banida se acha para sempre das legislações humanas a era das cegas represálias, é que  esperais mantê-la no ideal? Oh! crede-me, crede-me, irmãos  em Deus e em Jesus-Cristo, crede-me: ou vos resignais a  deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos  dogmas, de preferência a que se modifiquem, ou, então,  vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons,  neste momento, derramam neles. A idéia do inferno, com  as suas fornalhas ardentes, com as suas caldeiras a ferver,  pôde ser tolerada, isto é, perdoável num século de ferro;  porém, no século dezenove, não passa de vão fantasma,  próprio, quando muito, para amedrontar criancinhas e em  que estas, crescendo um pouco, logo deixam de crer. Se  persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a desorganização social. Tremo,  entrevendo toda uma ordem social abalada e a ruir sobre  os seus fundamentos, por falta de sanção penal. Homens  de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, mãos à  obra, não para manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época.  “Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um  desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo,  do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo.  “Que é o castigo? A conseqüência natural, derivada  desse falso movimento; uma certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação  do sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma,  pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o  porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a  redenção. Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é  negar-lhe toda a razão de ser.  “Oh! em verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o Bem, essência do Criador, com  o Mal, essência da criatura. Fora criar uma penalidade  injustificável. Afirmai, ao contrário, o abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas transmigrações e  consagrareis a unidade divina, tendo unidos o sentimento  e a razão.”  PAULO, apóstolo.  Com o atrativo de recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem para o bem e desviá-lo do mal. Se  esses castigos, porém, lhe são apresentados de forma que a sua  razão se recuse a admiti-los, nenhuma influência terão sobre ele.  Longe disso, rejeitará tudo: a forma e o fundo. Se, ao contrário,  lhe apresentarem o futuro de maneira lógica, ele não o repelirá. O  Espiritismo lhe dá essa explicação.  A doutrina da eternidade das penas, em sentido absoluto,  faz do Ente Supremo um Deus implacável. Seria lógico dizer -se,  de um soberano, que é muito bom, muito magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o cercam, mas que ao  mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e que pune  com o castigo extremo as três quartas partes dos seus súditos,  por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando  praticada pelos que não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus ser menos bom do que o seria um homem?  Outra contradição. Pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar  uma alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois, desde a sua  formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica.  Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se  instruir pela sua própria experiência, mediante suas próprias faltas. É necessário que expie seus erros, para melhor se firmar no  bem, mas a porta da esperança não se lhe fecha para sempre e  Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o conseguir,  dependa a sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a  mais meticulosa lógica pode admitir. Menos cépticos haveria, se  deste ponto de vista fossem apresentadas as penas futuras.  Na linguagem vulgar, a palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma coisa de longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem que  esse termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das  altas montanhas, dos pólos, embora saibamos, de um lado, que o  mundo físico pode ter fim e, de outro lado, que o estado dessas  regiões pode mudar pelo deslocamento normal do eixo da Terra,  ou por um cataclismo. Assim, neste caso, o vocábulo — eterno  não quer dizer perpétuo ao infinito, Quando sofremos de uma  enfermidade duradoura, dizemos que o nosso mal é eterno. Que  há, pois, de admirar em que Espíritos que sofrem há anos, há  séculos, há milênios mesmo, assim também se exprimam? Não  esqueçamos, principalmente, que, não lhes permitindo a sua inferioridade divisar o ponto extremo do caminho, crêem que terão  de sofrer sempre, o que lhes é uma punição.  Demais, a doutrina do fogo material, das fornalhas e das  torturas, tomadas ao Tártaro do paganismo, está hoje completamente abandonada pela alta teologia e só nas escolas esses aterradores quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades positivas, por alguns homens mais zelosos do que instruídos,  que assim cometem grave erro, porquanto as imaginações juvenis, libertando-se dos terrores, poderão ir aumentar o número  dos incrédulos. A Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é  usada figuradamente e que se deve entender como significando  fogo moral (974). Os que têm acompanhado, como nós, as peripécias da vida e dos sofrimentos de além-túmulo, através das comunicações espíritas, hão podido convencer-se de que, por nada  terem de material, eles não são menos pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a admiti-la no sentido restritivo acima indicado e pensam que, com efeito, a palavra  eterno se pode referir às penas em si mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua aplicação a cada indivíduo.  No dia em que a Religião admitir esta interpretação, assim como  algumas outras também decorrentes do progresso das luzes,  muitas ovelhas desgarradas reunirá.
  1010. O dogma da ressurreição da carne será a consagração  da reencarnação ensinada pelos Espíritos?  “Como quereríeis que fosse de outro modo? Conforme  sucede com tantas outras, estas palavras só parecem des-  propositadas, no entender de algumas pessoas, porque as  tomam ao pé da letra. Levam, por isso, à incredulidade.  Dai-lhes uma interpretação lógica e os que chamais livres  pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente  pela razão de que refletem. Por que, não vos enganeis, esses livres pensadores o que mais pedem e desejam é crer.  Têm, como os outros, ou, talvez, mais que os outros, a sede  do futuro, mas não podem admitir o que a ciência desmente. A doutrina da pluralidade das existências é consentânea  com a justiça de Deus; só ela explica o que, sem ela, é  inexplicável. Como havíeis de pretender que o seu princípio  não estivesse na própria religião?” — Assim, pelo dogma da ressurreição da carne, a  própria Igreja ensina a doutrina da reencarnação?  “É evidente. Demais, essa doutrina decorre de muitas  coisas que têm passado despercebidas e que dentro em  pouco se compreenderão neste sentido. Reconhecer-se-á  em breve que o Espiritismo ressalta a cada passo do texto  mesmo das Escrituras sagradas. Os Espíritos, portanto, não  vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm,  ao contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas  irrecusáveis. Como, porém, são chegados os tempos de não  mais empregarem linguagem figurada, eles se exprimem  sem alegorias e dão às coisas sentido claro e preciso, que  não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa. Eis  por que, daqui a algum tempo, muito maior será do que é  hoje o número de pessoas sinceramente religiosas e crentes.” SÃO LUÍS
  1012. Haverá no Universo lugares circunscritos para as penas  e gozos dos Espíritos, segundo seus merecimentos? “Já respondemos a esta pergunta. As penas e os gozos  são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um  tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua  desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar  circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a  uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais  ou menos felizes ou desgraçados, conforme é mais ou  menos adiantado o mundo em que habitam.” — De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno  e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina?  “São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por  simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são  perfeitos.”
  1013. Que se deve entender por purgatório?  “Dores físicas e morais: o tempo da expiação. Quase  sempre, na Terra é que fazeis o vosso purgatório e que Deus  vos obriga a expiar as vossas faltas.”
  1014. Como se explica que Espíritos, cuja superioridade se  revela na linguagem de que usam, tenham respondido  a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do  purgatório, de conformidade com as idéias correntes?  “É que falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando estas se mostram imbuídas de certas idéias, eles evitam chocá-las muito bruscamente, a fim de lhes não ferir as convicções. Se  um Espírito dissesse a um muçulmano, sem precauções  oratórias, que Maomet não foi profeta, seria muito mal  acolhido.”
  1015. Que se deve entender por — uma alma a penar?  “Uma alma errante e sofredora, incerta de seu futuro e  à qual podeis proporcionar o alívio, que muitas vezes solicita, vindo comunicar-se convosco.”
  1016. Em que sentido se deve entender a palavra céu?  “Julgas que seja um lugar, como os campos Elíseos  dos antigos, onde todos os bons Espíritos estão promiscuamente aglomerados, sem outra preocupação que a de gozar, pela eternidade toda, de uma felicidade passiva? Não; é  o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os  mundos superiores, onde os Espíritos gozam plenamente  de suas faculdades, sem as tribulações da vida material,  nem as angústias peculiares à inferioridade.”
  1017. Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o  quinto céus, etc. Que queriam dizer com isso?  “Perguntando-lhes que céu habitam, é que formais idéia  de muitos céus dispostos como os andares de uma casa.  Eles, então, respondem de acordo com a vossa linguagem.  Mas, por estas palavras — quarto e quinto céus — exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de  felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um  Espírito se está no inferno. Se for desgraçado, dirá — sim,  porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe,  porém, muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria  estar no Tártaro.”
  1018. Em que sentido se devem entender estas palavras do  Cristo: Meu reino não é deste mundo?  “Respondendo assim, o Cristo falava em sentido figurado. Queria dizer que o seu reinado se exerce unicamente  sobre os corações puros e desinteressados. Ele está onde  quer que domine o amor do bem. Ávidos, porém, das coisas  deste mundo e apegados aos bens da Terra, os homens  com ele não estão.”
  1019. Poderá jamais implantar-se na Terra o reinado do bem?  “O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos  que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então,  farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da  felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis  de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão,  senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.  “Predita foi a transformação da Humanidade e vos  avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso.  Essa transformação se verificará por meio da encarnação  de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai  ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha  das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio  adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de  seus irmãos ainda mais atrasados. Neste banimento de Espíritos da Terra transformada, não percebeis a sublime alegoria do Paraíso perdido e, na vinda do homem para a Terra  em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen de  suas paixões e os vestígios da sua inferioridade primitiva,  não descobris a não menos sublime alegoria do pecado  original? Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à natureza ainda imperfeita do homem que,  assim, só é responsável por si mesmo, pelas suas próprias  faltas e não pelas de seus pais.  “Todos vós, homens de fé e de boa vontade, trabalhai,  portanto, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração,  que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado.  Ai dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos  longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem dos  bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão  que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não  acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias.”SÃO LUÍS